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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Gabriel no Caminho – Episódio Final (17/05 a 03/06)

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Olá, eu sou Gabriel Leal, diretamente do Caminho de Santiago. Ou melhor, agora, após o Caminho. Com o fim dos mais de 790 quilômetros caminhados, eu posso finalmente descansar. Essa segunda metade do Caminho eu preferi me dedicar totalmente a minha jornada, as minhas experiências e aos últimos dias ao lado dos meus amigos que eu chamava de família. Bom, nessa primeira parte da coluna eu vou falar dos sentimentos, que são muitos, relacionados a essa etapa final do Caminho e a outra metade falarei de assuntos mais práticos sobre o Caminho, como preços e alguns cuidados.

No dia 03 de maio, em Saint-Jean, ainda na França, eu comecei a caminhar com 5 pessoas que eu havia conhecido por lá, no dia anterior, que eram Enrico, Pasquale, Idda, Mirian e Uwe, todos italianos com exceção de Uwe, que era alemão. Durante quase todo o Caminho tive a companhia desses que se tornaram pessoas importantíssimas na minha vida. Com o passar dos dias, conhecemos novas pessoas, Martina (italiana), Antonina (polonesa) e Alexandra (alemã) que também se tornaram essenciais no meu Caminho. Outras pessoas como Daniele, Angelica, Francesca e André, italianos; Esmir e Alisson, australianas; Jorge, Juan Carlos e Sebastian, vizinhos aqui da América do Sul; também foram bons companheiros.

Aconteceu, logo na primeira semana, Juan Carlos nos contou que havia perdido todo seu dinheiro, acreditávamos que provavelmente havia sido furtado. Juan, Colombiano, longe de casa (e esse sentimento eu conheço bem), comoveu o nosso grupo que fez uma vaquinha para ajudá-lo. Ele chorou, agradeceu muito e no outro dia já devolveu o dinheiro pois havia conseguido receber uma quantia de casa novamente. Ao final da caminhada, já em Santiago, ele nos chamou para conversar e contou que o dinheiro acabou perdido em um compartimento escondido da mochila e que ele havia achado apenas quando a esvaziou para voltar para casa. Isso mostrou, já no começo, a solidariedade das pessoas que estão caminhando, tudo o que você precisar, você terá ajuda.

Essas amizades transformam a experiência de uma forma única, definitivamente quero encontrá-los novamente. E, se há um lugar que vai te ensinar a valorizar amizades, esse lugar é o Caminho. Costumamos dizer que o tempo no Caminho é relativo e que tudo é muito mais intenso que na vida cotidiana. Então, esses 32 dias por lá, fazem com que você sinta como 3 meses. Todos os bons momentos que vivemos com esses amigos nos faz desabar na hora de dizer adeus, ou melhor, até logo. Eu chorei mais nesses momentos do que quando cheguei em Santiago.

A chegada à Catedral de Santiago de Compostela é o ato final dessa epopeia, o pequeno guerreiro parado frente a gigantesca Catedral. Nós caminhamos durante dias, enfrentamos muitas dores, momentos difíceis e os últimos metros, passando pela espécie de um arco mais longo e entrando na praça da Catedral, você simplesmente não acredita, a ficha demora a cair (mais de um dia). Alguns muitos começam a chorar, as pessoas se abraçando, fotografando. Eu tive a mesma reação de quando vi o mar pela primeira vez, me senti apequenado ali, com um sorriso de orelha a orelha, apenas contemplando. A construção imensa representa todo o Caminho e suas experiências e você sua chegada. Inclusive, me fez refletir sobre o quão pequeno somos diante do universo.

Mesmo não sendo religioso, a missa dentro da imensa Catedral, em diversas línguas, com outras centenas de peregrinos, o belíssimo fumeiro que passeia pelos “céus” daquele lugar, é como um rito final, um rito de passagem, ali a ficha cai. Você chora.

Passando para as questões de organização da viagem, um bom lugar para começar seu planejamento é pesquisando sobre os Caminhos. Existem vários, como o Caminho francês (o que fiz), o Caminho do norte, o Caminho primitivo, o Caminho português e vários outros. Todos esses, têm tamanhos diferentes e questões diferentes, por exemplo, o Caminho do norte é mais curto, porém mais difícil que os demais por ser todos os dias caminhando em montanhas, é necessário estar melhor preparado. O Caminho francês, que tem seus 790 quilômetros, pode ser feito de diferentes formas. Algumas pessoas costumam caminhar pedaços dele todos os anos até completar, outros preferem fazer apenas a parte final, uma vez que a igreja concede a Compostela (uma espécie de certificado de conclusão do Caminho) para todos que fizerem, no mínimo, 100 quilômetros. Então, decidir qual Caminho fará, é o primeiro passo e que nos leva a pensar sobre o transporte aéreo.

Em Santiago, temos aeroporto, então, para voltar, é bem tranquilo. As cidades mais comuns para chegar de avião são Barcelona e Madri, na Espanha, e Porto e Lisboa, em Portugal. Partindo desses lugares, você consegue pegar um ônibus ou um trem até o início do seu Caminho. Os preços das passagens de avião, com antecedência, podem variar entre 2300, até 3300 reais, vai depender da época e da sua sorte. Passagens de ônibus são mais baratas que de trem, mas você não gastará mais do que 50 euros nesse deslocamento. Lembrando que você terá que gastar com outros preparativos como seguro-viagem, roupas e equipamentos.

Agora, sobre o quanto gastar por lá, depende de uma infinidade de questões. Os principais gastos são com acomodação, alimentação e lazer. Se você está planejando dormir todos os dias em albergues, tentar cozinhar por lá e não gastar com nenhum passeio, visita a museu ou outro tipo de lazer, é possível viajar com 1300 euros (lembrando que são preços para o Caminho francês desde Saint-Jean-Pied-de-Port). Os albergues, em quartos compartilhados, variam entre 8 e 14 euros; seu gasto diário com comida, entre 15 e 20 euros e você pode fazer caminhadas pela cidade e visitar igrejas e outros lugares que não cobram entrada (parte é donativo, você paga se quiser). Vale lembrar que ao final, em Santiago, também existem albergues e você pode ficar por lá quantos dias quiser (inclusive, o Seminário Menor, tem quartos privados por 18 euros). Outro gasto possível é com a lavanderia, a maioria dos albergues contam com máquinas de lavar e secar, com preços entre 5 e 10 euros por todo o serviço. Alguns dias você até pode lavar na mão as suas roupas, mas nem sempre. Às vezes falta espaço, tempo (nos dois sentidos, já que sua roupa precisa secar), ou até mesmo energia, já que você estará sempre cansado.

Pensando em uma viagem tranquila, com um pouco mais de conforto e paz, você gastará mais. Nos albergues, dividindo cama e banheiro, algumas noites você pode sentir a necessidade de dormir em um lugar sozinho, sem ter que ouvir a sinfonia de roncos que se formam. Existem vários albergues e hostels que contam com quartos privados e com preços entre 30 até 50 euros. Eu fiquei nesses quartos em duas ocasiões e recomendo o descanso. Isso vai aumentar um pouquinho seu orçamento. Outro gasto é com alimentação, você pode gastar até 40 euros por dia, se decidir comer bem e de tudo, inclusive o vinho por lá é barato. Claro que existem restaurantes, principalmente em cidades maiores, que só um prato já vai custar esses 40 euros, mas são exceções. Se quer um pouco de conforto, provavelmente vai querer lavar e secar as roupas quase todos os dias e os preços são os mesmos já citados. Um gasto que é um pouco necessário é o chip de celular, você vai pagar por um bom pré-pago, algo como 25 euros. Então, para uma viagem com conforto e tranquilidade, recomendo algo em torno de 2000 euros.

Para finalizar essa questão de valores, é sempre importante você ter uma reserva de dinheiro para uma eventual emergência. Pode acontecer de você perder algo ou algo estar te incomodando e ter que comprar um sapato novo, uma mochila nova ou outra coisa. Eu, por exemplo, gastei 50 euros em 3 pares de meias novas, já que as minhas rasgaram completamente no meio do Caminho. E não se esqueça de reservar um valor (essa parte é bem particular) para os presentes, as opções são totalmente variadas.

            Minha recomendação, para que você viaje tranquilo, é que organize tudo aqui do Brasil. Passagem de avião, seguro saúde e passagem terrestre até seu destino. Outra questão é, você talvez precise declarar quanto está levando quando passar pela imigração, recomendam, em viagens normais à Espanha, 90 euros por dia. Claro, sua viagem não é uma viagem de turismo comum, ela é bem mais barata, mas quanto mais dinheiro você levar, mais seguro será para entrar.

Então, organize tudo direitinho e aproveite, buen camiño e até a próxima viagem.

Picture of Gabriel Leal
O goiano Gabriel Leal, ex-estagiário da Agência Primaz, é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Produziu os documentários "Césio 137: As Cicatrizes Invisíveis", realizado como Trabalho de Conclusão de Curso, e "Para não esquecer", cuja estreia mundial acontece dia 28 de maio, no International Uranium Film Festival: Festival de Cinema da Era Atômica, promovido pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
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