- Ouro Preto
Justiça anula acordo com Patrimônio Mineração e retoma embargo
Decisão judicial da 2ª Vara Cível se baseia nas revelações da "Operação Rejeito" da Polícia Federal, que apontam fraude na obtenção da licença ambiental da mineradora
A disputa judicial envolvendo a Patrimônio Mineração na Serra do Botafogo, em Ouro Preto, sofreu uma reviravolta dramática. A Justiça do Estado de Minas Gerais declarou a nulidade do acordo judicial anteriormente homologado, que havia permitido a retomada das operações da empresa, e determinou o retorno imediato da suspensão total das atividades minerárias na Área Diretamente Afetada (ADA).
A decisão judicial baseou-se em fatos supervenientes de extrema gravidade revelados pela Operação Rejeito da Polícia Federal, que investiga um sofisticado esquema de corrupção. Segundo o Juízo, o Termo de Compromisso (acordo) homologado era intrinsecamente dependente da validade da licença ambiental da mineradora (SLA nº 4682/2021). Com os fortes indícios de que a obtenção desta licença foi marcada por fraude e ilicitude, o objeto do acordo foi considerado manifestamente ilícito, gerando sua nulidade absoluta.
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O vício na licença ambiental
Os documentos da Polícia Federal, como as Informações de Polícia Judiciária (IPJs) e a Nota Técnica da Controladoria-Geral da União (CGU), detalham que a licença da Patrimônio Mineração (SLA nº 4682/2021) é o cerne das investigações de corrupção.
A Patrimônio Mineração LTDA faz parte do Grupo Minerar (MINERAR PARTICIPAÇÕES S/A), cujos líderes são investigados por formarem uma estrutura profissional do crime em Minas Gerais para obter autorizações ambientais ilícitas mediante pagamento de propinas e fraudes.
Dentre os indícios de ilicitude na obtenção da licença da Mina Patrimônio, destacam-se diversos fatos apurados pela investigação. O licenciamento ambiental teria sido viabilizado mediante o pagamento de R$500 mil em propina, conforme revelam mensagens interceptadas, nas quais Rodrigo Gonçalves Franco, então presidente da FEAM, teria solicitado o valor referente ao “êxito da Patrimônio” a João Alberto Paixão Lages.
Além disso, foi identificada a atuação de pessoas investigadas para alterar o Decreto Estadual nº 47.749/2019, medida que isentou a Patrimônio Mineração do pagamento de uma multa relativa ao Auto de Infração nº 56425/2019, a qual impedia o prosseguimento do processo de licenciamento.
A decisão judicial também evidencia o suposto envolvimento de servidores públicos de alto escalão. Os representantes da FEAM que assinaram o acordo judicial (Rodrigo Gonçalves Franco, Arthur Ferreira Rezende Delfim e Fernando Baliani da Silva) foram diretamente atingidos pela operação policial, sendo os dois primeiros presos e o terceiro alvo de busca e apreensão.
Outro ponto relevante é a pressão exercida para a revisão do Plano de Manejo da Estação Ecológica Estadual do Tripuí, condição considerada necessária para a implementação do projeto. Documentos mostram que Helder Freitas, administrador da HG Mineração (empresa ligada ao Grupo Minerar), teria pressionado agentes públicos como Breno Esteves Lasmar (do IEF) e Rodrigo Franco para que concederem a anuência sem questionamentos.
Por fim, o administrador da Patrimônio Mineração LTDA., Felipe Lombardi Martins, também está sob investigação, sendo apontado como operador financeiro do núcleo criminoso, responsável por realizar saques e pagamentos de vantagens indevidas a servidores públicos.
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O dano ambiental original
O acordo anulado pretendia regularizar a situação da empresa após o grave crime ambiental que motivou a Ação Civil Pública (ACP).
A ação foi movida pelo MPMG após a mineradora soterrar uma cavidade natural subterrânea na comunidade do Botafogo, crime constatado em vistoria da SEMAD em 24 de março de 2025. O soterramento, realizado de forma clandestina entre 21 e 22 de março, foi percebido pela comunidade que organizava o evento HidroGeoDia na comunidade, justamente para dar visibilidade aos riscos da mineração no território.
A cavidade havia sido omitida no processo de licenciamento ambiental, embora tivesse sido identificada pela empresa no Relatório de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico (RAIPA) submetido ao IPHAN. Relatórios técnicos apontaram que os danos causados à cavidade são permanentes e irreversíveis.
A suspensão imediata e total das atividades da Patrimônio Mineração havia sido inicialmente determinada em 1º de abril de 2025, pela mesma juíza, com multas que poderiam chegar a R$ 1,5 milhão em caso de descumprimento. À época, a Justiça aplicou o Princípio da Precaução devido ao risco não remoto de novos danos ambientais.
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A luta pelo embargo total e a suspeita de dolo
A comunidade de Botafogo e ambientalistas reagiram fortemente quando o MPMG tentou flexibilizar o embargo em abril de 2025, alegando a manutenção de 340 empregos e receitas públicas.
A Justiça, no entanto, rejeitou a modulação, citando que a mineradora omitiu a presença de outras formações geológicas e que os sistemas de drenagem (sumps) estavam em estado precário, indicando risco de novos danos. Além disso, a empresa é acusada de omitir dados sobre espécies raras e ameaçadas de extinção nos estudos ambientais, sugerindo um “licenciamento às cegas”.
O soterramento da caverna não é visto como um fato isolado, mas como parte de um padrão. A Mina Patrimônio, assim como a HG Mineração (outra empresa do Grupo Minerar e alvo da Operação Rejeito), atuam na Serra do Botafogo, uma região estratégica que abriga aquíferos essenciais (Cauê, Cercadinho e Gandarela) que abastecem comunidades locais e contribuem para as bacias do Rio Doce e do Rio das Velhas (fonte de água para a Grande BH).
A Associação dos Moradores e Amigos de Botafogo (AMAB) chegou a interpor recurso de apelação contra a sentença que homologou o acordo, alegando nulidade por ausência de participação dos moradores. A comunidade também defende o tombamento da Serra de Ouro Preto como patrimônio hídrico, ambiental, cultural, histórico, arqueológico e paisagístico, como resposta direta ao avanço das mineradoras.
Próximos Passos
Com a anulação do acordo, a decisão de suspensão imediata de todas as atividades minerárias na Área Diretamente Afetada (ADA) volta a vigorar.
O processo judicial foi suspenso até que haja uma decisão definitiva no âmbito administrativo sobre a retomada ou cancelamento da licença ambiental da Patrimônio Mineração, que já foi alvo de recomendação de cancelamento por parte da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMAD) e da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM). A manutenção da suspensão das atividades, diante dos indícios criminais, visa garantir a preservação da legalidade e da ordem pública.