Nova mancha da Barragem Doutor leva insegurança a moradores de Antônio Pereira

Barragem Doutor está no nível 2 em uma escala entre 1 e 3 de risco de rompimento.

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Fernanda Caetano, da porta de sua moradia observa o lote vizinho, sua casa está "segura", a mancha vai só até a cerca - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Na última semana foi publicado um novo estudo de impacto de um possível rompimento da Barragem Doutor, localizada no distrito de Antônio Pereira em Ouro Preto. A barragem tem capacidade para 35 milhões de m³ de rejeitos de mineração e passa por obras de descaracterização e descomissionamento. O prazo para a finalização do processo é de 8 anos.

A situação dos moradores de Antônio Pereira e Vila Antônio Pereira (Vila Samarco) é incerta. Nos últimos meses ocorreram várias manifestações contra a empresa e reuniões de moradores com o intuito de tentar resolver o impasse. No entanto, diversas reclamações foram registradas quanto à maneira como a Vale conduz todo o processo no distrito.

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O estudo que amplia a área da ZAS (Zona de Auto Salvamento), com a “nova” mancha de impacto em um possível rompimento, publicado pela empresa no dia 13 de agosto, não é tão novo assim. O documento existe pelo menos desde o início de junho, quando serviu de base para a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de Minas Gerais, no dia 2 daquele mês.

Um dos principais motivos de uma manifestação realizada por moradores de Antônio Pereira, no dia 31 de julho, foi a cobrança sobre a divulgação do novo estudo. O prazo se encerraria naquela sexta-feira, mas chegou ao conhecimento da população quase duas semanas depois.

Estudo de mancha de possível rompimento da Barragem Doutor - Vale 2018
Estudo de mancha de possível rompimento da Barragem Doutor - Vale 2020

Incertezas

A reportagem da Agência Primaz foi até Antônio Pereira para conversar com a população e entender como o processo ocorre no local. Conversamos com moradores de Antônio Pereira, Vila Antônio Pereira e buscamos contato com a mineradora por diferentes canais de comunicação, infelizmente sem qualquer retorno.

A nova mancha de impacto, apesar de apresentar recuos em algumas partes do distrito é maior que a anterior e passa a atingir 148 famílias. São 75 moradias a mais que o divulgado no primeiro estudo. A dificuldade em acessar os estudos e a falta de clareza da mineradora deixam os moradores em situação de medo e insegurança.

“A gente não consegue dormir direito, a gente só fica pensando: será que vai estourar, será que não? E se a lama vem de frente para a minha casa, que segurança eles me dão que ela não vai me atingir aqui?” (Fernanda Caetano)

Fernanda Cristina Caetano é moradora da Rua Projetada 10 em Antônio Pereira e apesar de ter sido cadastrada pela empresa, não é reconhecida como atingida pela mancha de inundação. De acordo com o estudo, a mancha atingirá apenas o vizinho de frente e do lado da casa de Fernanda. “A gente não consegue dormir direito, a gente só fica pensando: será que vai estourar, será que não? E se a lama vem de frente para a minha casa, que segurança eles me dão que ela não vai me atingir aqui?”, questiona.

Fernanda teme pela segurança de sua família na vizinhança da mancha - Foto - Lui Pereira/Agência Primaz
Localização da casa de Fernanda na Rua Projetada 10 - Google Maps
Detalhe do novo estudo de mancha nas proximidades da Rua Projetada 10 - Vale 2020

Lucilene Santos Matias também é moradora na Rua Projetada 10 e faz parte da comissão de moradores. Lucilene afirma que a Vale visitou hoje, (21) alguns moradores na companhia de geólogos e sem o consentimento da Defesa Civil para informar a diminuição da mancha sobre o território. Inicialmente a família de Lucilene estava cadastrada para remoção, mas a partir do segundo estudo, a empresa afirma que a residência está protegida, em uma distância de 9 metros da zona de inundação.

“Eu não consigo dormir, eu não consigo ter minha paz de volta, eu não tenho mais minha vida, então eu tive que abrir mão do meu filho por medo disso aqui arrebentar e perder ele. Então eu prefiro ficar embaixo dessa bomba e ver meu filho bem e seguro”. (Lucilene Matias)

Lucilene não se sente segura com a situação. Em reunião no dia 13 de julho, foi informada que as casas dentro e nas margens da mancha seriam realizadas de forma conjunta com a Defesa Civil. “Eu tive que mandar meu filho de 10 anos de idade para casa de parentes porque eu não consigo dormir, eu não consigo ter minha paz de volta, eu não tenho mais minha vida, então eu tive que abrir mão do meu filho por medo disso aqui arrebentar e perder ele. Então eu prefiro ficar embaixo dessa bomba e ver meu filho bem e seguro”, desabafa.

Sabrina Veisack é comerciante e possui uma padaria há três anos na Vila Antônio Pereira. O comércio fica localizado próximo aos limites da nova ZAS e a proprietária teme pelo isolamento da região, pois a mancha cobre o único acesso ao bairro. “Pra gente é muito ruim, é desvalorização de imóvel, de estabelecimento, de tudo. Independente de estar na mancha ou não, todo mundo aqui foi prejudicado. Hoje não é mais um lugar tranquilo. A gente perdeu a tranquilidade de viver. O que vai ser desta vila? Várias ruas estão sendo isoladas, ficando fantasmas. E o resto? A gente vai ficar aqui como fantasma?”.

Funcionária da padaria, Joice Raila se preocupa com a própria casa, localizada em Antônio Pereira. “[Se for retirada de casa] Vai mudar tudo na minha vida. Eu não queria sair de lá não. Mas se tiver que sair, fazer o quê? Eu não fico com esse trem na cabeça, senão a gente não vive, sabe?”. Joice acredita que a sua casa está localizada dentro da ZAS e afirma que também não foi procurada pela Vale. “Eu não fui em nenhuma entrevista até hoje, nem passou ninguém na minha rua. Eu acho que a minha casa vai estar na mancha, pois é na rua da lagoa”.

A gente perdeu a tranquilidade de viver. O que vai ser desta vila? Várias ruas estão sendo isoladas, ficando fantasmas. E o resto? A gente vai ficar aqui como fantasma?” (Sabrina Veisack)

Sabrina Veisack é proprietária de uma padaria há 3 anos na Vila Antônio Pereira - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

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O que diz o documento de 2 de junho

A Ação Civil Pública protocolada no dia 2 de junho de 2020 já traz em suas páginas o novo mapa com a Zona de Auto Salvamento ampliada. Alguns motivos para a mineradora não publicar ou trabalhar a partir desse mapa desde aquela data, podem ser encontrados também no documento.

Em um trecho é possível destacar que “até o presente momento, a Requerida se recusa a aplicar, para efeito de evacuação, desde já, a mancha de inundação mais conservadora. Importante consignar, porém, que a VALE admite a necessidade de revisão da mancha para o enfrentamento do próximo período chuvoso, com a realização, inclusive, de novas atividades de evacuação”, ou seja, no documento a mineradora reconhece a necessidade de revisão da mancha, entretanto se mostra resistente quanto à utilização do novo modelo.

Em outra parte da ação é possível observar a preocupação em relação à efetividade do estudo anterior: “Em documento datado de 11 de março de 2020, a auditora SLR CONSULTING levantou questionamentos a respeito da acurácia da zona de auto salvamento definida no estudo de ruptura hipotética que vem sendo considerado pela VALE: Em 11 de maio de 2020, a mesma auditora, no documento intitulado ATUALIZAÇÃO DA INUNDAÇÃO E VIOLAÇÃO DA BARRAGEM DE DOUTOR, MINA DE TIMBOPEBA -Doc. SLR. M.T.0016, também apontou que a mancha de inundação atualmente utilizada pela VALE não reflete a situação mais segura para a população do Distrito de Antônio Pereira, sendo necessária a ampliação da área de evacuação e atingidos”.

Contatos com a Vale

Nossa reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação da empresa por e-mail no dia 13 de agosto, infelizmente não obtivemos qualquer tipo de resposta. Nossa reportagem testou ainda o funcionamento do protocolo de dúvidas disponibilizado no Ponto Volante de Informações da empresa no distrito no dia 18. O prazo informado de retorno era de 24h, também não obtivemos respostas.

Infelizmente a ausência de comunicação da mineradora não é apenas com nosso veículo. Os moradores se sentem abandonados pela empresa, “a gente não teve resposta nenhuma da Vale. Ela simplesmente jogou esse novo mapa aí, essa nova mancha, está retirando as famílias que têm que ser retiradas e, para as famílias que vão ficar, ela [Vale] não deu satisfação nenhuma”, afirma Fernanda Caetano.

A comerciante Sabrina destaca que “em momento algum a gente foi comunicado ou acionado pela Vale para nada. Mesmo a mancha estando ou não, a gente já é afetado. Várias famílias saíram, muitas pessoas têm medo de ficar aqui”.

A Barragem Doutor

Vizinhança inconveniente, Barragem Doutor fica muito próxima ao distrito de Antônio Pereira - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Construída em 2001, a Barragem Doutor é a maior do complexo minerário Timbopeba com 35 milhões de m³ de rejeitos de mineração. Concebida como uma construção de linha de centro (mais segura), foi reclassificada como barragem a montante (mais barata e menos segura) em 2019. A estrutura tem 75 metros de altura e não recebe novos rejeitos há pouco mais de um ano.

Um possível rompimento da estrutura equivale ao triplo da quantidade de rejeitos despejados pela Mina do Córrego do Feijão de Brumadinho em 2019, onde haviam quase 12 milhões de m³ de rejeitos, ou 80% dos 43,7 milhões de m³ despejados pela barragem de Fundão em 2015.

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