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Hoje é sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Projeto Walls: Ex-secretário municipal quer mineração na Purificação

Anderson Silva de Aguilar, ex-secretário de meio ambiente de Mariana é o responsável técnico da Mineradora Walls que pleiteia declaração de conformidade no CODEMA de Mariana

Mineração do Projeto Walls na Estrada da Purificação
Caso aprovado, o empreendimento deve se instalar nas proximidades do mirante da Estrada da Purificação - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O processo de licenciamento ambiental (ANM n.º 830.578/2006) do Projeto Walls, de lavra a céu aberto de até 300.000 t/ano  de minério de ferro nos municípios de Ouro Preto e Mariana, é marcado por um grave conflito de interesses envolvendo um representante chave da mineradora e a administração municipal de Mariana. Anderson Silva de Aguilar, listado como o Procurador da Walls Engenharia e Mineração Ltda., estava à frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente até o fim de 2024.

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O local onde a mineradora pretende se instalar fica próximo do mirante da Estrada da Purificação. A estrada foi pavimentada recentemente com o objetivo de melhorar a ligação entre o distrito de Antônio Pereira e a sede de Ouro Preto, além de estimular o turismo entre as cidades de Mariana e Ouro Preto.

A Área Diretamente Afetada (ADA) da mineradora está perigosamente próxima de dez sítios arqueológicos e parte do empreendimento está localizado na Zona de Amortecimento do Parque das Andorinhas. 

Após pedido de vistas, o projeto entra novamente na pauta do CODEMA de Mariana no dia 16 de dezembro. A apreciação da declaração pelo conselho ambiental em nível municipal é uma das etapas decisivas para que o projeto avance no estado.

O Conflito na SEMMADS

Anderson Silva de Aguilar, Ex- Secretário Municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Proteção Animal, assina como procurador da empresa Walls Engenharia e Mineracao Ltda., a Declaração de Impacto Ambiental (DIA). O ex-secretário também aparece como Responsável Técnico no Parecer Único SEMMADS n° 240/2025, emitido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMMADS) de Mariana.

O parecer analisou o pedido de Declaração de Conformidade Municipal para o Projeto Walls (que prevê a produção de até 300.000 toneladas de minério de ferro por ano) e concluiu com a sugestão pelo deferimento (aprovação). O Parecer atesta que a lavra é compatível com o zoneamento municipal, mesmo o projeto estando em uma Macrozona Rural e em Zona de Conservação Ambiental.

O conflito aqui é o fato de que o procurador que hoje defende os interesses da mineradora diante da SEMMADS era a menos de um ano atrás o chefe da secretaria. 

SEMMADS e o licenciamento ambiental do Projeto Walls
Parque Estância do Cruzeiro e da sede do SEMADS é onde deve acontecer a próxima reunião do CODEMA - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

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Risco ambiental e preservação crítica

A aprovação de conformidade municipal se dá apesar de o próprio Estudo de Critério Locacional do Projeto Walls apontar que a Área Diretamente Afetada (ADA), que totaliza 14,4239 hectares, interfere em locais de alta sensibilidade:

  • Bioma e APPs: O projeto está integralmente inserido no domínio fitogeográfico do Bioma Mata Atlântica e prevê intervenção em Área de Preservação Permanente (APP) hídrica e de declividade, totalizando 0,3780 hectares. A ADA não contempla cursos d’água perenes, mas atua como área de recarga para as drenagens.
  • Conservação “Insubstituível”: O empreendimento se insere em uma área que é classificada como “insubstituível” para a conservação biológica, além de constatar potenciais impactos sobre áreas inseridas na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e do Espinhaço.
  • Espécies Ameaçadas: No levantamento da flora na ADA, foram registradas quatro espécies ameaçadas de extinção, incluindo Dalbergia nigra (Vulnerável) e Dyckia rariflora, Mimosa leprosa, e Vellozia glabra (Em Perigo). O Programa de Resgate de Flora visa a preservação da variabilidade genética dessas espécies.
  • Poluição: O projeto prevê emissões atmosféricas, sendo que a poeira depositada nas folhas pode comprometer a fotossíntese e tornar as plantas mais vulneráveis a doenças.

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CODEMA sob Fogo Cruzado na Câmara

O conflito de interesses municipal ocorre em um momento de extrema fragilidade institucional, com o sistema ambiental de Minas Gerais abalado pela Operação Rejeito da Polícia Federal, que investiga um esquema bilionário de corrupção e fraude em licenciamentos de mineração.

Na 41ª Reunião Ordinária da Câmara Municipal de Mariana, realizada em 4 de dezembro de 2025, o vereador Marcelo Macedo utilizou a fala para exigir esclarecimentos urgentes sobre a atuação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA).

A preocupação de Marcelo Macedo centrava-se na nomeação de Fernando Benício de Oliveira Paula (representante da ONG Zeladoria do Planeta) para o CODEMA, dada a sua citação na Operação Rejeito. A Secretaria de Meio Ambiente (SEMMADS), liderada até pouco tempo por Anderson Silva de Aguilar, é a pasta responsável pela gestão do CODEMA.

Marcelo Macedo destacou a inaceitável gravidade dos fatos em uma cidade que já carrega o peso de uma tragédia ambiental:

 

“A gravidade dos fatos é inaceitável em um município como Mariana que carrega o ônus de uma tragédia ambiental e depende de uma fiscalização rigorosa e prova” – Marcelo Macedo

 

O vereador questionou ainda a presença de uma entidade externa e a falta de transparência nas nomeações:

“A instituição Zeladoria do Planeta é de Belo Horizonte, então a gente quer entender por que que uma Zeladoria do de do planeta de Belo Horizonte e a instituição fazer parte do CODEMA de Mariana, então gerou muitas dúvidas e como estão gerando várias dúvidas até hoje”. Em sua fala, Marcelo Macedo fez uma ligação direta entre o esquema de corrupção investigado e o próprio núcleo administrativo de Mariana:

“Essa operação Rejeito… está chegando em Mariana, viu vereador Fernando Sampaio? Tem pessoas aqui de Mariana citadas e diz e diz ainda assim: ‘Olha, esta pessoa tem conchavos em Mariana, na prefeitura municipal.'”.

Na próxima reunião do CODEMA do dia 16 de dezembro, também estará em pauta a possível exclusão da ONG Zeladoria do Planeta do conselho.

A atuação simultânea de Anderson Silva de Aguilar como procurador da mineradora Walls e como responsável técnico no documento que atesta a conformidade municipal do mesmo projeto no Parecer da SEMMADS, órgão ligado ao CODEMA, levanta sérias dúvidas sobre a integridade do licenciamento, especialmente no cenário de intensa fiscalização e suspeita de corrupção sistêmica na área ambiental.

A Dualidade de Papéis em 2025

Os documentos de licenciamento mostram que Anderson Silva de Aguilar exerceu a dupla função diretamente relacionada à aprovação do projeto em 2025:

Representante da Walls (Empresa Privada): Ele atua como Procurador, sendo o representante que assina a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) do Projeto Walls.

Responsável Técnico: O Parecer Técnico n.º 240/2025, emitido pela equipe técnica da SEMMADS, que conclui pela compatibilidade do empreendimento com o zoneamento municipal de Mariana, lista Anderson Silva de Aguilar como Responsável Técnico do documento. 

No entanto, ao ser questionado sobre desde quando atua como procurador do Projeto Walls, o ex-secretário repetiu diversas vezes que “não se lembrava”. Anderson também negou responsabilidade técnica pelo empreendimento, apesar de seu nome constar oficialmente como responsável técnico no documento de aprovação emitido pela SEMMADS.

A compatibilidade urbanística

Como o empreendimento se estende por territórios dos dois municípios, o licenciamento só segue adiante se Mariana e Ouro Preto emitirem declarações de conformidade urbanística.  O parecer esperado então para o dia 16 em Mariana, precisaria andar lado a lado com o que ainda passará pelo CODEMA de Ouro Preto em data que até a publicação desta reportagem, não foi definida.

A empresa responsável pelo Walls protocolou a documentação de conformidade, exigida para instruir o processo de Licença Prévia. Na prática, esse documento verifica se o empreendimento respeita as regras do Plano Diretor, do zoneamento e das normas de uso e ocupação do solo.

Em Mariana, a análise técnica dos aspectos formais de ocupação do solo e posturas municipais é realizada pelo CODEMA, como órgão deliberativo, ou seja, ele é soberano e não cabe qualquer possível decisão em contrário do prefeito Juliano Duarte ao assinar o Atestado de Conformidade. Esse mesmo procedimento terá de se repetir em Ouro Preto, o que adiciona uma camada de complexidade política e territorial ao processo.O licenciamento segue para o SEMAD após o parecer de ambos conselhos.

 

Área sensível

área do Projeto Walls
A Área Diretamente Afetada do projeto Walls fica próxima ao Bairro Alvorada, em Mariana - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

Embora o terreno esteja enquadrado como zona de interesse minerário, conselheiros e especialistas alertam que a classificação não é suficiente para justificar a instalação de um empreendimento de grande porte. Já que a área, não só representa um grande interesse minerário, como coexiste com zonas de proteção ambiental, proximidade com moradias, cursos d’água e limites urbanos.

O conselheiro do CODEMA, Bernardo Campomizzi Machado, é direto ao afirmar que a localização proposta fere o planejamento urbano de Mariana: “Na minha visão, lá não é um local apropriado para esse tipo de empreendimento”. Foi Bernardo quem pediu vistas do processo e quem deve proferir o primeiro voto no próximo dia 16.

Historicamente, projetos minerários de grande porte em Mariana e Ouro Preto têm sido marcados por choques entre interesses econômicos e salvaguardas ambientais, o que eleva o nível de tensão e de responsabilidade sobre decisões como essa. A declaração em discussão no dia 16 é um documento prévio e indispensável para que o empreendimento avance para a Licença Prévia (LP), etapa que exige estudos robustos como EIA/RIMA. Sem conformidade urbanística em ambos os municípios, o projeto não segue para análise estadual. 

Quem compõe o CODEMA?

O Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) é um colegiado de natureza paritária, deliberativa, normativa e recursal, estruturado para garantir o equilíbrio na participação entre o Poder Público e a Sociedade Civil. Atualmente, o Conselho é formado por 20 conselheiros titulares e respectivos suplentes, e sua Presidência é exercida pelo Secretário Municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Proteção Animal.

A representação do Poder Público é composta por dez órgãos, incluindo o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), a Defesa Civil Municipal, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e um representante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal de Vereadores. O Poder Executivo Municipal é representado pelas Secretarias de Saúde, de Obras e Gestão Urbana, de Desenvolvimento Rural, de Administração e de Desenvolvimento Econômico. Há ainda um assento para uma Entidade Representativa de Classes Profissionais (como a OAB – Mariana).

Por sua vez, a Sociedade Civil Organizada e os Setores Produtivos ocupam nove cadeiras, abrangendo as Associações Comunitárias (como a FEAMMA), as Sociedades Civis de Defesa do Meio Ambiente (como CAMAR e a Associação Ambiental e Cultural Zeladoria do Planeta), e as Instituições de Ensino Superior. Os setores econômicos são representados pela Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Mariana (ACIAM), dois representantes do Segmento Comercial e Industrial (como VALE S.A e SAMARCO Mineração), a Associação ligada ao Turismo do Município (como a AGTURB), e o Sindicato de Produtores Rurais. As entidades da sociedade civil sujeitas a processo eletivo cumprem mandato de quatro anos.

Foto de Joyce Campolina
Joyce Campolina é graduanda em Jornalismo pela UFOP, apaixonada por Jornalismo Cultural e Político, fotojornalismo, audiovisual e por contar histórias que precisam ser ouvidas
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Lui Pereira é jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Um cronista do cotidiano marianense.