- Mariana e Ouro Preto
Mineradora pode apagar vestígios de três séculos de história
Parte do projeto está sobre Zona de Amortecimento do Parque Municipal das Andorinhas
- Lui Pereira
- Joyce Campolina
O Projeto Walls, um empreendimento de mineração de minério de ferro em fase de licenciamento nos municípios de Ouro Preto e Mariana, coloca em risco um complexo com dez sítios arqueológicos que datam dos primórdios da colonização e do ciclo do ouro no Brasil. Área vizinha ao mirante da Estrada da Purificação pode destruir 10 sítios arqueológicos e levar insegurança hídrica para os moradores do Bairro Alvorada.
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De acordo com o Relatório de Impacto no Patrimônio Cultural (RIPC), parte dos estudos exigidos para o licenciamento, revelou que a Área Diretamente Afetada (ADA) do projeto e seu entorno estão localizados em uma região de alta concentração de vestígios históricos, muitos deles a pouquíssimos metros das futuras operações de lavra, sendo que pelo menos um deles, segundo a própria mineradora está dentro dos limites da ADA.
A mineração deve ocorrer nos limites municipais entre Ouro Preto e Mariana. A parte ouropretana da operação está localizada sobre a Zona de Amortecimento do Parque Municipal das Andorinhas, enquanto na porção marianense, moradores do Bairro Alvorada temem pela água, captada a poucos metros do futuro empreendimento.
Patrimônio cultural ameaçado
O local conhecido como Fazenda Romão, nas margens da recém pavimentada Estrada da Purificação, bem próximo do mirante, possuí ao menos 10 sítios arqueológicos registrados pelo IPHAN. Trata-se de estruturas de exploração aurífera, vias históricas e resquícios de habitações e estruturas de vigilância que ajudam a contar a história da ocupação da região durante os séculos XVII e XVIII.
Todo este patrimônio, porém, está ameaçado pelo Projeto Walls, que pretende extrair 300 mil toneladas de minério de ferro ao ano do local. De acordo com EPIC/RIPC – Estudo Prévio de Impacto Cultural/Relatório de Impacto no Patrimônio Cultural, apresentado pela própria empresa como parte do processo de licenciamento ANM Nº830.578/2006, todos os 10 sítios arqueológicos da área estão a menos de 1 km de distância da ADA, metade deles a menos de 30 metros e um deles sobre a ADA do empreendimento.
O local é uma das áreas com maior concentração de resquícios arqueológicos da nossa região, com 10 dos 126 sítios arqueológicos identificados, cerca de 8% do total. A própria Estrada da Purificação tem valor histórico e arqueológico, por se tratar de uma estrada histórica, passagem dos tropeiros em busca de ouro.
O Sítio Arqueológico Fazenda Romão III está a apenas 0,008 km da ADA (8 metros), e o Fazenda Romão II a 0,003 km (3 metros), demonstrando contato ou proximidade extrema. O Núcleo de Mineração Água Suja I está a 0,23 km e a Estrada da Purificação a apenas 0,26 km.
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Embora o Projeto Walls afirme que seu arranjo geral e estratégia de implantação foram definidos respeitando as limitações para proteger os sítios arqueológicos avaliados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, o impacto físico da lavra a céu aberto representa uma ameaça direta:
O decapeamento (remoção do solo) e a movimentação de terra inerentes à atividade de mineração alteram o relevo e, consequentemente, podem atuar sobre o patrimônio material de natureza arqueológica, sobretudo os que se localizam na superfície e subsuperfície do solo.
A lavra e a operação de maquinário (mesmo sem o uso de explosivos, que não está previsto no projeto) geram vibrações que podem causar danos a materiais mais antigos, como trincas e rachaduras, ou o comprometimento da estrutura, especialmente em ruínas e alicerces de pedra.
A proteção desses bens é de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a destruição desses vestígios não é apenas uma perda material, mas o apagamento da memória e da identidade dos grupos sociais formadores da sociedade mineira, tornando o patrimônio arqueológico um recurso finito e não renovável. O Plano Diretor de Mariana, por exemplo, enfatiza explicitamente a proteção dos sítios arqueológicos em suas diretrizes de zoneamento.
Moradores do Bairro Alvorada temem pela qualidade da água
A possível instalação do Projeto Walls, reacendeu no Bairro Alvorada um temor que não é novo. Se por um lado o território guarda mais de dez sítios arqueológicos e uma estrada histórica de mais de 300 anos, por outro ele é berço de nascentes que sustentam a vida cotidiana dos moradores. E é justamente essa água, descrita por eles como “boa demais, que não tem nem como acabar com nada”, que agora parece ameaçada.
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A principal captação do bairro está situada a poucos metros da ADA da mineração, logo abaixo do mirante e ao lado da placa que sinaliza o sítio arqueológico “Núcleo de Mineração Água Suja I”. A proximidade extrema entre a nascente e a área prevista para corte de vegetação, movimentação de solo e instalação de estruturas preocupa profundamente a comunidade.
O medo não é abstrato, o Alvorada já vive, há anos, dificuldades relacionadas ao fluxo de água de chuva. Segundo Anderson, vice-presidente da Associação de Moradores, o problema se agravou após a pavimentação da Estrada da Purificação. “Antes, quando a estrada não era pavimentada, o solo absorvia a água. Depois que fez a estrada, o volume aumentou muito. A gente foi obrigado a fazer canaleta em vários pontos críticos”, relata. Para ele, qualquer intervenção sem drenagem adequada “vai prejudicar muito”, especialmente se a vegetação for removida: “A tendência da água é descer. Aí vem a erosão, aumenta o volume, piora tudo”.
Moradores apontam ainda que a vulnerabilidade hídrica, já existente, pode ser ampliada com o empreendimento.
“Primeiramente, as nascentes d’água. A gente depende delas. Falta muito recurso” – Cristian Henrique, morador do Bairro Alvorada
A água captada no mirante é a principal fonte de abastecimento do bairro, um lugar que, além de não possuir saneamento básico, não tem pavimentação estruturada e ainda enfrenta energia elétrica irregular. As obras e manutenções do cotidiano, como a concretagem de trechos críticos e as canaletas de contenção, foram financiadas pelos próprios moradores. “Fazemos vaquinha para passar pelo período de chuva”, diz Anderson. A comunidade teme que uma atividade mineral tão próxima agrave problemas que o poder público nunca resolveu.
A precariedade da infraestrutura expõe essa ausência sistemática do poder público. O Alvorada é oficialmente reconhecido pelos órgãos públicos, possui CEP atribuído às ruas, mas, para a administração municipal, continua sendo tratado como um território “não legalizado”. Esse limbo jurídico se tornou argumento para negar obras básicas. Para a moradora Angelita Venâncio Costa, a contradição é evidente: “A prefeitura fala que o bairro não é legalizado, mas a gente tem tudo: CEP, papel de compra, endereço, tudo”.
Segundo Anderson, durante o ano ocorreram duas reuniões nos Bairros Santo Antônio e no Gogô, mas que o Alvorada, em si, “não foi comunicado de nada”. Para o morador Afonso Venâncio Costa, a falta de transparência é o maior gerador da desconfiança da população, que ecoa um incômodo comum, “não dá pra confiar não, são estrangeiros… não querem saber de nós, não” . O sentimento é compartilhado por sua esposa Angelita que ao mencionar a maravilha que é assistir ao nascer do sol da sacada de sua casa, relembra uma frase que nunca esqueceu, dita por um antigo morador, Seu Cardoso: “Vocês vão ter que sair daqui. As mineradoras vão levar tudo isso aqui”, lembra.
Estrada da Purificação
Reinaugurada no final de 2023 após obra de pavimentação, o trânsito na Estrada da Purificação é regulamentado através do decreto n.º 8.047 de 24 de outubro de 2023 do município de Ouro Preto. O documento assinado pelo prefeito Angelo Oswaldo define que a estrada não pode receber trânsito de caminhões pesados e veículos a serviço de mineradoras, pois a estrada “possui um viés ecológico, paisagístico e também cultural” e teria o objetivo de beneficiar “a população residente na região, visitantes e turistas, contribuindo para o desenvolvimento turístico e socioeconômico da região”.
O projeto Walls, entretanto, pretende extrair minério de ferro às margens dessa mesma estrada, próximo ao mirante que dá vista ao distrito de Antônio Pereira, ao Bairro Alvorada e a parte da cidade de Mariana. Os estudos de visada – que medem o impacto visual do projeto, apresentados pela própria mineradora, classificam que o impacto visual seria de grande importância, permanente e irreversível.
Por se tratar de uma mina que pretende se instalar em topo de morro, o impacto visual poderia ser sentido mesmo a distância, como seria o caso de boa parte do distrito de Antônio Pereira.
Parque das Andorinhas
Além de colocar em risco o patrimônio histórico e arqueológico da região, grande parte do projeto está localizado sobre a Zona de Amortecimento do Parque Municipal das Andorinhas, local de grande importância hídrica, de lazer e de preservação de espécies vegetais e animais.
O Parque das Andorinhas, muito frequentado pelas suas cachoeiras, é também onde nasce um dos importantes afluentes do Rio São Francisco, o Rio das Velhas, responsável por 70% do abastecimento de água de Belo Horizonte. Classificado como uma Unidade de Conservação de Proteção Integral e a Zona de Amortecimento, tem a função primordial de minimizar os impactos negativos sobre o núcleo da Unidade de Conservação e promover a qualidade de vida das populações.
Embora os estudos indiquem que a área do empreendimento não está localizada em região de corredor ecológico formalmente instituído, o Plano de Manejo do Parque Natural Municipal das Andorinhas prevê o uso da sua Zona de Amortecimento como corredor ecológico.
Este corredor é essencial para conectar o PNMA à Floresta Estadual do Uaimii e à APA Sul-RMBH, interligando diversos fragmentos florestais. A liberação da mineração implica em supressão de vegetação nativa, causando perda e alteração de hábitat e perda de espécimes animais e vegetais, alguns endêmicos ou com risco de extinção.
A perda de hábitat nessa região de alta sensibilidade pode contribuir para a vulnerabilidade ecológica local, comprometendo a conectividade ecológica necessária para a estabilidade das comunidades faunísticas.
Questionamos o IPHAN sobre o processo de licenciamento e os possíveis riscos de destruição de sítios arqueológicos com a instalação da mineradora, mas até o fechamento da reportagem não obtivemos respostas.
Lui Pereira é jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Um cronista do cotidiano marianense.