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Hoje é quarta-feira, 15 de maio de 2024

Moradores acusam Vale de perseguição e ameaças em remoções de Antônio Pereira

Mineradora estaria ameaçando judicializar os casos de famílias que ainda não encontraram uma casa para realocação.

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Nathália reclama de discriminação e diz que se sente na "lista negra da Vale" - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Após protestos e pressão dos atingidos sobre a mineradora Vale, as famílias que moram na Rua Projetada 10 e arredores em Antônio Pereira, ganharam enfim o direito de serem realocadas para locais fora das zonas de autossalvamento (ZAS) da Barragem Doutor. Porém, os moradores reclamam que funcionários responsáveis pela mudança não estariam seguindo todos os protocolos sanitários para a contenção da covid-19, além disso, a mineradora não estaria respeitando as escolhas dos moradores em relação aos locais para onde vão se mudar. Há ainda a suspeita de que a Vale estaria distinguindo os atingidos entre aqueles que são mais ou menos merecedores de benefícios da empresa durante esse processo que já se arrasta por mais de um ano.

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Nathália Silva, que mora com o marido e dois filhos, diz que a Vale não apresentou casas que atendessem às suas necessidades e nem aceitou alugar os imóveis apontados por ela, sob a justificativa de que os valores dos aluguéis eram superiores ao que poderia ser pago pela mineradora. “Quando eles estavam na minha casa, eles falaram que eu poderia ir para um lugar onde eu me sentia bem. Só que, nas duas casas que eu me senti bem, eles alegaram que não dava para pagar. Pode ser a mansão, pode ser um rio de dinheiro, mas nada vai substituir a minha casa”.

Diante do impasse, Nathália afirma ter sido ameaçada por funcionários da Vale de que sua situação seria judicializada. “É um tal de tira [a gente de casa], não tira. Agora resolveram que vão tirar. Só que todas as casas que me levam, só me levam no fim do mundo, como se eu fosse obrigada a sair da minha casa para enfiar debaixo de porão igual rato. Me levaram em algumas casas que são muito fora do padrão para mim. Na semana passada me ameaçaram. Um dos funcionários da Vale mandou mensagem falando que ia jogar meu caso para a Justiça porque eu fui em um monte de casas e não escolhi nenhuma”, desabafa.

Fernanda Caetano, outra atingida, também reclama das opções oferecidas pela mineradora, e acredita que seu direito de escolha não foi respeitado. “Eu fui olhar as opções que a Vale tinha para me mostrar e não gostei de nenhuma. Aí eles me deram a liberdade de seguir procurando um imóvel. Continuei procurando e encontrei. O proprietário fez as reformas de acordo com os problemas apontados pela Vale e está tudo ok. Agora, que era para fazer uma nova vistoria, eles me falaram que não vão alugar por causa de uma piscina que tem na residência”.

Com remoções em toda vizinhança, quem fica se sente cada vez mais isolado e inseguro - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Nathália e Fernanda também reclamam que a mineradora não tem considerado os vínculos afetivos criados por suas famílias ao longo da vida em Antônio Pereira. Nathália diz que, diante da falta de opções em Antônio Pereira, aceitou morar em Mariana, mas exige que seu caso seja tratado com respeito. “A minha casa faz fundo com a casa da minha mãe, sou vizinha de lado do meu irmão. É tudo junto. Aí vão tirar a gente desse vínculo, cada um pro seu canto, com falta de respeito. A gente tem que sair debaixo de humilhação?”, questiona a moradora.

Esse é também o motivo alegado por Fernanda ao não aceitar as outras casas oferecidas pela Vale. A atingida gostaria de se mudar para o mesmo local onde vizinhos estão se mudando, nas proximidades da Igreja Queimada. “Eu quero manter o vínculo que já criamos. [A Vale] quer que a gente alugue a casa que ela quer, não a do gosto da gente. Estou ficando ainda mais sozinha aqui, todo mundo já escolheu casa, e eu vou continuar aqui. Eu já vou ficar longe da minha mãe, que mora aqui perto, aí também vou ficar longe dos meus vizinhos? Minha filha já tem amizade com as meninas aqui do lado e para adaptar com ela em outro lugar vai ser mais difícil ainda”, reclama.

Moradores reclamam de falta de isonomia entre as primeiras e as atuais remoções - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

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Enquanto aguardam a resolução do problema, as famílias acompanham de perto a remoção de vizinhos, amigos e parentes, o que aumenta a angústia e a sensação de abandono. “Aí a gente está ficando, meu irmão, a Fernanda e eu, porque a gente sabe que é um tipo de tratamento diferente”, aponta Nathália. A moradora compara os processos de remoção e fala em discriminação com os novos removidos. “Está tendo, sim, muita discriminação nessa segunda remoção. Eles jogaram na nossa cara que não estão tirando a gente daqui porque querem, mas porque foram obrigados. Nós também não estamos saindo porque queremos. Nós não pedimos para eles colocarem uma bomba em cima da gente. E a gente viveu a vida inteira embaixo dessa bomba. Então que me tirem daqui com dignidade.”

Além da qualidade e localização das casas, outra diferença de tratamento relatada pelas famílias refere-se à doação de mobiliário para as novas residências, conhecida como “kit móveis”. As moradoras afirmam que não lhes foi dado o direito ao kit completo, como aconteceu nas remoções anteriores. É o que aponta Lucilene Santos Matias, proprietária de três imóveis na Projetada 10, que foi removida na última quarta-feira (24). Além disso, a moradora reclama da falta de transparência no processo. “Tem sido feito tudo no escuro. Eu fui avisada terça-feira da semana passada que eu iria mudar amanhã [quarta, 24]. Anteontem me enviaram o que seria de doação para mim do kit móveis. Foi tirado dessa remoção o direito de ter uma máquina de lavar, uma televisão, que todos ganharam. [Os primeiros removidos] tiveram direito a tudo, ao kit móveis completo, independente se o móvel iria sair ou não. Para nós, não. Mandaram dizer que eu vou ganhar as camas de solteiro, o armário e uma mesa. As outras coisas, eu vou levar”.

A atingida acredita que essa falta de transparência e de horizontalidade no processo é devido à sua atuação junto da comissão de atingidos. “A Vale fala que só estão acontecendo [as novas remoções] pelos movimentos que a gente fez. A gente parou a BR, a gente foi em Ouro Preto. Eles querem que a gente ceda em tudo o que eles ditam”. Além disso, Lucilene aponta diferenças de tratamento entre Antônio Pereira e Vila Samarco. “Essas placas de rota de fuga, de segurança, foram colocadas depois de uma manifestação que a gente fez e alegou que na Vila [Antônio Pereira/ Vila Samarco] era tudo sinalizado. Se você for lá, verá que as casas estão intactas. Tem mato, mas não tem nenhuma destruição nas casas. Nós, aqui, estamos nessa discriminação. Lá tem câmeras móveis nas esquinas e nós aqui não temos nada disso. Por quê a diferença?”, questiona.

Elvis Jhonatas quer continuar com seus animais por perto - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Elvis Jhonatas Silva se preocupa com o futuro de seus animais, ele que também é morador da Rua Projetada 10, cria cavalos em um terreno na mesma rua de sua casa. Por enquanto ele não sabe como vai fazer para levar seus animais para a nova moradia e não se diz satisfeito com a solução oferecida pela Vale. “O que adianta a Vale levar minha égua pra fazenda deles lá em Itabirito? Eu ter uma égua em Itabirito e não ter nada dá na mesma, eu quero é continuar cuidando dos meus bichos, ainda não sei como vou fazer, não conheço ainda a casa pra onde eu vou mudar, mas eu quero levar meus bichos.”

Lucilene também lamenta os impactos das remoções em seus imóveis e reclama da falta de diálogo por parte da mineradora. “A gente não sabe o dia de amanhã, entendeu? Foi o que aconteceu durante um ano. A gente parando BR. A gente queria só uma resposta certa da Vale. A partir do momento em que ela falou que não haveria mais remoções, nossa vida continuou. Agora a gente está saindo sem saber se vai voltar ou o que vai acontecer com as nossas vidas. Se de hoje para amanhã, a Vale disser que nós voltaremos para cá, quem garante que as minhas inquilinas vão voltar? Os proprietários ainda podem voltar. E os inquilinos, o que vai ser deles? Eu estou deixando para trás três casas. A gente custou a construir, tem toda uma história. Será que vou começar do zero, construir de novo, comprar uma casa? Não sei. Tem uma semana que eu cochilo, mas não durmo. Do nada você acorda, seu sono acaba, você só fica pensando. É difícil”.

O comerciante Josias já precisou demitir funcionários após queda de faturamento - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Este mesmo sentimento de frustração é compartilhado por Josias Avelino. “Eu tenho 3 casas e a Vale removeu os inquilinos. Paga o aluguel, mas eu não sou dono do meu imóvel mais. Hoje eu não posso vender o meu imóvel a hora que eu quiser. Ela interditou o meu imóvel, não paga a indenização. Já tem um ano que removeu todo mundo e nem comunica com a gente. No dia que tirou o pessoal, nem sabiam quem era o dono. Está pagando o aluguel porque os advogados ficam em cima. Aquele imóvel lá eu não posso vender e o que eu posso, se eu for vender, desvaloriza porque tiraram o pessoal todo. Eu acho que eles têm que remover, marcar uns seis meses e indenizar o imóvel, para a gente comprar outro lugar pra gente”.

As remoções das famílias de Antônio Pereira e da Vila Antônio Pereira têm causado impactos também no comércio local. Josias é comerciante há 13 anos e vem perdendo clientes desde o início do processo. “Para nós atrapalhou muito, pois tínhamos uns 30, 40 clientes cadastrados no sistema e foi tudo embora. São poucos os que compram hoje aqui. Perdemos todos, clientes de R$800,00, de R$ 1.000,00, R$ 1500,00. É muita quantidade de gente que foi embora. Nossa venda aqui caiu uns 40%. Nós investimos aqui, no outro açougue da praça. Foram mais de R$1 milhão só em obra. E agora a situação que a gente ficou? Perdido”.

O comerciante teme pelo patrimônio da família e faz críticas ao modo de operação da Vale na região. “Eu tenho um menino de 2 anos. O futuro dos meus 3 filhos está aqui. Se acabarem os clientes, acabou a minha venda. Aí que futuro meus meninos vão ter? A Vale não. Eles vêm, tiram o minério e, depois que acabou, vão embora para explorar outra área. Nós, não. Nós estamos plantados aqui”, finaliza Josias Avelino.

Os atingidos cobram segurança padrão Vila Samarco para as suas casas, muitas das que foram esvaziadas já se transformaram em ruínas em Antônio Pereira- Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Questionada pela nossa reportagem, a Vale encaminhou a nota reproduzida abaixo:
“As remoções das famílias das comunidades de Antônio Pereira e Vila Antônio Pereira, residentes na chamada poligonal da Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem Doutor, da mina de Timbopeba em Ouro Preto (MG), seguem recomendação da empresa auditora do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). As famílias estão sendo realocadas sob a coordenação da Defesa Civil, com o apoio da Vale. Elas recebem assistência integral da empresa e têm participação ativa na escolha de suas moradias, que seguem padrões pré-estabelecidos além da disponibilidade do mercado imobiliário, e são entregues após reforma e limpeza. A Vale respeita a escolha das famílias, ofertando várias opções de imóveis com condições iguais ou superiores aos originais.

Em relação à reposição de mobiliário, a empresa esclarece que ela acontece em caso de dano durante o transporte ou quando não há condições de desmontagem ou transporte para a nova residência. As famílias que possuem animais que, por algum motivo, não podem acompanhar seus tutores na mudança, têm à disposição abrigo e cuidados veterinários oferecidos pela empresa em centros de acolhimento com profissionais capacitados.

Durante o processo de remoções, a Vale faz rígido controle para cumprimento das medidas impostas pelas autoridades sanitárias para controle da pandemia de COVID-19, fornecendo EPIs e reuniões diárias de saúde e segurança com empregados contratados.

A Vale esclarece ainda que, em Antônio Pereira, mantém equipes de vigilância privada contratada, que realizam rondas frequentes e mantêm contato direto com as autoridades. A empresa está empenhada em conseguir uma solução técnica para estender o monitoramento por câmeras para toda a ZAS.

Por fim, a empresa reforça que qualquer pessoa que se considere atingida pode procurar o escritório de indenizações, que já fez acordo com mais 9 mil pessoas”.

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