A gente não quer só comida, mas se tiver já ajuda bem
O que nos permite seguir fazendo jornalismo independente?
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Para a coluna de hoje, eu tinha pensado em uma prosa séria sobre a importância da remuneração de jornalistas. O plano, inclusive, era defender campanhas de financiamento coletivo, tipo o nosso Apoia.se, como formas de garantir a independência dos pequenos jornais e possibilitar novas interações com o leitor.
Acontece que, justamente essa semana, eu fui acionado para ir para a rua. O Lui Pereira e eu estamos apurando a remoção de famílias de [conteúdo suprimido pois não sou trouxa de dar spoilers] diante do risco de rompimento de uma barragem que pertence àquela empresa amarga para Minas Gerais, como já disse o Drummond.
Meu amigo, quando a rua chama, o peito da gente até aquece. Ainda mais nessa pandemia, na qual eu virei especialista em “seu microfone está desligado”. Assim, saímos logo cedo para a pauta, sem saber muito bem o que viria pela frente. Me senti nos velhos tempos, ouvindo gente, exercitando os ganchos de pergunta, fazendo mineiros perderem a vergonha, colocando fontes para analisarem os próprios contraditórios. Enfim, não fosse pelas máscaras, nem parecia pauta feita no meio de uma pandemia.
Foi como se essa apuração tivesse recarregado as minhas energias para seguir na lida do jornalismo local. Dizem por aí que a gente se alimenta de histórias. Depois do maior rolê e muitas entrevistas, lá pelas 13h30 os nossos estômagos já pediam, pelo amor de Deus, qualquer coisa que pudesse ser confundida com almoço. Pandemia e restaurante não combinam, né?
Foi aí que eu percebi uma certa e importante conexão entre esses dois assuntos que eu puxei hoje.
A nossa campanha de financiamento coletivo surgiu numa necessidade de sobrevivência. A Covid-19 fez aumentar, e muito, as demandas de reportagem no mundo todo. Repare em como mudou a grade da Tv Globo que você terá uma boa ilustração disso. Ao mesmo tempo, os comércios locais, empresas, autônomos, prestadores de serviços, ou seja, nossos anunciantes em potencial, viram-se em uma das maiores crises já enfrentadas, muitos sendo obrigados a fecharem as portas.
Então, mais do que possibilitar a independência buscada pelos veículos e sonhada pelos repórteres, a nossa campanha de financiamento coletivo veio para garantir a manutenção das nossas atividades. A gente estudou muito para fazer o que a gente faz na Agência Primaz e dar paulada na mesa ou ser porta-voz de quem paga mais nunca esteve no nosso radar. Era arrumar dinheiro ou fechar as portas.
O financiamento ainda não chegou na meta, mas nos deixou respirar. Hoje, a gente tá começando a ser reconhecido por grandes e pequenas empresas, além de órgãos públicos, pelo jornalismo sério que fazemos na Região dos Inconfidentes. Mas isso só existe porque a gente é apoiado, com dinheiro ou tempo de leitura, por gente como você, que tá aqui conversando comigo agora.
A gente se alimenta de histórias, sim. Mas só até 13h30. Depois disso, não tem história que cubra aquele vazio existencial causado pela fome.
(*) Marcelo Sena é jornalista e pesquisador do PPGCOM/UFOP
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