O que o jornalismo exige da gente é coragem: de expor-se

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “editoriais”

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Há alguns dias, meu pai me contou que perguntaram a ele se eu era o administrador de um perfil no Facebook de nome “Tipiti ô Tipiti”. Sem indicar a autoria das postagens, o perfil comenta assuntos da política de lá, faz denúncias de irregularidades ou demandas das pessoas do município, compartilha e comenta assuntos estaduais e nacionais, entre outras coisas.

De acordo com o meu pai, a resposta dada foi negativa pois eu “não tinha tempo para aquilo”. Certo, anda me faltando tempo pra fofoca anônima de Facebook. Mas, mais que falta de tempo, me sobra preguiça dessas iniciativas travestidas de fonte segura e imparcial de informações. O que o tal perfil faz, de forma anônima, é crítica, é comédia, é fofoca, é opinião sem opinador e, às vezes, é até informação. Compreendo as possíveis represálias que se quer evitar, mas isso está longe de ser o que eu faço e mostro a cara por fazer: jornalismo.

Junto de quaisquer reconhecimentos pelo trabalho realizado, assinar uma matéria atesta a responsabilidade do repórter sobre o que ele diz ou escreve. Se a Constituição Federal protege os jornalistas em nome da liberdade de imprensa, ela também nos aponta deveres, em defesa da comunicação como um direito de todos os cidadãos. Censura não! Mas responsabilização pelas consequências daquilo que se diz.

Sem entrar nessa celeuma, palavra que aprendi assistindo a entrevistas do semianalfabeto Luiz Inácio, me reservo à importância da autoria nas vivências do fazer jornalismo. Os contratos sociais firmados entre repórteres, veículos e leitores preveem, a princípio, que os textos trarão os recortes mais fidedignos possíveis dos fatos. Jornalista acostumado a publicar e compartilhar fake news ou informações incompletas acaba perdendo algo fundamental para nós, que sobrevivemos da missão de informar: a credibilidade.

 

Por isso, trabalhar com jornalismo é uma luta constante, na qual (quase sempre) estamos no front de batalha e, justamente por isso, atuamos com nossas vulnerabilidades bastante expostas. Assim, para se fazer o jornalismo que eu defendo, e tento praticar, é preciso muita coragem, sobretudo a coragem de se expor: às incertezas do cotidiano a ser noticiado, às críticas, aos tribunais da memória e aos mais diversos contraditórios.

Expor-se ao vírus, um inimigo invisível, como tem feito o meu amigo e colega de redação Lui Pereira, com uma câmera na mão e um olhar muito sensível pelo dever, ou missão, de informar sobre a pandemia de Covid-19 em Mariana.

Expor-se às críticas, como as que recebemos ao escrevermos sobre supersalários inconstitucionais recebidos por médicos da Prefeitura de Mariana em 2019. Um dos gestores, que até outro dia elogiava o nosso trabalho, nos chamou de “maldosos” pela matéria, mas ainda não conseguiu explicar os mais de R$ 570 mil recebidos de forma irregular pelos servidores municipais no ano passado.

Expor-se à memória, como os narradores que encontrei nos textos anticomunistas do jornal O Arquidiocesano entre 1959 e 1964. 60 anos depois, um texto publicado em um jornal ainda está sujeito a investigações e pode revelar muito sobre seus autores, diretos e indiretos.

Expor-se, enfim, às trocas simbólicas proporcionadas por cada pauta. Paralela a esta coluna, estou escrevendo uma matéria sobre o trabalho dos Alcoólicos Anônimos de Mariana durante a pandemia. Essa pauta tem mexido muito comigo e quem me conhece um pouco mais de perto sabe a relação controversa que eu tenho com álcool e suas consequências.

Expondo-me, portanto, encerro este texto ao reforçar que, por trás (ou dentro) de toda escrita, há desejos, pressões, medos e subjetividades. Tem sempre alguém segurando o lápis, ou melhor, apertando as teclas e talvez seja isso que nos cativa ao nos deixarmos transformar por quem vive as dores e delícias de se fazer jornalismo diariamente.

(*) Marcelo Sena é jornalista e pesquisador do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFOP

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