Remoções de atingidos pela Barragem Doutor causam problemas no distrito de Antônio Pereira

Vale mais uma vez não se pronunciou sobre o caso.

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Após remoções de moradores, casas ficam em ruínas em Antônio Pereira - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Após o início das remoções dos moradores das zonas de auto salvamento (ZAS) da barragem de Doutor em Antônio Pereira, diversos problemas são relatados por moradores. Direito à moradia, saúde mental, problemas econômicos e de segurança são alguns dos problemas enfrentados. A empresa ainda não se pronunciou e os atingidos cobram diálogo durante o processo.

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Além da insegurança relatada por moradores de Antônio Pereira depois da divulgação do novo estudo de mancha da barragem, que também questionam a construção da estrada de acesso ao vertedouro e excessos que estariam ocorrendo pela Prefeitura de Ouro Preto e pela Vale, a remoção das famílias das ZAS não significa o fim dos problemas. Tanto os moradores removidos, quanto aqueles em processo de remoção ou que residem sobre o terreno da mancha relatam abusos e falta de clareza quanto às ações promovidas pela mineradora.

Como acontecem as remoções

Atualmente, os processos de remoção das famílias das ZAS seguem um protocolo totalmente criado pela Vale, sem a participação da comunidade. Quando a família é removida, para ela é cedida uma casa alugada pela empresa, geralmente localizada em município vizinhos, principalmente em Mariana.

Antes da mudança, a Vale realiza uma vistoria do imóvel e se responsabiliza pelo transporte, desmontagem e montagem de móveis na nova residência e as famílias ganham o direito de uma ajuda de custo para gastos imprevistos com a mudança. Além disso, eles passam a ter acesso a um valor emergencial mensal em forma de compensação pelo deslocamento da moradia.

Entretanto, os processos de retirada dos moradores causam problemas dos mais diversos e, de acordo com os moradores, a mineradora comete diferentes tipos de abusos, antes, durante e depois da remoção.

Saúde

Lorena Santos foi removida da ZAS recentemente junto com sua família: mãe, irmã e filha. A moradora relata problemas já durante a mudança. “As pessoas responsáveis pela mudança entraram na nossa casa sem nenhum tipo de proteção, sem máscara, sem nada, estamos em uma pandemia e isso não pode acontecer”.

Logo após a mudança, Lorena conta que aconteceu um acidente doméstico na nova casa devido à imperícia da equipe de montagem de móveis. “Minha filha brincava de casinha perto de mim, enquanto eu arrumava minhas roupas. O guarda-roupa, inclusive, quebrou durante a mudança e como ele foi mal montado, quase caiu em cima da minha filha de dois anos”.

Além dos problemas relacionados à saúde física, a saúde mental dos moradores, removidos ou não, também passa por problemas. Ana Carla Cota é moradora da região da ZAS e não se sente tranquila com a situação. “Está acontecendo um adoecimento generalizado na comunidade, a juíza determinou que a Vale oferecesse apoio psicológico para todos os moradores da comunidade, mas a Vale dá esse apoio psicológico só para as pessoas que são removidas. Após a remoção eles usam isso inclusive como forma de barganhar com a população.”

Ana é moradora da Rua Água Marinha, na Vila Antônio Pereira. O local é próximo à rodovia de acesso e em caso de rompimento seria o primeiro local atingido na Vila, mas a moradora afirma haver uma retaliação da empresa sobre aqueles que estão à frente dos pleitos da comunidade. “Existem famílias que permanecem residindo em suas casas porque não aceitamos as imposições da Vale, mas aí eles fazem uma retaliação. Nessa segunda fase de remoção, a Vale ignorou a existência dessas famílias, na nova fase de remoção nem aparecemos no mapa, então a gente fica doente mesmo. Eu tento manter minha saúde mental, mas está cada vez mais difícil”.

Retaliação: Moradores da Rua Água Marinha ficamfora do plano de remoção após reclamações - Vale

Economia

A mineradora não pretende oferecer nenhum tipo de auxílio para as famílias localizadas fora da ZAS e isso é outro problema enfrentado pelos moradores, Sabrina Veisack, proprietária de uma padaria há 3 anos na Vila Antônio Pereira teme pelos prejuízos decorrentes da perda de clientes após as remoções.

Sabrina também reclama da falta de diálogo com a mineradora “eles só conversam com as pessoas localizadas na mancha, mas várias ruas estão sendo fechadas, os imóveis estão sendo desvalorizados e como fica a situação do resto da comunidade? Está tudo muito incerto”, lamenta.

Lorena trabalhava com faxina quando morava em Antônio Pereira, mas com a clientela distante, ainda não conseguiu retornar às atividades. Questionada sobre o auxílio emergencial que estaria apta a receber da Vale, ela afirma: “O dinheiro vem atrasado e veio faltando parte do que prometeram”.

Ana Carla tem algumas casas de aluguel na localidade e segundo ela, a mineradora não indeniza toda a renda perdida com a remoção dos inquilinos. “A Vale paga um salário por CPF para os proprietários, caso o aluguel seja maior que isso ou se você por acaso tem mais de uma casa de aluguel, a Vale não ressarce essas perdas”.

Outra preocupação dos atingidos em relação à economia local é como ficarão os trabalhadores informais, cabeleireiras, artesãos, confeiteiras que tinham boa parte da renda oriunda de uma clientela que foi removida do distrito. Além disso, alguns casos de mulheres que deixavam os filhos com amigas e parentes para ir trabalhar, sofrem com a possibilidade de ou elas serem removidas da localidade ou as pessoas de sua confiança que cuidavam de seus filhos saírem, o que causaria o desemprego delas.

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Relações Sociais

Os atingidos relatam ainda que com a remoção das pessoas que moram nas ZAS, relações familiares e afetivas são prejudicadas. A filha de Lorena é muito apegada ao pai e aos avós paternos, costumava visitá-los com frequência quase diária. “Minha filha tá muito sentida, com saudade dos avós, só fica chorando e pedindo pra ir embora”.

O processo de descomissionamento tem a previsão inicial de oito anos até sua conclusão. Sobre isso, Ana Carla se diz muito apreensiva. “Nós acompanhamos como está sendo o processo de reassentamento de Bento Rodrigues, a estimativa inicial para reassentar todas as famílias era de dois anos, já se passaram quase cinco e ainda não tem previsão para concluir”.

Sobre isso a moradora que também faz parte da Comissão dos Atingidos por Barragens de Antônio Pereira questiona: “O que será de nossos idosos? Existem pessoas que moram aqui desde quando a vila surgiu, foram pioneiros e tem um apego emocional muito forte pelo território, o que será deles? Nós vimos que muitos idosos que deveriam ser reassentados em Bento morreram antes disso, vamos esperar isso acontecer aqui também?”.

Construída pela Vale, Barragem Doutor assusta moradores no distrito - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Segurança

O processo de remoção dos moradores deixa para trás ruínas e insegurança. Em visita a um local de recentes remoções, observamos que alguns imóveis já se encontram completamente descaracterizados, sem portas, janelas ou telhados, restando apenas algumas paredes.

A preocupação além do saqueamento de propriedades, já que a mineradora não consegue garantir a segurança dos imóveis, é sobre qual será o destino das casas abandonadas. A falta de manutenção de lotes e imóveis pode atrair pragas para a vizinhança, sobre isso, Ana Carla comenta: “Já encontrei rato dentro de casa, a Vale não está cuidando dos terrenos e os animais estão se reproduzindo”.

Outra situação parecida foi vivida por Paulo Corgozinho, morador de Antônio Pereira, com casa dentro da ZAS que passou a encontrar animais peçonhentos em sua casa, Com o início da construção da estrada que passa próxima à moradia. “Era a noite e eu vim fazer alguma coisa aqui fora e vi uma cobra coral passando por aqui, isso aqui (aponta uma mancha no chão) é o sangue que ficou quando eu matei ela”.

Direito à moradia

Um dos pleitos dos moradores é que o direito à moradia seja garantido, mas que o direito à propriedade das casas também seja preservado, assim como acontece em outros casos de reassentamento, inclusive no caso dos atingidos pela barragem de Fundão.

Os moradores reclamam da maneira como são abordados pela mineradora, muitos são aconselhados a não contratar advogados e entrar com demandas no escritório de indenizações da empresa com a promessa de que teriam uma maior agilidade em receber suas indenizações. Além disso, a empresa arcaria com 5% dos honorários dos advogados contratados pelas famílias, enquanto o preço de tabela para ações similares podem chegar a até 30% do valor da causa, o que pode trazer prejuízos aos atingidos.

A manutenção da propriedade também é vista como uma reparação para os atingidos. “Quando tudo isso tudo terminar, seja em quantos anos for, eu quero voltar para a minha casa”, comenta Ana.

Muitas pessoas ainda não sabem quando serão removidas das ZAS - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O que os moradores querem

As pautas da Comissão dos Atingidos por Barragens de Antônio Pereira são variadas, mas convergem no sentido de minimizar os problemas decorrentes da obra de descomissionamento e cobrar diálogo amplo com a Vale. “Não pedimos para sair de casa” ou “não pedimos para construir uma barragem sobre nossas cabeças” são afirmações recorrentes entre os moradores. Uma vez que existe um problema em decorrência da escolha da empresa, ela deveria se responsabilizar por tais escolhas, afirmam.

Falta de diálogo

Mais uma vez nossa equipe entrou em contato com a Vale e com a Prefeitura Municipal de Ouro Preto e, pela terceira vez, não obtivemos qualquer tipo de resposta por parte da mineradora e a prefeitura também não se manifestou até o momento. Lamentamos a falta de diálogo e de interesse em esclarecer a população sobre as ações e os cuidados tomados em relação aos problemas apontados.

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