O país do futebol

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

Compartilhe:

[wpusb layout="rounded" items="facebook, twitter, whatsapp, share"]
Ilustração: Bruno Miné

Brasil. Vivemos em um país que se auto intitula o “país do futebol”. Mas até onde isso é verdadeiro? Se o ponto de partida fosse um estudo histórico sobre o futebol no mundo, os ingleses ostentariam esse título. O Reino Unido foi o grande precursor do futebol. Tudo começou na Inglaterra e na Escócia, quando o Rugby e o Football ainda eram confundidos e, posteriormente, divididos a partir de habilidade distintas: o primeiro com as mãos e o segundo com os pés. Ainda assim, poderíamos cometer um erro.

Outros estudos indicam que os chineses já “brincavam” de dominar a bola com os pés muito antes dos ingleses. É sabido, no entanto, que não coube à China levar essa prática para o resto do mundo. E o país nunca foi um berço de atletas – nem mesmo uma potência nesse esporte.

 Então por que tantos brasileiros se acham no direito de se apropriar desse “título”? A evolução do futebol no tempo responde essa pergunta. Ingleses e chineses, ainda que tenham tentado dominar a bola com os pés em um passado remoto, demonstraram, ao longo da história, menos habilidade em campo quando comparados aos brasileiros.

A Inglaterra, embora tenha revelado bons jogadores, tais como Bobby Moore, Bobby Charlton, Gary Lineker – e, mais recentemente, David Beckham, Frank Lampard, Steve Gerrard e Michael Owen – não mantém a mesma regularidade que o Brasil nesse quesito. Na verdade, o grande reconhecimento em relação à Inglaterra quando o assunto é futebol é a vitória na Copa do Mundo de 1966 – e de forma muito contestada por especialistas e adeptos do esporte bretão.

Naquela ocasião, a Inglaterra completava cem anos da formação de sua confederação de futebol. A FIFA, Federação Internacional de Futebol, decidiu, assim, realizar a Copa no Reino Unido, como forma de celebrar a data. Apesar de contar com a Liga de Futebol mais forte do mundo, os ingleses não davam muita atenção ao campeonato mundial de seleções – talvez por se sentirem superiores, uma vez que se consideram “fundadores” do esporte. Naquele ano, a FIFA também concedeu ao país a prerrogativa da organização do evento. A Inglaterra saiu vencedora do torneio – seu primeiro e único título mundial. Com um detalhe: a batalha pelo título foi marcada por um gol irregular, mas validado pelos árbitros, fazendo com que muitos amantes do futebol contestassem, por muitos anos depois, a conquista dessa Copa pelos ingleses.

Outros países que, reconhecidamente, possuem mais tradição de bom futebol conquistaram sua fama a partir de boas apresentações em eventos de nível mundial e em disputas por títulos diversos ao longo dos anos. Estão nesse grupo Espanha, com um título; Argentina, França e Uruguai, com dois títulos cada; e Alemanha e Itália, que contabilizam quatro taças em suas salas de troféus. Entretanto, nenhum deles se auto intitula “o país do futebol”, muito provavelmente por causa da história do Brasil em campo.

A primeira Copa do Mundo foi realizada no Uruguai, em 1930, e a equipe anfitriã sagrou-se campeã do torneio – que teve o Brasil já na segunda colocação. Naquela época não havia análises tão precisas das estatísticas, como hoje. Importavam, naquele tempo, apenas o perfil dos participantes, a posição de cada time na copa, o campeão e o número de gols, entre outros aspectos mais comuns. Mas começava ali a grande história da Seleção Brasileira de Futebol – a única que esteve presente em todas as Copas do Mundo já realizadas.

Duas décadas depois, em 1950, a FIFA escolhia o Brasil para sediar o evento no maior estádio do mundo, o Maracanã – construído especialmente para aquela copa. Mais uma vez, a seleção brasileira ficou com a medalha de prata, atrás do Uruguai, que conquistava seu bicampeonato. Mas, para os brasileiros, o melhor estava por vir. Na copa de 1958, um menino foi apresentado ao mundo: Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé. O jovem tinha apenas 17 anos e fez o extraordinário acontecer, enfrentando não só os adversários, mas o racismo, já devastador no mundo e, em especial, no seu próprio país. Pois naquele ano, com Pelé em campo, o Brasil conquistava seu primeiro título mundial.

Em 1962 a façanha se dá novamente. Embalados pelo campeonato de 58, e mais uma vez com Pelé transformando os jogadores do time adversário em cones de trânsito, o Brasil chegou favorito. Mas o título não veio assim tão fácil. O jovem jogador do Santos se machucou na primeira partida e o desespero tomou conta da nação. Entretanto, fomos surpreendidos por um Mané – um rapaz baixinho, de pernas tortas. Garrincha cantou, encantou, driblou de uma forma inédita e ganhou. Pintamos o Chile de verde e amarelo e nos igualamos ao bicampeão Uruguai.

Passada a contestada Copa de 66, vencida pelos ingleses, foi a vez de o México sediar a Copa de 70. Empolgados com a música Ranchera e com o Mariachi, os brasileiros entraram em campo confiantes com o retorno de Pelé. A equipe era comandada por ninguém menos que o já campeão do mundo como jogador, Mário Jorge Lobo Zagallo. Conquistamos o tri e também o respeito mundial. O Brasil se tornou “a seleção a ser batida”.

De lá para cá, tivemos craques como Dinamite, Romário, Bebeto, Ronaldo, Rivaldo, Kaká, Lúcio, Roberto Carlos, Cafu, Dida, Taffarel, Marcos, Juninho Pernambucano, Gilberto Silva, Zico e o bruxo, como é carinhosamente chamado, Ronaldinho Gaúcho. Conquistamos as copas de 1994 e 2002 e nos tornamos pentacampeões mundiais. Os únicos. E o futebol moleque, repleto de “brasileiragem”, alegria, samba e dribles, conquistou o mundo inteiro. Nossos craques se transformaram em campeões na Europa, na Ásia, nas Américas, na África e até no Japão. Talvez realmente faça sentido o termo “país do futebol”.

Veja Mais