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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Leitura de Carta em Defesa da Democracia mobiliza acadêmicos de Mariana no Dia do Estudante

Além da leitura, feita por professoras eméritas da UFOP, houve manifestações em defesa do voto e das universidades públicas, e contra o governo atual

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Leitura de Carta em Defesa da Democracia mobiliza acadêmicos de Mariana no Dia do Estudante
A leitura da carta reuniu estudantes e funcionários da UFOP, além de representantes da sociedade civil de Mariana na escadaria da Capela de Nossa Senhora da Boa Morte, dentro do campus Ichs. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz
A leitura da “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito” feita no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) da UFOP, em Mariana, atraiu estudantes e funcionários da Universidade, além de representantes sindicais e da sociedade civil. O ato, realizado em resposta aos ataques feitos contra o processo eleitoral pelo presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), foi iniciado pela Universidade de São Paulo (USP), com a adesão de outras universidades públicas brasileiras. No mesmo dia, uma manifestação, organizada pelos Centros Acadêmicos do campus buscou ir além da leitura, defendendo a união entre estudantes e trabalhadores, se posicionando contra o governo federal.

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A carta foi escrita no começo de julho por representantes da Faculdade de Direito da USP. Aberta ao público em 26 de julho, ela ultrapassou a quantidade de 1 milhão de assinaturas até a data de sua leitura pública, 11 de agosto. O manifesto é inspirado na leitura da “Carta aos Brasileiros”, realizada em 1977 no Largo de São Francisco, em São Paulo. Redigida pelo jurista Goffredo Silva Telles, o ato de leitura da carta, organizado por estudantes do instituto, demarcou um posicionamento contrário à ditadura militar então vigente no país. A leitura da nova carta, 45 anos depois, marcou o aniversário de 195 anos da Faculdade de Direito da universidade paulista.

Diversas outras universidades públicas aderiram ao ato, realizando a leitura simultaneamente em seus campi. A Universidade Federal de Ouro Preto foi uma delas. A organização do evento foi feita pelo Ichs e pelo Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (Icsa), unidades na cidade de Mariana,  e contou com a participação da Academia Marianense de Letras, Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil e Federação das Associações de Moradores de Mariana (Feamma). 

Em meio ao período eleitoral, o ato contou com declarações firmes contra o presidente Bolsonaro e seu governo. José Benedito Donadon-Leal, diretor do Icsa, defendeu a obrigação da instituição pública se posicionar frente ao contexto enfrentado pelo país. Ele lembra que, além dos ataques recentes ao sistema eleitoral, as universidades e a pesquisa científica também sofreram nos últimos anos. 

O local escolhido foi a escadaria da Capela de Nossa Senhora da Boa Morte, patrimônio localizado dentro do Ichs e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Às 11h30, os diretores dos institutos deram as boas vindas aos presentes e chamaram as professoras eméritas, Hebe Rôla e Célia Nunes, para realizarem a leitura da carta, concluída com a mensagem: “Estado Democrático de Direito Sempre”, sendo aplaudidas pelo público presente.

Sobre a parceria entre os campi de Mariana, Donadon explica que o ato acompanha seu histórico de lutas. “Especialmente esse instituto é marcado ao longo de sua história por grandes debates em defesa da democracia, em defesa das liberdades, então é simbólico que isso aconteça em Mariana, que aconteça aqui no Ichs”.

Mateus Pereira e José Benedito Donadon-Leal, diretores dos campi da UFOP em Mariana, Ichs e Icsa, respectivamente, durante o ato - Foto: Pedro Olavo/Agência Primaz
As professoras eméritas da universidade, Hebe Rôla e Célia Nunes, fizeram a leitura da carta em defesa do Estado Democrático de Direito - Foto: Pedro Olavo/Agência Primaz

Após a leitura, houve espaço para a livre expressão de outros presentes, como representantes da sociedade civil, a Federação das Associações de Moradores de Mariana (Feamma), o Conselho da Igualdade Racial de Mariana e movimentos sindicais. Durante sua fala, Celso Taveira, professor aposentado do curso de História, falou de sua época como aluno de graduação, na Universidade Federal de Minas Gerais, em meio à ditadura militar na década de 1970. Com pesar, lembrou-se de colegas que tiveram parentes desaparecidos. “A universidade não vive de fuzis, não vive de armas. As armas da universidade são as ideias, são os debates. E é com debates e ideias que nós vamos à luta nesse momento para derrotar esse obscurantismo que infelizmente estamos vivendo e esperamos que esteja com os dias contados”, declarou. 

Na organização do ato, o historiador Fábio Faversani afirma que o impacto da carta, com milhares de assinaturas, inclusive de personalidades públicas dos campos das artes e da política, mostra uma adesão não usual para ações que surgem do interior das universidades. Assim, é promovida uma união entre diversas frentes, que nem sempre concordam entre si. “Acho que isso promove um entendimento comum em torno do que nós não queremos. São pessoas com perspectivas muito diferentes em relação à vida, à política, mas que tem um acordo comum, que é a contrariedade com qualquer saída autoritária”, comenta.

O público presente no ato de leitura da carta. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

Mateus Pereira, diretor do Ichs e professor do Departamento de História, falou sobre o risco anunciado ao estado democrático de direito pelos ataques do presidente Bolsonaro: “Um dos princípios da democracia é a aceitação dos resultados eleitorais, sobretudo no nosso caso, que é um sistema que já passou por auditorias, que se mostra confiável. Então há um ataque sistemático, sobretudo nesse momento, que nós vamos enfrentar uma eleição e um dos postulantes, que é o atual presidente da república, tem questionado a legitimidade do pleito eleitoral”.


Ao comentar sobre aproximações entre o contexto atual e aquele vivido no período ditatorial no país, o historiador aponta a existência de continuidades, visto a violência enfrentada por populações vulneráveis, como mulheres e negros. Segundo ele, a violência é parte constitutiva da história brasileira, mas se manifesta de formas distintas em diferentes tipos de governo. Ele complementa, explicando que a leitura da carta em 1977 simbolizou a possibilidade de transição para um regime democrático. “Hoje, nós estamos em uma situação inversa. A carta hoje representa uma antecipação a um cenário de possibilidade de rompimento ou de maior fragilidade”.


O diretor avalia que os ataques às universidades, evidenciados pelos cortes de verbas, são uma forma de cerceamento da capacidade operacional das instituições. Ainda comentando sobre a configuração do evento, ele afirma os posicionamentos no caso de formas de violência posteriores ao ato de leitura. “Não se trata de um evento político-partidário, se trata, sobretudo, de uma defesa da ordem vigente que a constituição de 1988 estabeleceu. Mas, pode haver sim algum tipo de questionamento, de represália, de violência. Nós estamos atentos para impedir isso de todas as formas. […] Caso venha ocorrer, não só nessa instituição como em outros lugares, nós sempre condenaremos e lutaremos para que os responsáveis sejam punidos devidamente dentro do processo legal”, declara.

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Manifestações de 11 de agosto

Após um momento de confraternização entre os presentes, com fotografias sendo feitas na escadaria da capela histórica, Oliviana La Desa Vor, aluna atuante no Centro Acadêmico de História na UFOP, pediu a palavra e manifestou posicionamentos ainda mais incisivos. Frente a um público que começava a se dispersar, conclamou à esquerda por organização política e fez referência direta ao presidente Lula para expressar que, mesmo com uma possível mudança de presidência, haverá resquícios do bolsonarismo, enquanto uma forma de mentalidade em meio à sociedade e no poder público. “Eu acho que é muito fácil a gente se reunir, ler a carta, voltar para casa e continuar assistindo o noticiário, normalizando as coisas, sem respostas políticas à realidade. Eu acho que a gente precisa se organizar enquanto corpo que deve lutar contra e ocupar as ruas”, declarou à Agência Primaz.


Às 17h, em frente ao Terminal Turístico de Mariana, Oliviana e diversos outros estudantes realizaram uma manifestação contra o governo. Em um dos cartazes, lia-se a frase “Dia do estudante é dia de luta”. Em meio ao trânsito do fim da tarde, um motorista gritou o nome do presidente, dentro de seu veículo, ao que os estudantes responderam com frases de protesto. Outros veículos passaram, buzinando em apoio. Confira, em fotos de Pedro Olavo:

Unindo-se aos estudantes, estava Patrícia Ramos (PSTU), pré-candidata a deputada estadual em Minas Gerais. Ela conta que a unidade entre os trabalhadores e a juventude universitária é histórica em Mariana, e afirma estar de acordo, junto ao partido a que pertence, com o posicionamento apresentado pelas representações dos Centros Acadêmicos. “No final das contas [a carta] mantêm a defesa de um estado que pra gente (eu como professora), tem várias decisões jurídicas que são contra a gente. Tem instituições voltadas para defender os interesses dos ricos, não é o interesse dessa galera aqui, nas ruas. Não é o interesse dos jovens que estão lutando por uma educação de qualidade, não é o interesse dos atingidos da mineração. […] Tudo isso são instituições desse Estado que o pessoal fala que é o Estado Democrático de Direito”, declara.


Nesse sentido, a pré-candidata explica que, ainda que o partido seja contrário ao conteúdo da carta, que possui dentre seus signatários membros da elite brasileira, como banqueiros e grandes empresários, adere a um posicionamento favorável às unidades de luta entre setores interessados em defender as liberdades democráticas. Ela finaliza afirmando que apenas o voto não é suficiente para garantir tais liberdades, e que a ausência de mobilização cidadã é responsável por abordagens pouco eficientes na prática.


Assim, se a carta trabalha no campo simbólico e tem o peso para marcar a história recente do país, mostra-se necessária a atenção aos resultados das eleições em 2 de outubro para que a defesa da democracia não se resuma às palavras lidas em uníssono pelas universidades públicas brasileiras.

 

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