O drama dos animais abandonados em Ouro Preto
Mesmo com a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta em 2018, Prefeitura de Ouro Preto descumpre legislações de proteção animal
- Gabriel Leal e Mariana Paes
- 31/07/2020 às 14h31
- Supervisão: Marcelo Sena
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“Estamos cansadas, não dá mais!”. É com essa frase que tem início a nota oficial do Instituto de Defesa dos Direitos dos Animais (IDDA), publicada no Facebook em 17 de julho. A nota é um desabafo sobre a situação de descaso, maus-tratos e abandono de animais no município de Ouro Preto.
No último dia 23, a ONG reuniu-se com gestores municipais para reivindicar o cumprimento do Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado entre a Prefeitura de Ouro Preto e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), em 15 de agosto de 2018. O termo foi assinado após denúncias, oriundas da sociedade civil, de maus-tratos e abandono de cães e gatos que vivem no perímetro urbano do município.
Segundo o Portal de Direitos Coletivos, o Termo de Ajuste de Conduta é um acordo que o Ministério Público celebra com o violador de determinado direito social. Este instrumento tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.
O que diz o termo de ajuste de conduta
Alguns dos compromissos firmados no TAC são: a conscientização da população acerca de conceitos de guarda responsável de animais domésticos; a esterilização cirúrgica massiva; a fiscalização e controle de pessoas físicas e jurídicas que comercializam cães e gatos; castrações cirúrgicas gratuitas de caninos e felinos, priorizando-se o atendimento de animais de rua, indicados por associações protetoras; a regularização do serviço municipal de registro de cães e gatos; a manutenção de forma permanente e adequada de instalações, instrumentos, medicamentos, inclusive anestésicos, e serviços de assistência aos médicos veterinários que desempenhem atividades de controle populacional e realização de campanhas bimestrais de adoção voltada aos animais desamparados.
Segundo o que consta no TAC, Ouro Preto, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, justificou a necessidade de contratação de serviço especializado de controle populacional de animais, que incluiria a apreensão, guarda temporária e eutanásia de animais domésticos errantes de pequeno, médio e grande portes, na sede e nos distritos, visando a proteção da saúde pública e a harmonização das ações de controle de animais. Houve um procedimento licitatório e a empresa SC Serviços e Comércios Ltda. foi vencedora, pelo valor anual de R$ 254.094,96 (duzentos e cinquenta e quatro mil noventa e quatro reais e noventa e seis centavos). O valor pode ser acrescido em virtude de aumento no número de animais recolhidos.
O município foi obrigado a encaminhar à Câmara, em um prazo de quatro meses após a assinatura da TAC, um projeto de lei que crie normas de controle das populações de cães e gatos. Também fruto da assinatura do termo, a prefeitura idealizou a Unidade de vigilância de zoonoses e bem-estar (UVZ), espaço criado para recolhimento, tratamento, castração e microchipagem dos animais em situação de rua. Questões previstas em lei (lei estadual de número 21.970) e reforçadas pelo TAC.
Girley de Oliveira Almeida, Diretor da UVZ alega que a unidade tem cumprido com esse compromisso, mas que não tem a responsabilidade de abrigar os animais. Eles são recolhidos, passam por esse processo, ficam 30 dias disponíveis para adoção e se estiverem bem de saúde e não forem adotados, são devolvidos à rua.
Apesar de o TAC prever um número mínimo de animais castrados por mês, a prefeitura ainda está longe de atingir essa meta. Desde a criação da UVZ, apenas 119 animais foram castrados (dados disponíveis no site da unidade), enquanto no TAC esse valor deveria já ter passado a marca de mil animais. Na denúncia promovida pela IDDA, o motivo é o baixo número de funcionários do local. Além disso, foi cobrada a contratação de mais veterinários na reunião do dia 23. Segundo Girley, o processo já está em andamento.
Segundo a assessoria de comunicação da Prefeitura de Ouro Preto, em fevereiro de 2019 o diretor de Vigilância em Saúde, Ricardo Martins Fortes, prestou informações ao Conselho Municipal de Saúde sobre as medidas que estavam sendo tomadas em relação à política de controle populacional de cães e gatos, controle de zoonoses e bem-estar animal. De acordo com Ricardo, já estava em análise a minuta da Lei que institui o ‘Programa de controle populacional, bem estar de cães e gatos e controle de zoonoses’, elaborada pelo poder público juntamente com a ONG AOPA, a IDDA e os representantes do poder legislativo.
Em março de 2019, foi inaugurada a Unidade de Vigilância de Zoonoses (UVZ) e Bem-Estar Animal em Ouro Preto. Entre os seus objetivos, está controlar a população de cães e gatos no município, com ações voltadas aos cuidados e bem-estar animal.
Na inauguração, Ricardo Fortes comentou: “Este é o início de uma nova política humanizada em relação ao controle populacional de cães e gatos no município”. No contexto da pandemia, a UVZ inaugurou um site, no qual é possível ver todas as informações sobre a instalação, bichos disponíveis para a adoção e até mesmo fazer denúncias referentes a maus-tratos.
Um ano após a inauguração e quase dois anos depois da assinatura do TAC, foram observada irregularidades no cumprimento do termo e no funcionamento da UVZ. Segundo a denúncia da IDDA, a instalação não possui um profissional com experiência na maior demanda, que é a esterilização em massa; não faz exames ou cirurgias mais invasivas,importantes no trato ao animal em risco; o local ainda é inapropriado para a estadia dos animais e não possui profissional com experiência em esterilização em massa.



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A reunião entre a IDDA e a PMOP de 23 de julho de 2020
Luciana Sales, presidente da IDDA, afirma que “sempre tenta muito resolver as coisas pelo diálogo e em último caso apelar para explicitação em redes sociais”. Diante da repercussão da nota publicada nas redes sociais, foi efetivado o contato entre a Prefeitura de Ouro Preto e a ONG. No dia 23 de julho aconteceu a reunião entre membros da IDDA, o prefeito Júlio Pimenta e representantes da Vigilância e Zoonoses. Na reunião foi destacado o não cumprimento da TAC e a situação estrutural da UVZ.
A Prefeitura de Ouro Preto não comentou as deliberações provenientes da reunião ocorrida no dia 23 de julho de 2020.
Entenda as denúncias
Animais abandonados no aterro sanitário. No aterro de Rancharia, cerca de 10 quilômetros do centro de Ouro Preto, há a denúncia de que ao menos uma dezena de cães vive vagando pelo local. Os animais transitam entre lixo, detritos e chorume disputando comida com urubus.
Girley de Oliveira Almeida, responsável pela UVZ, denuncia que constantemente há a presença de estranhos no aterro para abandonar animais. O funcionário da prefeitura aponta que existe uma investigação policial em andamento referente a um veículo de placa de outra cidade que foi flagrado abandonando cães no no local. Girley explica que elaboraram um plano de ação para resolver a questão dos animais abandonados no aterro e destaca como prioridade a instalação de uma barreira física no local para impedir a entrada de pessoas não autorizadas. Há também planos para a remoção de animais com a saúde em risco, das cadelas no cio e dos filhotes. Além disso, o pacote do Executivo prevê a testagem semanal para leishmaniose, envio de ração e medicação aos bichos e a castração dos que forem removidos do local.
Animais abandonados e a pandemia de Covid-19. No período da pandemia, segundo a prefeitura de Ouro Preto, muitos animais estão passando fome. As sobras de restaurantes e doações de comerciantes eram muitas vezes alimento dos cães em situação de rua e, com o fechamento do comércio, os animais deixam de ter o que comer. A Prefeitura recomenda que, quem puder, coloque ração e água próximo às suas residências para que os animais possam se alimentar.
Luciana Salles fala também que houve um aumento no número de abandono de animais na Região dos Inconfidentes no período da pandemia, mas que também houve um aumento no número de adoções. Porém ela alerta cautela nas ações de adoção, uma vez que a quarentena pode motivar uma atitude impulsiva e esses animais acabarem sendo abandonados novamente.
Uma responsabilidade de todos nós
Adotar um animal é assumir um compromisso de longo prazo. Estudos indicam que a expectativa de vida de cachorros é entre 12 a 14 anos e a de um gato varia entre 15 a 20 anos. São seres vivos e capazes de criar laços afetivos com seus tutores. Merecem, então, um tratamento digno e respeitoso. Além disso,o abandono e os maus-tratos são crimes previstos no código penal brasileiro.
Desde 2016, a partir da lei estadual de número 21.970, o governo estadual demonstrou um aumento na preocupação com a regulamentação, fiscalização e punição de quem promove maus-tratos aos animais. A partir da lei, torna-se proibido em Minas Gerais o extermínio de animais com fins de controle populacional e passa a ser mais rigorosa as questões desse manejo, como uma castração que não cause estresse ao animal e a microchipagem.
Os cuidados com os animais em situação de rua são, portanto, de responsabilidades do poder público, mesmo em termos de conscientização da população. A criação de programas que possam auxiliar os donos dos bichos em seus cuidados, como vacinação e castração gratuita para quem não tem condição financeira de arcar; programas para informar melhor quem tem interesse em ter um animal, de todos os cuidados que ele vai demandar.
Quer adotar ou fazer uma denúncia?
Você por pode buscar por animais disponíveis para adoção, formas de ajudar a ONG a continuar seu trabalho e até mesmo fazer denúncias através do perfil no Instagram da IDDA @ong.idda.
Você também pode ajudar os animais a não serem devolvidos à rua adotando pelo site da UVZ . Lá é possível encontrar todas as informações necessárias sobre a unidade e também fazer denúncias.
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