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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Grito dos Excluídos reúne estudantes e sindicalistas nas ruas de Mariana no Dia da Independência 

O ato, que contou com a presença de candidatos às eleições deste ano, teve gritos contra o presidente Jair Bolsonaro e discursos voltados à mobilização política

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Estudantes do Movimento Estudantil da UFOP durante o ato, em protesto contra o governo de Jair Bolsonaro. Foto: Kaio Veloso/Agência Primaz
O Grito dos Excluídos acontece desde 1995, com origens ligadas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e chega à sua 28ª edição em um ano marcado pela tensão do período eleitoral. Realizado em 7 de setembro, data em que é comemorada a Independência do Brasil, o ato constrasta com os eventos oficiais, apoiados no imaginário do Brasil Império. A edição realizada em Mariana não teve envolvimneto da Igreja Católica, partindo da iniciativa de outras frentes, como o Movimento Estudantil, e foi marcada pelo posicionamento contra o governo atual, em um dia emblemático, em que o presidente Jair Bolsonaro teve seu discurso e comportamento amplamente comentados, sob acusações de ter se apropriado da comemoração ao Bicentenário da Independência para promover sua reeleição.

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Com início previsto para as 15h, a concentração aconteceu em frente ao Centro de Convenções de Mariana e avançou pelo centro da cidade após as 16h, com acompanhamento de um carro de som e escolta da Guarda Civil Municipal. Portando cartazes e um microfone, estudantes, sindicalistas e candidatos fizeram apelos à população, acusando as gestões de Jair Bolsonaro e Romeu Zema de beneficiar apenas os mais ricos, legitimando a violência contra populações vulneráveis, como negros, indígenas, mulheres e LGBTI.

Pedro Miguel e Letícia Bargas são estudantes da UFOP, nos cursos de engenharia geológica e serviço social, respectivamente, e participam do processo eleitoral para o Diretório Central dos Estudantes (DCE). Engajados, defendem a importância de uma organização que fortaleça a união entre a comunidade estudantil e a população local em Ouro Preto e Mariana, além do diálogo com os movimentos sindicais da própria universidade, a Associação dos Docentes (Adufop) e o Sindicato dos Trabalhadores Técnico-administrativos (Asssufop).

A mobilização reuniu representantes do Partido Comunista do Brasil (PCB), do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), da União da Juventude Comunista (UJC), do Movimento por uma Universidade Popular (MUP), do Centro Acadêmico do curso de História da UFOP, e do Movimento Correnteza. Segundo Letícia, a organização partiu da mobilização de 11 de setembro, realizada no dia do estudante, quando começou a ser pautada a importância de realizar um ato do Grito dos Excluídos na cidade. “O Grito dos Excluídos é uma data histórica em que os movimentos sociais, os partidos combativos, envolvidos nas lutas dos trabalhadores e dos estudantes, ocupam as ruas denunciando uma democracia que nunca foi democrática de fato. O Brasil, apesar de ser um país independente, é um país que permanece submisso à lógica do capital imperialista, que dita as nossas políticas públicas de várias maneiras”, declarou a estudante.

Confecção de cartazes em frente ao Centro de Convenções, ponto de encontro para o ato. Foto: Kaio Veloso/Agência Primaz

História e contexto

Tânia Arantes é professora de história aposentada, e compõe um grupo chamado Educação e Luta, além de participar da central sindical CSP ConLutas, junto com Thiago Ribeiro Perona, professor de geografia. Com um posicionamento político alinhado à luta dos trabalhadores, ambos compartilham com os demais envolvidos a concepção de que apenas a via eleitoral não é capaz de modificar o atual cenário político e ideológico do país. Parte significativa das motivações do protesto são os posicionamentos alinhados à defesa de um sistema socialista, entendido pelos participantes como meio para modificar as mazelas sociais que são observadas no Brasil e no mundo.

“No início, quando o Brasil foi colônia, no século 16, você tinha o trabalho escravo. Hoje você tem uma situação de semiescravidão, uma escravidão assalariada, porque as condições de vida, de trabalho, com essa carestia […] têm pesado muito no orçamento dos trabalhadores. Nós temos 33 milhões de pessoas passando fome, 92 milhões em situação de insegurança alimentar […] Nós temos 315 bilionários, que têm ganhado fortunas, inclusive durante a pandemia, e nós não temos nenhum projeto efetivo que traga mais empregos […] não há projeto de futuro”, contextualiza Tânia. 

Refletindo sobre o feriado nacional, Thiago afirma que a comemoração da Independência não reflete a situação em que o Brasil se encontra, e faz menção ao fato que grande parte da população não se percebe nos símbolos costumeiramente alinhados à data, como os desfiles e o imaginário da época imperial. Tânia também comenta o assunto, citando a cultura local que, segundo ela, ainda apresenta heranças do coronelismo, e afirma que a população não se reconhece nas comemorações, pois se trata de uma narrativa construída “de cima para baixo”. 

 

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Trajeto do Grito dos Excluídos

O trajeto partiu do Centro de Convenções e seguiu em direção à Praça Gomes Freire (Jardim). A população observava nas ruas, janelas e portas das casas, com alguns parecendo desconfiados, e outros demonstrando seu apoio. Os participantes, dentre eles Patrícia Ramos (PSTU), candidata a deputada estadual em Minas Gerais, e Tuani Guimarães (PCB), candidata a vice-governadora de Minas Gerais, utilizavam o microfone, ampliado pelo carro de som que seguia à frente do grupo, para entoar mensagens de repúdio ao presidente e ao governador e fazer apelos por mudanças radicais das estruturas sociais. Além disso, buscaram alertar a população quanto às eleições, afirmando que uma vitória de Lula (PT) não representa o fim de problemas que atingem os grupos vulneráveis. Casos de violência e descaso no país foram lembrados, como os recentes ataques feitos por pistoleiros contra indígenas Pataxós no sul da Bahia e a situação enfrentada pela Serra do Curral, localizada em Belo Horizonte e ameaçada pela atividade mineradora.

O protesto foi finalizado na Praça Minas Gerais, onde houve uma situação em que uma das estudantes participantes do ato, fez comentários quanto à prática adotada por turistas, que tiram fotos simulando tortura nas algemas do Pelourinho localizado no local. Mesmo observando a movimentação e ouvindo os comentários, duas turistas fizeram várias fotos, em tom de brincadeira, demonstrando insensibilidade quanto à questão e à aproximação do grupo.

A morte do estudante Charles Aguiar, que aconteceu de maneira suspeita na delegacia da Polícia Civil de Ouro Preto, em agosto, foi lembrada por amigos e colegas, marcando o encerramento do Grito dos Excluídos.

O ato foi finalizado na Praça Minas Gerais, um dos principais pontos turísticos da cidade de Mariana. Foto: Kaio Veloso/Agência Primaz

Comemorações do 7 de Setembro

Em meio ao período eleitoral, a comemorações do Bicentenário da Independência geraram críticas e comentários na mídia e redes sociais, a começar pela chegada do coração de Dom Pedro I, principal personagem do “Grito do Ipiranga” que, simbolicamente, oficializou a separação entre Brasil e Portugal. O órgão foi transportado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e permaneceu no Palácio do Itamaraty, em Brasília, recebendo visitas de convidados, estudantes e jornalistas, além do público em geral, nos fins de semana. A ação foi alvo de críticas, inclusive de um dos descendentes da família imperial brasileira, João de Orleans e Bragança, que afirmou tratar-se de um uso eleitoral.

Retomando a questão sobre o imaginário da data, reforçada por Bolsonaro, seu governo e seus apoiadores, Tânia comenta sobre os usos do militarismo: “Ao longo da história do Brasil, essa questão militar sempre esteve posta, e eles sempre se apropriaram de toda essa simbologia, de toda essa ‘história heróica’ do país para construir um discurso de permanência no poder e do uso da força, se for necessário. […] Então, eles sempre vão usar dessa simbologia e demonstrar a sua força para a população no sentido autoritário de calar as vozes, de calar o descontentamento, de calar a oposição”, explicou.

Outro ponto de grande repercussão foi o discurso do presidente Jair Bolsonaro, proferido após desfile militar na Esplanada dos Ministérios. Em meio às falas, ele beijou a esposa, Michele Bolsonaro, e deu início a um coro dentre seus apoiadores, referindo-se a si mesmo como “imbrochável”. Houve menção a tópicos como corrupção, ideologia de gênero e a pandemia de Covid-19, além de apelos à religiosidade de seu eleitorado. O discurso foi largamente comentado, com destaques para seu tom machista e sua vulgaridade, além do uso da data comemorativa, apontado como forma de campanha eleitoral por especialistas e pela oposição.

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