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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Gabriel no Caminho de Compostela – Episódio 1 (03 a 09 de maio)

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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Olá, eu sou o Gabriel Leal, diretamente do Caminho de Compostela. Há 7 dias eu comecei essa caminhada que talvez tenha sido a maior decisão da minha vida. Eu comecei o caminho em Saint-Jean-Pied-de-Port, no sul da França, já estou no 7º dia, agora em Logrono, e foram 160km até aqui.

Muitas pessoas perguntam, uma das principais questões é por quê, como fazer o Caminho de Compostela? E eu concordo que a gente não decide fazer o Caminho de Compostela, o caminho de Compostela nos chama. Em algum momento, durante a nossa vida, a gente vai receber esse chamado e a gente pode estar apto ou não a atendê- lo. Vão ser quase 850km de caminhada, ou de bicicleta, depende da sua preferência. Mas, de qualquer forma, vão ser alguns bons dias dedicados a uma peregrinação, a uma questão religiosa, espiritual, seja ela qual for, de autodescobrimento, eu não sei. Mas, enfim, cada um tem suas razões, e essa decisão, a partir do momento que ela é tomada, a gente tem diversas coisas para pensar…

Enfim, a gente precisa conhecer um pouquinho mais sobre o Caminho. Então, eu vou falar um pouco da minha experiência aqui, como peregrino, e eu acho que a primeira coisa que eu gostaria de começar falando é sobre conhecer outras pessoas.

O Caminho é um lugar onde você vai viver diversas novas experiências, coisas que podem ser agradáveis, coisas que podem ser surpreendentes, talvez positivamente, talvez negativamente, porque a gente vai estar em conflito com diversas outras culturas. No Caminho eu já conheci pessoas de “n” países. Conheci italiano, polonês, alemão, dinamarquês, de Taiwan, canadenses, pessoas de várias e várias partes do mundo. Da América do Sul conheci pessoas do Uruguai, da Colômbia, vários outros brasileiros por aqui. Então, o choque cultural é muito grande, e a primeira coisa que a gente tem que ‘tá’ preparado é para lidar com esse conflito entre culturas dos peregrinos e, claro, a cultura do local, porque a gente vai ficar, a gente vai passar vários e vários dias em cidades principalmente da Espanha, onde eles têm uma cultura diferente da nossa. Comida, comportamento, tudo é bem diferente.

Por exemplo, a maioria dos peregrinos ficam em albergues que ficam espalhados durante o Caminho. Toda cidadezinha, da menor à maior, tem pelo menos um albergue para hospedar peregrinos. As maiores, claro, tem vários e vários albergues, albergues municipais, albergues privados, que são um pouco mais caros, e tem algumas coisas a mais, até como, por exemplo, jantar e café da manhã. Tem televisão, tem algumas coisinhas a mais, mas o albergue municipal, ele já é muito completo. Ele tem uma cozinha completa, ele tem internet, ele tem uma área de serviço para lavar roupa com lavadora e secadora. É bem interessante, e os valores podem variar entre 9 e 15 euros, dependendo do tipo de albergue que você pegar, você vai gastar isso por dia.

E cada albergue tem suas regras. Por exemplo, hoje, pela primeira vez, eu estou ficando no albergue que você pode entrar 24 horas. Os outros albergues geralmente fecham, eles trancam as portas às 22 ou às 21h30, vai depender do albergue e, bom, como vocês podem ver, estou na rua agora porque algumas pessoas já se deitaram, já estão dormindo para começar amanhã bem cedo a peregrinação. Os quartos, obviamente, são compartilhados dependendo do lugar. Até…, eu não sei, 80 camas em um ambiente, preparem-se para essas questões.

Bom, eu tive que sair do albergue, claro, para não incomodar os outros aqui já, já exatamente às 22, inclusive, tem um pouco de luz ainda no céu. Ainda não está completamente à noite há e eu “tô” aqui de fora gravando, para não incomodar.

Mas enfim, essa questão dos grupos, a gente começou a caminhar em Saint-Jean-Pied-de-Port, no sul da França, é eu um alemão e 2 italianos. No primeiro dia a gente já conheça mais duas italianas, a gente começou a formar um grupo e conheceu mais um italiano, e virou uma festa que só. Os italianos são muito animados, eles fazem muito barulho, e adoram conversar. São pessoas extremamente gentis, simpáticas e parecidos com os brasileiros, e isso faz parte do Caminho.

A muita gente se preocupa, por exemplo, com a questão da língua. Um desses italianos do grupo, não fala absolutamente nada de inglês e eu não falo nada de italiano, mas a gente consegue se comunicar somente através de gestos e algumas palavrinhas em comum que a gente tem entre as duas línguas. E isso é suficiente, nós nos tornamos amigos aqui. Então, é claro que, em alguns momentos, o outro italiano traduz algumas coisas, mas a língua não é um problema. A gente consegue se comunicar. Tem, dormindo no meu dormitório hoje, um alemão que só fala alemão. Ele está fazendo o Caminho, ele consegue acomodação de consegue comida só com alemão, e acredito que a maioria dos hospitaleiros do caminho não falam alemão.

Mas enfim, e isso é uma coisa que eu aconselho as pessoas a não ter medo. Vir só com o português, não tem problema, principalmente por conta da Espanha, o pessoal vai se virar com o espanhol. E a questão do grupo, a cada dia que passa, a gente forma um grupo maior. E para mim isso foi incrível, porque depois a gente conheceu uma dinamarquesa que se juntou ao grupo, uma polonesa que se juntou ao grupo. Eu conheci um holandês que começou a caminhada dele na Holanda, e coincidiu dele estar no Caminho justamente no momento que eu. Mas ele já caminhou 2000 e poucos quilômetros. Então, você vai conhecer de tudo, muitas histórias, muitas culturas e, estar aberto a isso, acho que é importantíssimo.

Mas agora, falando da minha experiência nesses 7 primeiros dias. Muito se discute sobre a questão do preparo físico. É óbvio que o conselho é: se prepare! Se você pode, faça caminhadas diárias quando você decidir vir, vai te ajudar bastante. Em alguns momentos, se puder carregar a mochila durante essas caminhadas, vai te ajudar. E, de preferência, claro, caminhe com um sapato que você decidiu usar no trajeto. Mas eu vim sem nenhum preparo físico. Eu cuidei muito do meu psicológico, porque é muito necessário aqui também, mas sem nenhum preparo físico, e eu sofri muito nos primeiros dias, principalmente porque o primeiro dia, exatamente o primeiro, é o mais difícil de todos. Esse é quase um consenso. Claro que para quem está preparado, nem um dia difícil, isso é um pouco mais longo. Então, se você puder, se prepare, é uma boa dica.

E pela minha experiência, uma coisa importante, você fica preocupado com o tempo, com o chegar a uma cidade, mas a principal questão, você tem que se atentar a observar o Caminho. O caminho é lindo! É lindo, cada dia é uma beleza diferente. O primeiro dia a gente vê serras, montanhas… A gente sobe muito, então a gente tem uma vista panorâmica de toda a região, uma coisa linda! No segundo dia a gente já passa por muitas construções históricas, vilas, fazendas, então cada dia único, cada dia é especial, é uma coisa linda!

As igrejas são indescritíveis, de tão belas que são. Algumas delas recheadas de ouro por dentro como a nossa, a nossa igreja de Ouro Preto, e é uma coisa linda! Algumas igrejas têm um órgão imenso, se você der a sorte de chegar no domingo e poder participar de uma missa, você vai ouvir o órgão e é uma coisa de arrepiar. É extremamente encantador.

Então, a minha primeira experiência nessa semana, uma das principais coisas que eu aprendi é cuidar a cada dia, cada passo de uma vez. Muitas das vezes que eu ‘tô’ numa subida, isso me fez refletir sobre uma questão muito importante. Às vezes a gente chega no meio daquela subida, a gente está bem cansado, a gente aí, às vezes questionar, será que eu vou conseguir terminar isso aqui? E é legal olhar para trás e ver o quanto a gente subiu até ali, e isso motiva a gente a continuar e terminar.

Então isso. Isso não tem a ver só com o Caminho, mas tem a ver com a nossa vida. Se algum momento a gente se sente desmotivado, olhar para trás, pode nos motivar. Então a gente vai aprender várias e várias coisas com o Caminho, que eu aprendi e que eu ‘tô’ encantado com isso.

Concluindo a questão dos grupos, uma das primeiras coisas que eu quero falar aqui nesse dia, é que o Caminho de Santiago é o momento para 2 lados, para conhecer novas pessoas, fazer novos amigos, se comunicar e também para se conhecer. Então, nos momentos que você precisa, que você sente que você quer alguém perto, você quer conversar, você tem isso.

E, se você deseja é ter um momento sozinho para refletir, para pensar na vida em alguns momentos, se você vai caminhar no seu passo, vai acabar ficando para trás ou vai acabar adiantando um pouco do seu grupo, e não é um problema. A gente não precisa andar junto do grupo, se você tentar andar junto do grupo, pode refletir no seu desempenho físico. E aí vem a última questão que eu quero levantar hoje, que esses primeiros dias, esses 7 primeiros dias, eles são decisivos para você. Porque os 3 primeiros dias, principalmente quando acaba a caminhada, você ‘tá’ acabado. Você só quer deitar e dormir. Mas a cada dia que passa, o termômetro é o seu corpo. Quando acaba a caminhada, você vai se sentindo cada dia mais disposto a passear pela cidade onde você parou, que é uma coisa importantíssima. São cidades lindas e aproveitar esse momento contra as pessoas no albergue, que a gente sempre faz o jantar junto, vou falar sobre alimentação na próxima semana.

E o seu corpo, vai ser o seu termômetro. Então vai, vai no seu tempo, não tenta acompanhar ninguém. Cada um tem o seu ritmo, e no fim do dia vai estar todo mundo na mesma cidade. E, na verdade nem é no final do dia, dependendo do dia, é por volta de uma ou 2 da tarde, já está todo mundo junto para almoçar e para aproveitar a cidade.

Então, são dicas, são conselhos superinteressantes. O Caminho é lindo, o Caminho te ensina muitas coisas, e isso é só o começo. São só 7 dias.

Então eu te vejo nos próximos 7 dias.

Confira, na galeria abaixo, algumas imagens do Caminho de Compostela percorrido por Gabriel nos primeiros 7 dias da jornada:

Picture of Gabriel Leal
O goiano Gabriel Leal, ex-estagiário da Agência Primaz, é graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Produziu os documentários "Césio 137: As Cicatrizes Invisíveis", realizado como Trabalho de Conclusão de Curso, e "Para não esquecer", cuja estreia mundial acontece dia 28 de maio, no International Uranium Film Festival: Festival de Cinema da Era Atômica, promovido pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.