Notícias de Mariana

Hoje é quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Mariana celebra vitória inicial na Ação da Inglaterra

Encontro organizado pelo escritório Pogust Goodhead e Prefeitura foi realizado na Arena Mariana

Homenagem às vítimas do rompimento da barragem de Fundão no encontro relativo à ação da Inglaterra
Na mesa de honra do evento, destaque para a homenagem às vítimas do rompimento da barragem de Fundão – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Com o nome de “Vitória da Justiça: Encontro com os Atingidos pelo Desastre da Barragem do Fundão”, o evento aconteceu na tarde dessa terça-feira (25), capitaneado pelo prefeito municipal Juliano Duarte (PSB), acompanhado de representantes do escritório de advocacia responsável pela ação proposta na Inglaterra contra a BHP e a Vale, principais acionistas da Samarco, em função do rompimento da barragem de Fundão, ocorrida há 10 anos, juntamente com associados no Brasil e em Mariana, além de representantes dos movimentos dos atingidos. A cerimônia constou de manifestação dos componentes da mesa, com o objetivo de “garantir transparência, participação social e diálogo com a população sobre o processo judicial internacional”, e “para explicar aos nossos clientes a decisão que condenou a BHP pelo rompimento da Barragem de Fundão e detalhar os próximos passos do processo”, de acordo com os convites encaminhados, respectivamente, pela Prefeitura de Mariana e pelo escritório Pogust Goodhead. A solenidade contou com uma plateia de aproximadamente 500 pessoas, pela estimativa da reportagem da Agência Primaz, e registrou a presença da vice-prefeita Sônia Azzi (Republicanos), além da maioria de secretários e secretárias municipais.

*** Continua depois da publicidade ***
***

Decisão Histórica na Ação da Inglaterra

Algumas centenas de pessoas compareceram ao evento realizado na Arena Mariana relacionado à Ação na Inglaterra
Algumas centenas de pessoas compareceram ao evento realizado na Arena Mariana – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

A corte inglesa reconheceu, no dia 14 de novembro, que a mineradora anglo-australiana – uma das donas da Samarco, que operava a barragem – falhou em prevenir o desastre e determinou que ela responda pelos danos causados a centenas de milhares de pessoas e comunidades em Minas Gerais e no Espírito Santo. A ação na justiça inglesa é movida por cerca de 600 mil clientes, incluindo indivíduos, municípios, empresas, igrejas e comunidades tradicionais.

Em sua decisão, a juíza Finola O’Farrell considerou a BHP responsável como poluidora, tanto sob a legislação ambiental brasileira quanto com base em culpa prevista no Código Civil brasileiro. O’Farrell concluiu que o colapso da barragem foi causado pela negligência, imprudência e/ou imperícia da BHP, e identificou provas “esmagadoras”, anteriores ao colapso, de que a barragem era instável e de que o risco de liquefação e ruptura era previsível e poderia ter sido evitado.

Com base nos depoimentos e provas analisadas, a corte reconheceu que a BHP tinha conhecimento de graves defeitos e de claros sinais de alerta desde, pelo menos, agosto de 2014, mas não adotou medidas corretivas adequadas; em vez disso, continuou a elevar a barragem, o que resultou no colapso.

A sentença confirmou ainda que todos os clientes da Ação da Inglaterra pleitearam judicialmente seus direitos dentro do prazo e que 31 municípios brasileiros que fazem parte do processo têm legitimidade para prosseguir com suas ações na Inglaterra.

A ação segue agora para a etapa de avaliação dos danos. Uma Audiência de Gerenciamento do caso foi marcada para os dias 17 e 18 de dezembro de 2025, e o julgamento da fase 2 – que vai determinar a extensão dos danos causados às vítimas e valores de indenização – está previsto para outubro de 2026.

Ver mais reportagens relacionadas

Inscreva-se no nosso canal de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.

Juliano revela pressão para desistir da Ação da Inglaterra

Juliano Duarte revelou ter sofrido forte pressão para desistir da Ação da Inglaterra
Juliano Duarte revelou ter sofrido forte pressão para desistir da Ação da Inglaterra – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Primeiro a se pronunciar no evento, o prefeito Juliano Duarte fez uma rápida retrospectiva da origem e tramitação da ação da Inglaterra, proposta há aproximadamente oito anos, durante a gestão do ex-prefeito Duarte Júnior, ressaltando os impactos da tragédia-crime em Mariana e reforçando suas críticas à repactuação estabelecida no Brasil, em 2024, no chamado Acordo de Mariana, especialmente em relação à consideração de injustiça na distribuição dos recursos. “O governo federal ficou com aproximadamente R$50 bilhões, o governo do Estado de Minas aproximadamente R$27 bilhões, e para os municípios, para a população, a gente está falando de um valor que não chega a 4% do acordo. Para Mariana, que foi o epicentro da tragédia, tragédia não, crime, eles querem nos oferecer menos de 1% do acordo, e ainda querem nos pagar em 20 anos”, declarou.

Em relação à não adesão à repactuação, Juliano Duarte revelou ter sido fortemente pressionado a assinar, mas se recusou para defender os interesses da população. “Eu, enquanto Prefeito Municipal, eu tinha toda a autonomia e legitimidade de assinar a repactuação no Brasil. Confesso para os senhores e para as senhoras que fui muito pressionado a assinar, por várias pessoas, mas não assinei, porque eu estou aqui para defender o interesse da população. E confesso para vocês que não foi fácil tomar essa decisão, porque foi muita pressão, mas hoje eu tenho a certeza que nós tivemos a melhor decisão, e a decisão correta porque, pela primeira vez na história, a BHP foi considerada culpada pelo rompimento da barragem de Fundão”.

*** Continua depois da publicidade ***

Sócio da Pogust Goodhead detalha decisão

Segundo participante da mesa a se manifestar, o advogado Guy Robson, em longa fala com a participação de uma intérprete, enfatizou a importância da decisão da juíza inglesa Finola O’Farrell na ação da Inglaterra para os afetados, detalhando como vai se dar o prosseguimento da ação para a fase de quantificação dos danos.

Inicialmente, o sócio do escritório inglês de advocacia enumerou os pontos-chave da decisão da Corte Inglesa, nessa primeira fase:

  • Responsabilidade da BHP: A corte inglesa, aplicando o direito brasileiro, reconheceu a BHP como responsável pelo rompimento da barragem, que poderia ter sido prevenido;
  • Responsabilidade de BHP e Vale: A juíza concluiu que a BHP e a Vale eram as “mentes” por trás das ações da Samarco e sabiam dos problemas da barragem antes do rompimento, tornando o ocorrido previsível;
  • Rejeição da Prescrição: O argumento da BHP de que o caso estava prescrito foi rejeitado, garantindo a validade de todos os pedidos;
  • Legitimidade dos Municípios: A corte confirmou que municípios como Mariana têm legitimidade para mover ações na Inglaterra;
  • Aplicação do Direito Brasileiro: A decisão foi baseada na aplicação das leis brasileiras e em pareceres de especialistas jurídicos brasileiros; e
  • Quitações Individuais: As quitações concedidas no Brasil não excluem automaticamente os indivíduos da ação inglesa; cada caso será analisado individualmente.
O advogado Guy Robson, da Pogust Goodhead, desculpou-se por não ser fluente em português
O advogado Guy Robson, da Pogust Goodhead, desculpou-se por não ser fluente em português – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

No prosseguimento, apresentou informações relacionadas aos próximos passos e aos desafios a serem enfrentados, já que a BHP deve apelar, mas a autorização para recurso na Inglaterra é improvável, dada a profundidade da análise da juíza, que resultou em uma sentença de 222 páginas. Caso a apelação não seja autorizada, entende Guy Robson, a BHP pode tentar um recurso direto à corte de apelação sobre pontos específicos, o que é extremamente mais difícil em termos dos procedimentos e protocolos legais existentes na Inglaterra.

Assim sendo, uma audiência de organização do processo, agendada para dezembro, vai definir a resposta da juíza sobre a apelação e o calendário para a segunda fase do julgamento, focada na dimensão e quantificação dos danos causados a municípios, indivíduos, comunidades, empresas e instituições religiosas.

Considerando que a ação é proposta pelo Pogust Goodhead em nome de mais de 600 mil clientes, o procedimento vai ser o de selecionar clientes-teste para representar a variedade de danos. A equipe jurídica propõe que o número de casos representativos seja estabelecido entre 24 e 25 atingidos, enquanto a BHP pode propor mais, visando prolongar o processo e desgastar os requerentes. devido à importância dessa fase, o advogado inglês fez um apelo para que os clientes forneçam informações e provas detalhadas sobre os danos sofridos para fortalecer a base de dados e garantir um resultado positivo ou um bom acordo.

Falando sobre as expectativas de sentenças substancialmente satisfatórias aos requerentes, Guy Robson revelou que a BHP está sob imensa pressão de investidores, que questionam os anos e recursos investidos no Brasil sem evitar a derrota na Inglaterra. Apesar disso, preferiu não se estender sobre a possibilidade de acordo ou de qualquer outra declaração mais contundente, tendo em vista o caráter público do evento e a necessidade de cautela nessa fase do processo.

Ao finalizar sua participação no encontro, Guy Robson desmentiu a ideia de que a Ação da Inglaterra seja um ato colonialista. Ele explica que foram os próprios brasileiros que buscaram a justiça inglesa, aplicando a lei brasileira, contra uma empresa parcialmente sediada na Inglaterra. Também expressou sua gratidão pela confiança depositada nele e em seus colegas advogados do Pogust Goodhead, bem como um forte senso de propósito, incentivando a colaboração contínua dos clientes para a vitória final, confiante de que a decisão atual será mantida e vai abrir caminho para a justa reparação dos danos.

*** Continua depois da publicidade ***

Outras manifestações

O evento contou, na sequência, com manifestações de Felipe Hotta, o representante do escritório Hotta Advogados e dos advogados coordenadores da Ação da Inglaterra, Cíntia Ribeiro de Freitas e Bernardo Campomizzi Machado.

Obviamente que todos os demais clientes ao longo da bacia, todos atingidos, também tem a sua parcela de contribuição, mas a ação chama Caso Inglês Mariana, município de Mariana contra BHP. Nós temos uma simbologia muito especial e muito diferenciada e isso nós devemos aos políticos que estiveram à frente e tomaram essa decisão quando era necessário”, destacou o advogado marianense, estendendo os agradecimentos aos advogados ingleses que também confiaram no caso e mostraram a Ação da Inglaterra era possível.

Bernardo Campomizzi Machado é um dos advogados coordenadores, no Brasil, da Ação da Inglaterra
Bernardo Campomizzi Machado é um dos advogados coordenadores, no Brasil, da Ação da Inglaterra – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Hoje é um momento de celebração, como eu disse, histórico, mas também a gente tem que tratar com a devida seriedade. Porque, a partir de agora, nós vamos colher o fruto que nós plantamos há 7, 8 anos atrás”, enfatizou Bernardo, declarando que “Mariana está servindo de exemplo, e nós temos que ter esse orgulho de que nós chegamos até aqui e tomara que a gente mude o rumo da história”, finalizou.

Compondo a mesa de honra do encontro, discursaram ainda o vereador Roberto Cota (AVANTE),representando a Câmara Municipal; Mauro Silva e Mônica dos santos, representando os atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, Letícia Oliveira, representando o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Robson Moreira, prefeito da cidade de Naque (MG), localizada na Bacia do Rio Doce; José Roberto Gariff, presidente do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce); e Duarte Júnior, ex-prefeito de Mariana, seguido por alguns esclarecimentos adicionais de Guy Robson.

Foto de Luiz Loureiro
Luiz Loureiro é jornalista graduado pela UFOP, fundador, sócio proprietário e editor chefe da Agência Primaz de Comunicação.