Entidades criticam a reabertura parcial do “Jardim” em Mariana

Prefeito afirma que a medida vai diminuir as aglomerações que vêm acontecendo no local

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A parte do Jardim, onde estão localizados os lagos, continua em obras - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAT) e a Associação Nossa Mariana manifestaram grande preocupação e fizeram duras críticas à reabertura parcial do Jardim (Praça Gomes Freire), ocorrida no início da noite desta quarta-feira (23). A Agência Primaz ouviu a Presidente do COMPAT, Ana Cristina de Souza Maia, e teve acesso à “Carta ao Povo de Mariana”, divulgada pela Associação Nossa Mariana. O prefeito Duarte Júnior compareceu ao local e gravou um vídeo afirmando que a reabertura tem por objetivo criar espaço para que sejam evitadas as aglomerações ocorridas na rua da parte baixa do local, próximo aos bares.

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Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAT)

A reabertura parcial do Jardim foi duramente criticada pela presidente do COMPAT, Ana Cristina de Souza Maia. Ela elencou os três principais motivos pelos quais se posiciona contrariamente à reinauguração neste momento. Além disso, Ana Cristina acredita que o evento realizado hoje é um “ato que demonstra interesse absolutamente eleitoreiro” por parte do Prefeito de Mariana.

A situação de obra inacabada, a preocupação com o precoce estágio de desenvolvimento do paisagismo já implantado e, principalmente, a questão da pandemia, com números crescentes de contaminados na cidade são os principais motivos das críticas de Ana Cristina. “Eu vejo com muita preocupação essa inauguração por vários motivos. O primeiro deles diz respeito à competência do Conselho que é zelar pelo patrimônio cultural de Mariana, material e imaterial. Essa obra não está pronta. Eles estão inaugurando parcialmente justamente porque ela não está pronta”, afirma a presidente do COMPAT. Ana ainda considera que é imprudente a reabertura em função de terem sido utilizadas plantas ainda em estágio inicial de florescimento. Para ela, “o paisagismo ainda está muito frágil porque foram muitas mudas novas plantadas. Tudo é muito novo, na verdade. Não se aproveitou nada do que tinha, a não ser as árvores”. Ana acrescenta que nem mesmo está finalizado o acabamento em algumas partes da praça e aponta que continua em vigor a prática marianense de inaugurar obras inacabadas. “O acabamento não está completo e a gente acredita que abrir o Jardim parcialmente, sendo que um lado ainda está acontecendo uma obra, é colocar esse patrimônio em risco”, declara.

Nós estamos no meio da mais grave pandemia que o mundo já viu, completando aí 180 mil mortos. Mariana, de um dia pro outro, tem mais de 60 casos novos e a prefeitura decide reinaugurar uma praça, fazer um evento, aglomerar e colocar mais gente em risco e, ainda por cima, depois deixar a praça aberta para a frequência das pessoas que deveriam estar dentro de casa (Ana Cristina de Souza Maia)

Presidente do COMPAT, Ana Cristina demonstra total discordância com a reabertura parcial do Jardim - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Em relação à época da reabertura, Ana Cristina é enfática: “O segundo motivo tem a ver com o momento que a gente está vivendo. As pessoas são o principal patrimônio da cidade e a Prefeitura de Mariana não está demonstrando nenhum respeito pelas pessoas, ao fazer a reinauguração dessa obra hoje”. Ana diz também que a situação da pandemia em Mariana, assim como no país, inspira cuidados que não podem ser desconsiderados, alertando para a possibilidade de agravamento. “Nós estamos no meio da mais grave pandemia que o mundo já viu, completando aí 180 mil mortos. Mariana, de um dia pro outro, tem mais de 60 casos novos e a prefeitura decide reinaugurar uma praça, fazer um evento, aglomerar e colocar mais gente em risco e, ainda por cima, depois deixar a praça aberta para a frequência das pessoas que deveriam estar dentro de casa”, declara.

Para além dessas razões, a Presidente do COMPAT ainda vê problemas em termos de segurança dos frequentadores: “A parte da obra que não está concluída é uma parte perigosa, tem buracos profundos de duas lixeiras grandes que ainda estão sendo feitas subterrâneas. Criança pode cair ali, um bêbado pode cair à noite, tem ferragem e isso vai ficar exposto, aberto para as pessoas frequentarem e correrem o risco de se machucar”.

Ana Cristina ainda coloca um ingrediente a mais na situação, alegando que a reabertura tem viés eleitoral e de promoção pessoal do prefeito Duarte Júnior. “A gente sabe muito bem que é um ato que demonstra interesse absolutamente eleitoreiro. O prefeito quer colher esse louro antes de ele sair da prefeitura. É uma decisão que não beneficia em nada a população de Mariana, mas que beneficia ele pessoalmente, que quer deixar a marca de que foi ele quem entregou. O que é uma bobagem, porque todo mundo sabe que é uma obra que ele escolheu fazer e conduzir”, finaliza.

Associação Nossa Mariana

Na “Carta ao Povo de Mariana”, a Associação Nossa Mariana repete as críticas de Ana Cristina. Com data de hoje (23), o documento manifesta “repúdio à eventual inauguração no dia de hoje da obra do ‘Jardim’, visto que ela ainda se encontra em processo de reforma não tendo sido totalmente concluída, podendo inclusive gerar danos ao que já foi reformado”, fazendo ainda menção à pandemia e ressaltando que a manifestação contrária não entra “no mérito da necessidade da reforma do ‘Jardim’ e nem dos termos e condições em que ela se deu”.

Confira a íntegra do documento:

Mariana, 23 de dezembro de 2020.

Carta ao povo de Mariana

A Associação Nossa Mariana vem por meio desta carta manifestar repúdio da eventual inauguração no dia de hoje da obra do “Jardim”, visto que ela ainda se encontra em processo de reforma não tendo sido totalmente concluída, podendo inclusive gerar danos ao que já foi reformado e também a fim de evitar aglomerações em um momento de crescimento de infectados pela Covid-19, entendendo que não seja o momento de promover atividades ou locais que possam gerar mais riscos e oportunidades para contaminação da população.

Deixamos aqui essa carta de repúdio em que vemos não haver necessidade de inaugurar de forma apressada algo que ainda não foi concluído e provocando riscos pelo momento que vivemos. Também ressaltamos que não entramos no mérito da necessidade da reforma do “Jardim” e nem dos termos e condições em que ela se deu.

Cordialmente,

ASSOCIAÇÃO NOSSA MARIANA (#NOSSAMARIANA)

CNPJ sob o nº 24.883.293/0001-6

contato.nossamariana@gmail.com

Em contato com Henrique Teixeira da Fonseca, integrante da organização, a Agência Primaz apurou que a Associação Nossa Mariana, fundada em fevereiro de 2016, tem por objetivo “informar e fiscalizar“, tendo como missão “empoderar a sociedade civil, visando torná-la atuante na fiscalização dos trabalhos das autoridades e políticos locais, bem como na cobrança por transparência, ética e garantia do poder de decisão da sociedade“.

De acordo com Henrique Teixeira, a entidade está buscando tornar-se “um canal de informação livre, através da formação de redes virtuais para denunciar ações que venham a prejudicar o desenvolvimento de Mariana e o bem estar de seus moradores“.

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Reação positiva

Nossa reportagem conversou com o comerciante Igor Malta, proprietário de estabelecimentos comerciais localizados na chamada “parte baixa” da Praça Gomes Freire. “Depois desse tempo todo, eu acho importante a inauguração dessa obra para o comércio local, principalmente da Praça Gomes Freire. É importante ter essa praça aberta para a gente poder ter um trabalho continuado, já que ele foi interrompido ao longo desse ano todo”, afirmou Igor, discordando da situação de inauguração de obra inacabada, mas reconhecendo que se trata de uma prática comum no país e também considerando sua condição de comerciante estabelecido no local. “Infelizmente essas coisas acontecem no país inteiro. Eu não sou de acordo com isso, mas como comerciante, eu não posso ficar esperando a praça terminar. Então, eu acho que, de qualquer forma, ela tem que abrir. Agora, em relação a ela estar sendo aberta inacabada, mais uma vez isso demonstra uma falta de administração”, declarou.

Igor discorda da visão de quem vê perigo na reabertura em função da pandemia: “Eu tenho uma opinião um pouco diferente da maioria das pessoas. As pessoas estão condenando a abertura do Jardim por possíveis aglomerações, sendo que as aglomerações estão acontecendo em todos os locais. Então, eu não vejo o Jardim como local de aglomeração”.

Eu tenho uma opinião um pouco diferente da maioria das pessoas. As pessoas estão condenando a abertura do Jardim por possíveis aglomerações, sendo que as aglomerações estão acontecendo em todos os locais. Então, eu não vejo o Jardim como local de aglomeração (Igor Malta)

Igor também ressalta que a questão principal é o comportamento das pessoas, afirmando que “não adianta nada, por exemplo, nas filas de banco, você marcar o lugar e as pessoas não respeitarem. As pessoas não estão fazendo a parte delas, que é fazer o distanciamento”. Para ele, é também falsa a questão da possibilidade de vandalismo. “A gente tem que ter policiamento e as pessoas têm que respeitar o patrimônio público. A praça em si, aberta, não traz nenhum tipo de aglomeração. O que traz é a atitude das pessoas”, finaliza.

Reinauguração ou reabertura?

Duarte Júnior, Prefeito de Mariana, gravou um vídeo que foi disponibilizado em sua rede social - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Quando a reportagem da Agência Primaz chegou ao Jardim havia uma tenda montada e também equipamento de som, indicando a realização de uma solenidade às 18h. Poucos minutos antes desse horário, fomos informados que isso não mais aconteceria. No entanto, o prefeito Duarte Júnior chegou em seguida, posou para fotografias junto a representantes da Fundação Renova e gravou um vídeo, de apenas 53 segundos, posteriormente publicado em seu perfil no Facebook, no qual transmitia um recado à população marianense.

Prefeito Duarte Jr e assessores, juntamente com representantes da Fundação Renova, em foto oficial da reabertura parcial do Jardim - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Falando à Agência Primaz, Duarte Júnior contestou todas as críticas feitas em relação à situação, ressaltando que o ato não deveria ser considerado como inauguração: “Nós não estamos fazendo aqui hoje uma inauguração. O que nós estamos fazendo aqui é permitindo que o marianense volte a ocupar o Jardim, para que não haja a aglomeração que estava acontecendo nos últimos finais de semana”.

O prefeito repetiu várias vezes que a reabertura não é um incentivo a novas e maiores aglomerações: “A gente entende que é importante entregar parcialmente, porque o movimento que está tendo na rua, essa aglomeração na rua, está trazendo problemas maiores pra saúde das pessoas. Então, a intenção é abrir o Jardim para que não haja essa aglomeração de pessoas”. Duarte revelou que a medida terá como benefício o retorno da Polícia Militar à praça, juntamente com maior presença da Guarda Municipal. “[A reabertura vai servir] pra gente voltar com a base de segurança pública, ter a presença da Guarda Municipal… A gente estava percebendo os problemas que a gente estava tendo com o fechamento total do Jardim. Então, a gente acredita que essa abertura parcial vai melhorar o fluxo de pessoas, vai melhorar o convívio de pessoas e nós não teremos aglomeração que estava tendo, aonde era somente utilizada a rua em frente ao Jardim”, reforçou Duarte.

A gente entende que é importante entregar parcialmente, porque o movimento que está tendo na rua, essa aglomeração na rua, está trazendo problemas maiores pra saúde das pessoas. Então, a intenção é abrir o Jardim para que não haja essa aglomeração de pessoas. (Duarte Jr.)

Base comunitária móvel da Polícia Militar e Guarda Municipal já estavam a postos no Jardim, antes da reabertura - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Sobre a questão de inaugurar uma obra inacabada, Duarte rechaçou a comparação com o ex-prefeito Celso Cota: “Não, eu não vejo dessa forma. Até porque a obra vai ser finalizada em janeiro. Tem os recursos, a obra tá em andamento. E, com toda a certeza, ainda falta uma parte da obra, por isso que a gente tem deixado claro que não é uma inauguração. Em janeiro essa obra vai ser entregue”, assegurou.

Duarte Jr. também manifestou sua discordância sobre a questão da possibilidade de prejuízo ou dano às plantas que compõem o paisagismo no local. “Olha, como eu disse, a base comunitária de segurança pública volta para o Jardim e isso é muito importante. Temos a presença da GM e teremos vigias também, tomando conta desse espaço público”, declarou o prefeito, reafirmando que o espaço é público e deve ser ocupado pelos marianenses. “A gente não pode ter medo de utilizar o espaço público porque alguém pode danificar esse espaço. O poder público tem que assumir e permitir que as pessoas de bem ocupem o espaço. Eu não tenho medo. Ah, porque pode ter vandalismo não vamos abrir? Então estão falando que a gente tem que ter medo de tudo, que a gente tem que ficar refém de quem é mal intencionado, e tem que ser o inverso: As pessoas de bem têm que ocupar”, finalizou.

Polêmicas e histórico da revitalização do Jardim

A reforma, ou revitalização, do Jardim vem sendo discutida desde o ano passado, com muitas polêmicas, reações contrárias, modificações no projeto original, além de repercussões na grande mídia.

São inúmeras e antagônicas as manifestações nas redes sociais, contrárias e favoráveis à obra. Entre as contrárias, a mais constante acusa o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) de ter sido conivente com o que é chamado de ‘descaracterização do Jardim”. Há poucos meses, o IPHAN foi chamado a intervir em razão de uma suposta modificação ou inadequação ao projeto aprovado, em termos da rampa de acessibilidade construída na parte superior da praça. Depois de muita discussão, e até mesmo com a interferência do Ministério Público Estadual (MPE), a rampa foi modificada.

Na manhã desta quarta-feira (23), uma faixa foi afixada em um dos casarões que circundam a praça, em mais uma alusão às exigências feitas pelo IPHAN quando são submetidos projetos de reformas em edificações situadas na área tombada da cidade, em oposição à suposta falta de rigor com o projeto desenvolvido e executado pela Fundação Renova.

Faixa na fachada de casarão situado na Praça Gomes Freire (Jardim) ironiza a atuação do IPHAN - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Nossa reportagem não conseguiu fazer contato com a proprietária do imóvel.

Confira aqui a reportagem da Agência Primaz sobre a aprovação do projeto de revitalização do Jardim, em audiência pública realizada no ano passado.

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