O Tarifaço de Trump e o Brasil: Protecionismo Ontem e Hoje
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Ouça o áudio de "O Tarifaço de Trump e o Brasil: Protecionismo Ontem e Hoje", do colunista Fábio Faversani:
A imposição de tarifas por Donald Trump sobre o comércio internacional não é um fato isolado nem um desvio de conduta nas relações internacionais. Ao contrário, insere-se em uma longa tradição de protecionismo econômico que remonta ao período colonial e atravessa séculos de história econômica mundial. O aspecto comercial subjacente ao chamado tarifaço, assim, não deve ser mal-entendido como central e precisa ser compreendido como mero instrumento de uma política imperialista que coloca os Estados Unidos como centro da ordem global em contraposição à perspectiva de uma ordem multipolar.
Desde o colonialismo dos séculos XVI a XX, grandes potências europeias usaram restrições alfandegárias e exclusivos comerciais para manter suas colônias dependentes e proteger suas próprias manufaturas. Essa lógica foi amplamente aplicada contra as Américas, África e Ásia, cuja função principal, segundo a ordem colonial, era fornecer matérias-primas e consumir os produtos industrializados europeus. Ao impedir o desenvolvimento industrial das colônias, consolidava-se o modelo centro-periferia que muitos países, como o Brasil, tentariam superar apenas séculos depois.
No entanto, o protecionismo não foi exclusividade das metrópoles. Já no século XIX, os Estados Unidos usaram tarifas elevadas para proteger sua nascente indústria, seguindo as ideias de Alexander Hamilton, primeiro Secretário do Tesouro norte-americano (1789-1795). Mesmo no pós-guerra, com a criação do GATT e depois da OMC — instituições que promovem o livre comércio —, o protecionismo continuou, agora em formas mais sofisticadas, como subsídios agrícolas, barreiras técnicas, acordos bilaterais assimétricos, formação de blocos.
Os chamados “tigres asiáticos”, que tanto impressionaram o mundo por seu rápido crescimento econômico, também recorreram a políticas industriais fortemente protecionistas em suas fases iniciais, com subsídios, controle de importações e apoio estatal estratégico. No Brasil, o agronegócio moderno é outro exemplo de setor que dependeu (e ainda depende) de apoio governamental direto e indireto, com subsídios, crédito facilitado e proteção de mercado.
Nesse contexto histórico, o chamado tarifaço de Trump pode ser interpretado não como uma ruptura, uma novidade, mas como um retorno explícito ao protecionismo clássico e a pressupostos imperialistas tradicionais, mesmo em uma economia que há décadas defende o livre comércio. Nesse sentido, o componente comercial é acessório e não pode ser compreendido isoladamente. Trata-se de uma política que pressupõe um domínio mundial dos Estados Unidos e uma reação a ameaças que emergem com uma ordem multipolar crescente nas últimas décadas.
O Brasil tem um papel particular nesse contexto, pois claramente não tem uma balança comercial favorável com os Estados Unidos. No caso, se as tarifas visassem mesmo a correção de desequilíbrios, o Brasil não sofreria nenhuma alteração tarifária. No entanto, é o país que sofre as tarifas mais duras e que menos encontra espaço para negociar. O Brasil está servindo como modelo, uma vez que as tarifas estão ligadas a outros fatores. Em primeiro lugar, explicitamente a uma pretensão de intervenção no cenário político interno – e, assim, se assemelham a uma sanção comercial mais do que a uma tarifa, como já estabelecida contra Cuba, Irã ou Venezuela sob a forma mais aguda de bloqueio. Poderia se falar em um “Big Stick” tarifário que reaviva a visão do ex-Presidente Theodor Roosevelt (1901-1909). Em segundo lugar, há um combate a uma pressuposta liderança do Brasil em uma construção de uma nova ordem mundial multipolar através dos BRICS, com o enfraquecimento do dólar como moeda global e influência nas negociações dos conflitos militares do mundo atual. Para esse combate, confrontar e isolar o Brasil tem um custo imensamente menor do que fazer o mesmo com a China, a Índia ou mesmo a Rússia. Em terceiro lugar, busca impor um controle de reservas naturais, especialmente as energéticas e minerais, em uma retomada explícita de práticas imperialistas de controle das riquezas coloniais. O Brasil parece estar na condição de caso exemplar, a ser isolado e exposto como demonstrativo do poder norte-americano. Neste sentido, a nosso ver, a possibilidade de ocorrer reversão das tarifas ou mesmo negociação entre Brasil e Estados Unidos é uma hipótese remota. Muito mais provável é uma evolução em sentido contrário, com adoção de novas medidas ainda mais duras. Colocar o Brasil em uma situação isolada e inferiorizada é o que melhor condiz com a estratégia geral de Trump. As perdas que possa ter aqui serão compensadas com ganhos muito expressivos em outros acordos que já estão em curso e não só mantêm tarifas elevadas, mas trazem ganhos como investimentos diretos e privilégios comerciais, além de impor os Estados Unidos no centro da ordem mundial de facto.
Para o Brasil, o tarifaço de Trump revelou duas fragilidades: (1) a dependência de mercados externos sem uma estratégia clara de agregação de valor – ou como é fácil nos desprezar no mercado mundial – e (2) a dificuldade de articulação internacional eficaz para defender seus interesses. Apesar do discurso globalista e liberal que dominou o mundo nas últimas décadas, nenhuma nação hesitou em recorrer ao protecionismo quando seus interesses estratégicos estavam em jogo ao longo de todo esse tempo. A ideia de um mundo sem fronteiras em que as Nações são algo a desconsiderar nunca se realizou, nem mesmo se chegou próximo disso. É algo que se limitou ao faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. As estratégias de negociação adotadas pelos diferentes países e blocos mostram uma tendência clara a legitimar a postura de Trump e esvaziar qualquer articulação global em torno de uma ordem multipolar ou ao fim do imperialismo como promotor de desigualdades no mundo.
Portanto, o episódio das tarifas de Trump deve ser lido não apenas como um revés pontual, mas como uma lição duradoura: o desenvolvimento econômico requer autonomia estratégica, diversificação produtiva e políticas industriais sustentadas — ainda que estas possam contrariar os manuais do livre comércio. A história mostra que os países que lideraram a economia mundial não seguiram as regras que agora impõem aos demais como um ideal (sobre isso, poderá ser de interesse a leitura do livro Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, de Ha-Joon Chang). Talvez seja hora de o Brasil repensar seu lugar nesse tabuleiro e seu projeto como Nação livre. O desenvolvimentismo subalterno fracassou e as ilusões de grandeza em uma nova ordem multipolar que nunca existiu, desabou. O tarifaço de Trump mostra para o mundo que o imperialismo está nu!

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