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Hoje é sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Mantenedoras celebram a tradição do pastel de angu em Itabirito

A receita iniciada no período colonial faz parte da identidade do município e fomenta a cultura na região

Mantenedoras premiadas durante a festa do pastel de angu. Da esquerda para direita, Claúdia Leonel, Nilda Farnezz e Conceição de Paula
Mantenedoras premiadas durante a festa do pastel de angu. Da esquerda para direita, Claúdia Leonel, Nilda Farnezz e Conceição de Paula - ASCOM/Prefeitura de Itabirito

No início do mês de setembro, aconteceu em Itabirito a Festa do Pastel de Angu e em comemoração ao quitute, ocorreu duas premiações: uma premiou o sabor inovador, e a outra premiou o melhor pastel tradicional.

Segundo a prefeitura de Itabirito, os salgados foram avaliados por apresentação e por sabor. As ganhadoras do concurso de sabor inovador foram: Conceição de Paula, Nilda Farnezz e Claúdia Leonel; Nilda venceu também a categoria de pastel tradicional. As mulheres receberam uma premiação em dinheiro e um troféu.

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O salgado é um atrativo turístico, durante a festa do pastel de angu há, também, apresentação de artistas nacionais e locais. Na edição de 2025, o responsável por agitar a festa foi o cantor Zeca Baleiro. 

Em 2010 o modo tradicional de fazer o pastel de angu foi reconhecido como Bem Imaterial no município, já que o pastel é uma forma de gerar renda para as mulheres que produzem e fortalecem a cultura local. Neste ano, um projeto foi apresentado na Câmara dos Deputados para transformar Itabirito na Capital Nacional do Pastel de Angu.

O chamado para produção do pastel

Nilda Farnezz começou a produção da iguaria depois de se aposentar para arrecadar verba para a associação de bairro. A vizinha da mantenedora, Efigênia, a ensinou a produzir, mas por etapas. “Sempre peneirava o fubá, colocava a água para ferver e sempre de olho, junto com elas, até que passo a passo eu fui aprendendo”, relata. 

A responsabilidade de aprender a fazer o Bem Imaterial aumentou quando seu marido se tornou presidente da associação e Efigênia a incubiu de manter o legado do pastel de angu no bairro Munu. E que felicidade Nilda ficou quando foi convidada a ficar responsável por produzir o angu! Para a produtora, a dificuldade maior não foi preparar o angu, e sim, aprender a abrir as “cumbucas” para iniciar o processo do recheio.

“Foi uns dois anos para eu aprender a abrir as cumbucas e fechar o pastel. Aprendi! E o tempo passou. Ela [Efigênia] fez a viagem dela e deixou esse legado comigo. E eu me apaixonei com esse pastel”, conta emocionada. 

Conceição de Paula tem 85 anos e é natural de Itabirito, após perder o ponto de seu restaurante em Belo Horizonte, resolveu voltar para sua cidade natal. Na cidade, continuou produzindo doces e salgados, até que resolveu aprender a fazer o quitute pelo qual o município é conhecido.

A produtora gosta de desafio, e a trancos e barrancos, aprendeu o modo tradicional e, a partir disso, já conquistou quatro prêmios na Festa do Pastel de Angu. “Eu arrumei uma moça que era minha amiga e ela me ensinou a fazer o pastel. Então eu comecei a fazer um mais ou menos e tal, mas eu fui aprimorando”, diz Conceição sobre como aprimorou suas técnicas.

O chamado de Cláudia Leonel, pedagoga e mantenedora, veio desde nova. Sua avó produzia o salgado para venda e ensinou a sua mãe, que por fim ensinou a mantenedora, e ela ensinou a seu filho. E a família passou de geração em geração a produção e venda do pastel de angu para gerar renda.

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Participação na Festa do Pastel de Angu

A Festa do Pastel de Angu conta com apresentações musicais e premiação em dinheiro para as vencedoras do concurso. A festa valoriza e incentiva a cultura local

Cláudia Leonel, ganhou o terceiro lugar de pastel inovador com o sabor de costela com linguiça artesanal e queijos. O processo para criar o sabor foi uma reestruturação de uma receita antiga, costela com cheddar, mas com a quantidade de queijos mineiros disponíveis resolveram transformar a receita. “Aí a gente pensou em inovar, né? Colocamos uma linguiça caseira, os queijos mineiros e bastante tempero mineiro”, explica.

Para a pedagoga, foi uma alegria receber a premiação já que depois de subir no palco as barracas ficam cheias, todos querem experimentar os pastéis vencedores. A mantenedora ainda comentou que produz pastéis de angu doces a pedido de clientes. “Nós comercializamos na festa, uma pessoa tinha pedido o sabor Nutella, aí a gente fez para provar. A gente também fez pastel de doce de leite.” Os sabores doces foram os primeiros que acabaram.

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Conceição de Paula subiu no palco com uma toca semelhante a um turbante, para honrar a memória de Maria Conga e Filó, que, rezam as lendas, foram as responsáveis por criar o alimento para ajudar os escravizados no período colonial.

A mantenedora conquistou o primeiro lugar de sabor inovador com a receita de alho poró com damasco. As receitas, segundo Conceição, são sussurradas em seu ouvido. “Eu vou criando, eu tenho uma ajuda lá de cima que me fala no ouvido assim. Minha cabeça é um laboratório. Eu sou alquimista”, revela entusiasmada.

A emoção de ganhar o prêmio foi muita. Para a produtora, o dinheiro ajudaria a pagar suas funcionárias, que trabalham com ela há mais de 20 anos. “Então quando falou assim: ‘Agora é ela. Ela que tem 85 anos.’ Todo mundo na plateia falando: ‘ela merece’. Não tem emoção maior não”, se emociona.

Nilda Farnezz venceu o segundo lugar de pastel inovador, com o sabor lombo assado à Califórnia, e o primeiro lugar de pastel tradicional com o recheio de carne com umbigo de banana. A receita foi uma construção de tentativa e erro, já que Nilda sabia que queria um sabor agridoce.

De acordo com Nilda, o sabor adocicado faz sucesso entre os consumidores: “Conversando com as meninas que trabalham comigo, a minha cunhada falou assim: ‘Ô, Nilda, nós podemos fazer um pouquinho de cada compota’. Aí, fui lá na mercearia, comprei o abacaxi, fizemos a compota de abacaxi”, e assim fizeram com o figo também, a junção das duas compotas com o lombo ficou saborosa e para complementar, adicionaram uva passa.

Com o sucesso do sabor entre os clientes de seu estabelecimento, ela resolveu inscrever o Lombo Assado à Califórnia para o concurso, já que todo ano ela participa com um sabor diferente. Na hora da revelação, Nilda não estava muito confiante, tinha duas edições da competição que não ganhava, mas, para sua surpresa, em 2025 recebeu premiação dupla.

Mantendo a tradição de se fazer pastel de angu

As três vencedoras da competição são mantenedoras, o que significa que compõe a Associação das Mantenedoras e Produtoras do Pastel de Angu de Itabirito. A associação foi criada em 2023 com o objetivo de preservar e valorizar o quitute criado na cidade. Desse modo, as mantenedoras contribuem para o turismo local, realizando eventos e ações em prol do pastel. Em 2024, por meio de uma lei municipal, a associação foi reconhecida como utilidade pública.

Cada mantenedora tem um jeito de produzir, mas todas têm a função de manter os modos tradicionais de preparo e a receita original. Para fazer parte da entidade, as mantenedoras pagam uma mensalidade e podem vender seus pastéis no Vagão do Pastel de Angu, localizado na Praça da Estação. 

O vagão foi doado pela Vale e montado pela prefeitura, por lá as produtoras não precisam pagar aluguel para realizarem as vendas. O vagão funciona de quinta a domingo e recebe turistas e escolas da região para experimentarem o salgado tradicional.

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Uma tradição a ser preservada

Cada uma das vencedoras mantém vivo o modo tradicional do preparo de uma forma. Conceição de Paula tem um projeto em que começará a dar aulas de pastel de angu para crianças da região, ensinando com respeito e amor a tradição, “a energia que o pastel leva é primordial”. A mantenedora prefere vender seus pastéis de casa, produzindo para encomenda e, também, para venda em restaurantes de Belo Horizonte.

Cláudia Leonel vende seus preparos no vagão e trabalha em uma escola no município. Na escola ela fez um projeto para as crianças aprenderem com uma das mantenedoras a receita do pastel de angu. “A gente sorteou para irem lá no vagão e eles ficaram só falando: ‘Eu já fui no vagão’, ‘Fui lá, você não tava lá’. Eu falei: ‘Tem que ir o dia que eu tô lá’, eles gostaram de passar o dia no vagão”, conta empolgada sobre o projeto. 

Nilda Farnezz tem medo de que a nova geração não mantenha a tradição viva, mas faz sua parte ensinando sua filha a produzir o pastel. “Eu quero deixar esse legado. A minha filha mais velha já aprendeu, ela trabalha de enfermeira, um dia assim, ela trabalha na UPA e no outro dia ela vem fazer pastel e tá melhor do que eu. Pegou gosto. Como a dona Efigênia deixou para mim, eu quero deixar para eles”.

Foto de Ana Beatriz Justino
Graduanda em jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e estagiária na Agência Primaz. Possui grande atração por gênero, cultura e politica.