- Ouro Preto
Entre memória e festa, estação renasce em Engenheiro Corrêa
Por entre trilhos, afetos e promessas, distrito reviveu sua história no dia 14 de dezembro de 2025
- Joyce Campolina
- Supervisão: Lui Pereira
O trem ainda não chegou, mas a estação recebeu a vida que para os moradores nunca havia partido. Neste último domingo (14), Engenheiro Corrêa transformou a reinauguração de sua histórica estação ferroviária em um acontecimento raro, não apenas uma entrega de obra, mas um reencontro profundo com sua própria identidade. Com apenas 306 habitantes, o distrito de Ouro Preto reuniu moradores antigos, visitantes de cidades vizinhas, autoridades políticas e patrocinadores em uma celebração que misturou memória, cultura e futuro.
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Logo na chegada, o cenário anunciava que aquele não seria um evento comum. A exposição do Clube Itabirito de Carros Antigos, ocupou o entorno da estação e ajudou a recriar a atmosfera do século XX. Vieram visitantes de Itabirito, Santo Antônio do Leite, Miguel Burnier, além de grupos de ciclistas que chegaram pedalando, atraídos tanto pelo evento quanto pela tranquilidade das estradas da região.
A programação teve início com a Sociedade Musical Senhor Bom Jesus de Matosinhos, a querida Banda do Rosário, cuja apresentação emocionou o público e abriu oficialmente a cerimônia. Terminando a apresentação com Cheia de Manias e Trem das Onze, a banda ditou o clima do evento, seria leve, dominaria o coração da galera e as onze e meia, a porta da estação se abriria lentamente, após discursos das autoridades presentes e representantes da empresa patrocinadora.
Dentro do prédio, quatro pessoas caracterizadas com roupas de época recepcionavam os visitantes, uma verdadeira viagem no tempo para um espaço não apenas reformado, mas devolvido ao tempo e à comunidade. Entre food trucks, chopp artesanal, espetinhos, sorvetes, espaço kids, música ao vivo, apresentações do Grupo de Choro Deitando o Cabelo, do Grupo de Forró Manguacêra, a presença do Papai Noel e a poesia sensível da poeta Simone Neves, Engenheiro Corrêa viveu uma tarde que misturou festa e reverência.
“Era a vida da cidade”
Para quem sempre viveu ali, a reinauguração teve um peso que nenhuma placa oficial seria capaz de traduzir. Estela Márcia e Marilda das Mercês, nascidas e criadas no distrito, voltaram especialmente para a cerimônia, mesmo morando hoje em Itabirito. “Aqui era o movimento do povo. A estação era a vida da cidade”, resumiu Estela. Filha de ferroviário, ela carrega a memória do lugar no próprio corpo. Seu pai trabalhou na estação por décadas, zelando pelo espaço com rigor e carinho. “Ele cuidava disso aqui como se fosse um brinco. Limpava tudo, toda semana. A estação era motivo de orgulho”, contou.
A ligação de Estela com o espaço vai além da memória afetiva: ela chegou a morar na estação ainda bebê e permaneceu ali até a vida adulta. “Eu vim pra cá com dois meses e saí com 39 anos. Ver isso tudo restaurado é emocionante demais.”
A emoção se intensificou quando a atenção se voltou para a caixa d’água, também reinaugurada. Estrutura fundamental no passado, ela abasteceu gerações de moradores. “Eu carregava água na cabeça, subindo o morro, dessa caixa aí”, relembrou Estela, apontando para o reservatório. O gesto simples sintetizou o espírito da obra, preservar o cotidiano, não apenas as paredes.
Para Silvio de Moura, que conheceu a estação em pleno funcionamento, com a passagem de trens de minério e passageiros, a restauração representa um compromisso com a memória coletiva. “É uma alegria muito grande conservar o que estava destruído. Isso aqui é patrimônio de Ouro Preto. É nossa história viva”, afirmou.
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Entre esperanças e promessas
Durante a solenidade, foi anunciado pelo vereador Naércio Ferreira, que a estação passará a se chamar Estação Ferroviária Senhora Júlia Braga, em homenagem à mãe da vice-prefeita de Ouro Preto, Regina Braga. Filha do distrito, Regina não conteve a emoção ao falar do significado da entrega. “Isso é mais do que uma obra. É a realização de um sonho antigo e coletivo”, disse. E finalizou o discurso citando aquele que além de baiano, é pai do rock brasileiro, Raul Seixas. “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade.”
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Representando o patrocinador master, estiveram presentes membros do Grupo Herculano, entre eles Gilmar Vieira. A gestão do projeto foi realizada pela Holofote Cultural, representada por seu diretor executivo, Gilson Martins.
Em seus discursos, além de celebrar a restauração da estação, autoridades presentes reforçaram promessas de infraestrutura, com destaque para o avanço das obras da Rodovia MG-030, considerada estratégica para a integração entre Ouro Preto, Itabirito, Congonhas, Belo Vale e Ouro Branco.
O compromisso com a pavimentação de novos trechos foi citado como essencial para o desenvolvimento do distrito e para a valorização do patrimônio recém-restaurado. O prefeito Ângelo Oswaldo destacou que “o trem não vai parar por aqui”, mencionando ainda outros projetos como pista de caminhada, quadra esportiva, academia ao ar livre e novas ações de preservação do patrimônio histórico local.
Um patrimônio que volta a respirar
Inaugurada originalmente em 1896, como parte da antiga Estrada de Ferro D. Pedro II, depois chamada Estrada de Ferro Central do Brasil, a estação foi batizada inicialmente de Estação Sardinha, em referência ao ribeirão que corta a região. O nome Engenheiro Corrêa homenageia Manoel Francisco Corrêa Júnior, engenheiro da ferrovia que morreu em serviço.
Desativada nos anos 1990, a estação permaneceu por décadas como ruína silenciosa, até agora. Viabilizada por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), a restauração contou com patrocínio master do Grupo Herculano, patrocínio complementar do Grupo J. Mendes, apoio da Prefeitura de Ouro Preto e realização do Ministério da Cultura e do Governo Federal.
Ao cair da noite, entre música, conversa e lembranças compartilhadas, Engenheiro Corrêa mostrou que a estação ferroviária voltou a cumprir sua função original: ligar pessoas. Não mais por trilhos de ferro, mas por laços de memória e pertencimento.