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Hoje é sábado, 24 de maio de 2025

O fenômeno dos bebês reborn

“Um pai atormentado por um luto prematuro manda fazer uma imagem do filho tão cedo arrebatado. Agora honra como deus aquele que antes era apenas um homem morto e transmite para as pessoas de sua casa ritos secretos e cerimônias. Com o tempo, esse costume ímpio se vai arraigando e é observado como uma lei”. (Livro da Sabedoria, 14, 15-16).

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bebês reborn

Ouça o áudio de "O fenômeno dos bebês reborn", do colunista Júlio Vasconcelos:

Neurose, psicose, fetichismo ou um novo modismo?

Recentemente tem tomado conta da mídia uma série de casos esdrúxulos relacionados a um boneco denominado reborn, que tem a aparência perfeita de um bebê humano.

O bebê reborn surgiu nos anos 1990 nos EUA por meio de uma comunidade de colecionadores e artistas que queriam personalizar seus artefatos para que fossem como bebês reais. Com base nessa iniciativa, foram surgindo alguns fabricantes que gostaram da ideia e começaram a produzir e comercializar esses bonecos que acabaram se tornando uma enorme atração, não só para as crianças, mas também para um grande número de adultos.

O termo “reborn” é originário da língua inglesa e significa renascido. O que tem chamado muito a atenção é a forma como várias pessoas vem tratando esses bonecos, como se fossem verdadeiros seres humanos. São mulheres que levam o boneco ao hospital para ser atendido, alegando que ele não está se sentindo bem, que o utilizam para fingir a morte de um suposto filho recém-nascido e arrecadar dinheiro através de campanha online, que simulam o parto do bebê, aparecendo e saindo de dentro de uma bolsa amniótica, que sonham em ser mães e adotam o bebê como filho, que organizam um encontro, reunindo dezenas de pessoas com seus bonecos em praça pública e até mães querendo batizar seus bebês reborn, além de muitas outras aberrações.

Esses tipos de comportamentos vêm chamando a atenção de alguns especialistas da mente humana que se preocupam com essa onda e entendem como um problema de saúde mental. O primeiro dos problemas está relacionado com a neurose.

A neurose pode ser caracterizada por um quadro clínico onde uma pessoa trata um objeto de fantasia como se fosse real, embora saiba que ele não é, simbolizando desejos recalcados, tais como o desejo de ser mãe ou o desejo de ter de volta alguém que partiu ou morreu. No caso do bebê reborn, a pessoa mantém a consciência de que aquele artefato é um boneco, mas de certa forma se recusa a encarar essa verdade, assumindo um comportamento infantilizado.

Outro problema está relacionado a psicose. A psicose pode ser caracterizada por um quadro clínico onde a pessoa trata um objeto de fantasia como se fosse real, acreditando piamente que ele é real, com o objetivo de evitar encarar uma ruptura. Aqui, o reborn não é mais simbólico, ele se torna parte de uma realidade construída para evitar o colapso da pessoa. O psicótico não suporta a perda, a ausência, então preenche esse vazio com um objeto para que o mundo interno continue coeso.

Outro problema ainda é o relacionado ao fetichismo. Na teoria psicanalítica, o fetichismo é uma forma de negar ou tamponar uma falta insuportável, utilizando-se de um objeto. Como na neurose, a pessoa sabe, mas finge não saber que o objeto não é real e utiliza deste objeto como forma de prazer. No caso do bebê reborn, a pessoa pode passar a dormir e conversar com ele e sentir prazer em sua presença, mas não permite que ninguém diga que ele é falso, reagindo com negação ou agressividade.

Evidentemente que podem existir pessoas que adquiriram o bebê reborn, no entanto não se enquadram em nenhum desses casos clínicos. Em alguns contextos clínicos e geriátricos, os bebês reborn podem ter uma finalidade terapêutica legítima, especialmente em casos de Alzheimer, de lares geriátricos para acalmar pacientes, de geração de apego e resgate de memórias de maternagem, de perda gestacional e de luto materno, quando algumas mulheres podem usar bonecos reborn como transição simbólica no processo de luto, criando um espaço de escuta do desejo materno ferido. Em contextos clínicos como esses, isso pode ser parte de um trabalho de elaboração simbólica, desde que haja mediação profissional.

Finalmente, um último aspecto a ser considerado é o relacionado a um novo modismo passageiro, especialmente se observado sob a ótica da cultura do espetáculo das redes sociais e da busca contemporânea por visibilidade e afeto virtual. Muitas pessoas podem estar utilizando desse recurso para exposição em redes sociais, em busca de curtidas, seguidores e atenção, o chamado narcisismo social. Nesses casos, o reborn é tratado como um objeto de performance, quase como uma selfie com forma de boneco.

Nos dias atuais, com as redes como TikTok, Instagram e YouTube, comportamentos íntimos ou simbólicos ganham caráter performático. Então, o reborn que nasceu como prática artística e terapêutica, pode estar ganhando espaço na lógica do consumo e do espetáculo. Isso mistura o uso legítimo com o uso exibicionista, tornando difícil saber quando é só modismo ou quando realmente significa um sintoma.

Enfim, quer seja um fenômeno sintomático, quer seja um modismo, é preciso que estejamos bastante atentos para que não sejamos contagiados por essa onda mercenária e fútil onde, em nome do capital, nos tornamos meros objetos de uma massa obnubilada e consumista. Enquanto milhares de bebês humanos morrem de inanição todos os dias pelo mundo afora, é estarrecedor e alarmante ver pessoas carregando nos braços bebês de silicone como se fossem humanos.

Quem tem ouvidos, que ouça!

Foto de Júlio Vasconcelos
Júlio César Vasconcelos, Mestre em Ciências da Educação, Professor Universitário, Coach, Escritor e Sócio-Proprietário da Cesarius Gestão de Pessoas
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