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Hoje é terça-feira, 25 de novembro de 2025

Visita e audiência buscam resolver problemas crônicos da cidade alta

Situação precária da Escola Estadual João Ramos Filho e medo do despejo em ocupações foram os principais temas em discussão na última segunda (24)

Ocupação
A Comissão de Defesa da Habitação e da Reforma Urbana sobe a Cidade Alta em Mariana em visita técnica para reaver questões urgentes de emergência habitacional e educacional. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

Nesta segunda-feira (24), a Comissão de Defesa da Habitação e da Reforma Urbana, presidida pelo deputado estadual Leleco Pimentel (PT), com apoio do deputado Federal Padre João (PT) pisou no bairro Cabanas para olhar de perto uma ferida antiga de Mariana: a precariedade estrutural da Escola Estadual João Ramos Filho e a iminência de despejo que assombra parte dos moradores da região. A visita técnica e a audiência pública marcada para a mesma noite, abriu, sem rodeios, um diagnóstico duro: a evidente emergência habitacional vivida em Mariana que coexiste com uma emergência educacional já instalada.

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A Escola Estadual João Ramos Filho, no Bairro Cabanas, tornou-se o centro das atenções de parlamentares, comunidade e lideranças locais no início do evento. A visita técnica, realizada às 15h a convite do deputado estadual Leleco Pimentel, tinha um objetivo simples e urgente: encarar de perto a precariedade da única escola de ensino médio da região, instalada há dez anos em um prédio alugado, inadequado e que já não comporta a força crescente de uma comunidade que luta para permanecer onde vive.

O próprio bairro, marcado recentemente pela ameaça de remoções, foi responsável por trazer a escola para o território. “Foi uma solicitação dos moradores, porque não tínhamos ensino médio aqui”, relembra a diretora Cíntia. Na época, a solução possível foi alugar o prédio da Fundação Marianense de Educação. Começaram com três turmas: uma de cada série. Em uma década, tornaram-se referência. Hoje são vinte turmas do ensino regular, uma do técnico, e um total de 510 alunos.

Escola do cabanas, que tem ocupação
A escola acolhe hoje, cerca de 510 alunos, sendo o polo que une a comunidade. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

Um prédio que não comporta a educação

Enquanto percorriam salas improvisadas, divisórias frágeis e espaços comprimidos, os parlamentares constataram o que educadores e moradores repetem há anos: a estrutura ameaça a continuidade da escola. A cada temporal, surge o temor de que o prédio não suporte. A cada dia quente, as três salas improvisadas no piso superior se tornam, nas palavras da diretora, “quentes como o deserto do Saara”.

Sala da escola no cabanas, onde tem as ocupações
Durante a visita, os alunos reclamaram das estruturas das salas improvisadas no piso superior da escola. “Não dá, aqui fica quente demais”, afirmou um dos estudantes. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

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“Está claro para todo mundo que é um prédio inadequado para 510 alunos”, afirma Cíntia. A inadequação, porém, não é apenas física, é também legal. Por ser um imóvel de terceiros, nenhum recurso estadual, incluindo emendas parlamentares, pode ser investido em reformas estruturais. A única exceção recente foi a troca do telhado. Todo o resto é impossível: quadra coberta, ampliação, climatização adequada, espaços de convivência. “É loucura pensar em grandes investimentos aqui”, reconhece o próprio Leleco.

Leleco nas ocupações
“A escola é prioridade e responsabilidade do estado”, afirmou Leleco como resposta ao aluguel de uma escola estadual. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

O deputado reforça ainda que Mariana acumula um dos “maiores passivos habitacionais de Minas” e que, sem políticas públicas claras, o risco é que bairros como o Cabanas sofram um duplo abandono, da moradia e da educação. No caso da escola, a equação é simples: se a estrutura ruir, a comunidade perde um dos principais pilares de sua permanência. A educação e o direito ao território estão imbricados.

Uma escola que é da comunidade

A força do João Ramos Filho, apesar de tudo, é a própria comunidade. A diretora Cíntia e o vice Joel, fazem questão de lembrar disso. “Somos da comunidade. Meu filho vai estudar aqui ano que vem. A gente confia nos nossos professores”, diz Mayara. Joel completa: “O maior problema hoje é estrutural. As salas são reduzidas. Se chover, não dá. Com o crescimento do bairro, vamos chegar num ponto em que não conseguiremos mais atender à demanda.”

Entre improvisos, na biblioteca, na despensa, nas salas divididas por painéis  há também gestos de pertencimento. Meninos que pegam a chave do portão na casa da diretora para usar a quadra. Famílias que se reúnem no pátio aos sábados. Eventos comunitários que transformam o espaço escolar em centro cultural. A escola cumpre, simultaneamente, as funções de ensino, lazer, convivência, acolhimento e afirmação territorial. “É questão de dignidade. Para os alunos e para a comunidade”, resume Joel.

A promessa de uma sede própria

Há anos, a comunidade espera pelo desfecho de um processo que parece sempre prestes a acontecer, mas nunca se concretiza. O primeiro terreno desapropriado pelo município e doado simbolicamente ao Estado, não avançou por falta de documentação e trâmites com a Câmara. Agora, segundo a diretora, o prefeito afirma ter desapropriado outro terreno, a cerca de 300 metros da escola atual. Falta a documentação seguir ao Legislativo para, enfim, o Estado iniciar o pedido formal e acessar os recursos da repactuação para construir a nova sede.

Uma visita técnica recente indicou que, com planejamento, a nova escola poderia ser erguida em sete meses. Mas entre a previsão e a realidade, há uma burocracia que segue atrasando o futuro de 510 estudantes.

Da emergência educacional à emergência habitacional

Ocupação vila serrinha
Segundo o líder comunitário Paulo Tanure, o número de pessoas que residem nas ocupações ultrapassa a marca de 11 mil. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

A visita técnica partiu então para as ocupações da cidade alta. A comissão percorreu áreas como Santa Rita, Vila Serrinha, Vila Renascer e Santa Clara para mapear precariedades e preparar a audiência pública marcada para a noite. Liderada pelo morador Paulo Tanure, a comitiva foi composta também pelos deputados estaduais Leleco Pimentel e Padre João, pelo secretário da recém-criada Secretaria de Habitação, Tenente Freitas, pelo advogado urbanista Thiago Naves, consultores da Assembleia Legislativa, repórteres e lideranças locais, como Renato Mesquita. O objetivo central é garantir a permanência das famílias por meio de regularização fundiária e urbanização, assegurando condições mínimas de moradia digna.

Ao longo do percurso, os moradores apresentaram a infraestrutura improvisada que sustenta parte das ocupações. Paulo Tanure mostrou trechos onde o calçamento e serviços básicos foram instalados pela própria comunidade. “Esse calçamento aqui nós fizemos com nossas próprias mãos”, disse, explicando que algumas casas têm documento, outras não, e que o avanço das melhorias foi interrompido após impedimento municipal. A expansão irregular, sobretudo em áreas do entorno do Parque Estadual do Itacolomi, convive com abastecimento de água por gravidade, falta de saneamento, iluminação precária e acesso difícil às vias principais.

Paulo Tanure aproveitou a visita técnica para explicitar a ausência de vias e de transporte públicos para os moradores da região. -Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

Outro ponto apresentado à comissão foi o conflito fundiário que envolve grandes porções das áreas visitadas, atribuídas ao proprietário Roberto, que, segundo Freitas,  não demonstra disposição para negociar a regularização. “Mas é preciso que ele (Roberto Rodrigues) tenha um pouco mais de boa vontade, porque nós sabemos que ele é o dono do terreno. O que aconteceu no passado nós não podemos reverter, infelizmente o município deu pra família dele o terreno e, hoje, ele é o dono. Então, acho que hoje a gente precisa sentar e ele tem que ter a boa vontade de contribuir. Não com o prefeito atual, mas com as pessoas que moram aqui, que realmente precisam e necessitam de uma casa própria ne”, afirmou o secretário de habitação.

A população local defende ainda um novo cadastramento, preferencialmente com base em dados recentes da UBS, já que o número real de habitantes é superior ao registrado em ações judiciais, estimado informalmente em mais de 11 mil pessoas. A atualização seria essencial para destravar processos como a REURB e orientar obras previstas em programas federais, incluindo intervenções em áreas de encosta via PAC, consideradas fundamentais para evitar remoções.

Em Santa Rita, a comissão ouviu relatos sobre o risco associado a um paredão rochoso que ameaça parte das moradias. Laudos já confirmaram a possibilidade de desprendimento, e moradores cobram informações sobre uma obra de contenção que, segundo boatos, incluiria a instalação de telas reforçadas. Além do perigo geológico, a comunidade enfrenta desperdício de água, falhas de infraestrutura e incertezas sobre prazos e responsabilidades. 

Nós vimos uma situação precária: escola, equipamentos públicos, vias, mobilidade urbana, saneamento e a questão ambiental. Temos aqui uma emergência – Leleco Pimentel, Deputado Estadual

Paredão nas ocupações
Paredão rochoso se torna risco às moradias nas ocupações. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

Em meio às discussões, os moradores também denunciaram contradições na atuação da própria prefeitura sobre áreas ocupadas. Paulo Tanure relatou que o poder público teria instalado serviços e até equipamentos em terrenos irregulares: “A prefeitura ocupa as áreas e vende, doa elas”, afirmou, citando um conjunto de quatro prédios de cinco andares que abrigam dezenas de famílias em área originalmente comprada para outra finalidade.

O clima político também atravessou os relatos. Tanto Paulo Tanure quanto Renato criticaram a postura do prefeito Juliano Duarte, a quem atribuem discursos de apoio feitos em conversas privadas, mas nenhuma manifestação pública em defesa das famílias. 

Ele fala pra gente que ‘enquanto a caneta estiver na minha mão, nenhuma casa vai ser derrubada’, mas não vai às redes sociais dizer que está preocupado com isso, não fala com seu público – Paulo Tanure, representante dos moradores 

A visita terminou com o compromisso da comissão de levar as demandas para a audiência pública, buscando caminhos que impeçam remoções e consolidem políticas habitacionais capazes de enfrentar a realidade complexa e crescente das ocupações em Mariana.

deputados nas ocupações
Leleco Pimental e Padre João se unem pelas ocupações. - Foto: Joyce Campolina/Agência Primaz

Audiência pública busca solução definitiva para as ocupações

Às 19h, Mariana sediou uma audiência pública, realizada na Escola Municipal José Cota. O evento, também convocado pelo Deputado Estadual Leleco Pimentel (PT) (Comissão Extraordinária de Defesa da Habitação e da Reforma Urbana), visou debater a grave situação habitacional do município, marcada por diversas ações de reintegração de posse que ameaçam milhares de famílias em áreas de ocupação. A preocupação da cidade ficou evidente pela grande participação popular, com cerca de 1.500 moradores presentes na quadra da escola.

Em uma quadra lotada, moradores se reuniram para buscar uma solução definitiva para as ocupações da cidade alta - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O problema em questão afeta cerca de 11 mil pessoas, com mais de 3 mil famílias correndo o risco de terem suas casas demolidas por decisão judicial. As famílias das ocupações, como a Vila Serrinha, Cristo, Santa Clara, Santa Rita de Cássia e Renascer, vivem sob o medo constante da remoção e demolição, com o julgamento da primeira ação de despejo e demolição marcada para 1º de dezembro.

Para a audiência, foram convocados diversos atores, dos poderes executivo, legislativo e judiciário das esferas municipal, estadual e federal, bem como representantes de moradores e da Companhia Mina da Passagem, proprietária das terras ocupadas pelas famílias. Marcada pelo diálogo e pela pluralidade de vozes, a audiência teve como objetivo encontrar alternativas para solucionar o grave problema das ocupações da cidade alta.

O alerta do judiciário e o posicionamento das autoridades

Logo no início da audiência, o deputado Leleco Pimentel fez questão de fazer uma defesa dos moradores ao defender que não havia ali nenhuma invasão, mas ocupações, pois, segundo Leleco, trata-se de uma população trabalhadora que unicamente busca defender seu direito constitucional à moradia e não de bandidos.

Um dos pontos centrais de tensão na audiência pública foi exatamente esse choque entre o direito constitucional à propriedade e o direito igualmente fundamental à moradia, com a subsequente discussão sobre a função social da terra.

Para o Desembargador Osvaldo Oliveira Araújo Firmo, as famílias não devem ficar tranquilas, pois há o risco de perderem suas casas - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Desembargador Osvaldo Oliveira Araújo Firmo, representante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e da Comissão de Conflitos Fundiários, fez um alerta direto à população, frisando que o Judiciário deve decidir com serenidade, independentemente da pressão popular, respeitando o direito legalmente estabelecido.

O magistrado enfatizou que Mariana possui registros oficiais de donos para cada pedaço de terra e que, ao ocupar um imóvel sem escritura, o morador permite que o proprietário o acione por invasão. O Desembargador deixou claro o objeto da disputa: “Vocês estão litigando com a companhia Mina da Passagem”. Ele ressaltou a dificuldade jurídica, afirmando que a comissão presente não tem influência sobre o juiz que decidirá a causa e que, embora a moradia seja um direito constitucional, o juiz decidirá dentro da lei, que prestigia o direito da propriedade.

O Desembargador ainda fez uma fala marcada pela franqueza, alertando os presentes a não se iludirem: “Não saiam iludidos desta reunião achando que a questão de vocês está resolvida, não está?” e pela defesa ao direito à propriedade.

Em resposta direta a essa perspectiva, as lideranças políticas defenderam que o direito à propriedade não é absoluto, conforme o princípio constitucional: 

O Deputado Federal Padre João defendeu o cumprimento da função social da terra - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

A propriedade, ela tem que cumprir a função social. Então, se essas propriedades tivessem cumprindo a função social, ela não teria sido ocupada por esses cidadãos — Deputado Federal Padre João (PT)

O Deputado Leleco Pimentel (presidente da Comissão de Habitação da ALMG) endossou o argumento de Padre João reafirmando a prioridade social da luta: “Eu vou reafirmar que antes do direito da propriedade, nós estamos aqui pelo direito da moradia.”

O advogado especialista em Direito Urbanístico, Dr. Thiago Flávio Guerra Naves, reforçou a crítica ao sistema que gerou o conflito, apontando a “especulação imobiliária” como a causa-raiz que torna a cidade excludente e empurra a população para a periferia. Ele resumiu a posição dos movimentos sociais com uma frase emblemática: 

Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito — Dr. Thiago Flávio Guerra Naves, Advogado especialista em Direito Urbanístico

Ocupar por necessidade

Para os moradores, a ocupação não é uma escolha política, mas uma consequência da falha do Estado e da inviabilidade econômica de se ter um lote regularizado. José Maximiliano Da Cruz Filho (Max), representante dos moradores da Cidade Alta, questionou a moralidade das ações de despejo diante da falta de opção:

Nós não somos criminosos, vou sair pra trabalhar daqui a pouco, mas me mostra qual outra opção eu tinha? — José Maximiliano Da Cruz Filho (Max), representante dos moradores

Ele também destacou que a ausência de política habitacional há mais de 25 anos fez com que a ocupação se tornasse a “política habitacional da cidade”.

Moradora Fabia Maria aponta para Roberto Rodrigues e faz cobranças
A moradora Fabia Maria, da Serrinha, confrontou o proprietário das terras em disputa e ex-prefeito de Mariana, Roberto Rodrigues - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

A moradora Fabia Maria, da Serrinha, confrontou o proprietário das terras em disputa e ex-prefeito de Mariana, Roberto Rodrigues – Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

A moradora Fábia Maria, da Serrinha, confrontou diretamente o representante do proprietário sobre a dignidade do trabalho e a incerteza da remoção: “Você tem capacidade de deitar no travesseiro e saber o que você está causando para nós que somos mães… 

Eu tive que fazer faxina, faxina por faxina para comprar os tijolo que eu fiz na minha casa. Agora você acha justo? — Fábia Maria, moradora da Serrinha

Ela argumenta que o povo está lá por necessidade, pois “nós não temos dignidade de morar numa casa”.

Diante da iminência de ações judiciais de demolição, a mobilização popular se tornou o único baluarte contra o direito de propriedade exercido sem cumprir sua função social. Max insistiu na necessidade de organização:

Se o povo não tiver resistência, dia primeiro de dezembro agora tem o julgamento da primeira ação de despejo […] Nós precisamos resistir a qualquer decisão que vier dessa ação — José Maximiliano Da Cruz Filho (Max), representante dos moradores

Para Max, a audiência tem um atraso de pelo menos 15 anos - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Para Max, a audiência tem um atraso de pelo menos 15 anos – Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Vereador Preto do Cabanas (que liderou a busca por soluções na Câmara) também reforçou a falha do Estado na criação de políticas públicas. Ele assegurou que a prefeitura se comprometeu a não permitir demolições sem oferecer uma condição melhor às famílias: “o prefeito fez esse compromisso também de não permitir que seja tirada nenhuma casa sem que se dê uma condição melhor para […] as pessoas”. Ele ainda garantiu: “o que depender de mim, da Câmara Municipal de Mariana, vocês podem ter certeza que não será derrubado nenhuma casa”.

Já a Defensoria Pública, por meio de Luiz Carlos Santana Delazzari, reafirmou o apoio aos moradores, cuja defesa é sua “missão constitucional”.

O Confronto sobre a Incompetência Administrativa

A discussão sobre a responsabilidade pelo crescimento desordenado das ocupações e a ausência de políticas habitacionais foi um dos pontos de maior tensão e troca de acusações durante a audiência pública, centrando-se principalmente nas falhas históricas da gestão municipal.

Deyvson Ribeiro, ex-vereador e liderança comunitária do bairro Santana, foi incisivo ao responsabilizar diretamente as sucessivas administrações municipais pela crise habitacional. Ele manifestou sua “indignação” com todos os prefeitos de Mariana, desde João Ramos até o momento.

O ex-vereador Deyvson Ribeiro aproveitou a audiência para culpar ex-prefeitos pela situação das ocupações - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Segundo Deyvson, a raiz do problema reside na falta de compromisso: “Porque nenhum prefeito se preocupou em arrumar uma casa digna para cada um de vocês morarem”. Ele argumentou que, se houvesse um prefeito com responsabilidade social que tivesse desapropriado terras e construído um bairro digno, “Ninguém de vocês estaria aqui hoje preocupado no que vai acontecer amanhã”. Em sua visão, a falha é de gestão, não de política: “São prefeitos que sentam na cadeira de Mariana para fazer politicagem porca e não fazer gestão que o povo realmente precisa”, afirmou.

Deyvson atribuiu as condições precárias de vida nas ocupações, como a falta de saneamento básico e água tratada à negligência dos gestores: “A Pior coisa do mundo é que vocês vivem hoje, infelizmente, por incompetência dos prefeitos que sentou na cadeira de Mariana após João Ramos”.

A Defesa de Duarte Júnior

O ex-prefeito Duarte Júnior (que ocupou o cargo de prefeito municipal em quase seis dos últimos dez anos e irmão do atual mandatário, Juliano Duarte), buscou rebater as críticas e defender o legado de sua gestão e a atuação do Executivo.

Duarte Júnior inicialmente tentou desmobilizar o senso de pânico, garantindo que não há um risco iminente de despejo para todas as 11 mil pessoas: “Não pode trazer pânico para dentro da cidade e falar: ‘São 11 mil famílias que vão perder sua residência.’ Não existe”. Ele fez questão de esclarecer os ritos processuais, informando que o processo é “caso a caso” e que o morador tem direito à ampla defesa.

Em resposta à crítica sobre a inação do Executivo, Duarte Júnior mencionou projetos específicos de seu mandato: Ele defendeu que comprou o terreno para a construção de casas e que deixou “em caixa 12 milhões na prefeitura para terminar o loteamento” e fazer toda a infraestrutura necessária.

Ex-prefeito Duarte Júnior durante audiência
Duarte Júnior defendeu seu legado e afirmou que seu governo foi muito prejudicado com a baixa arrecadação pós rompimento da Barragem de Fundão - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Ele também se defendeu sobre a questão da Pedreira (no bairro Cabanas), que tem risco de rompimento, explicando que o projeto para colocar telas foi uma iniciativa sua diante do risco: “O projeto quem fez a época fui eu. Por quê? Porque eu tinha na mão o risco de uma pedreira cair na cabeça das pessoas”.

Por fim, Duarte Júnior jogou a responsabilidade para os críticos, afirmando: “Criticar é fácil, mas assumir responsabilidades é importante”. Ele assegurou que o atual prefeito, Juliano Duarte, tem o “interesse social” de resolver a situação.

O consenso da culpa histórica do Estado

Além do debate entre Deyvson e Duarte Júnior, houve um consenso geral de que a responsabilidade não era apenas de um único indivíduo ou mandato, mas da falência do Estado em diferentes níveis por décadas.

Roberto Rodrigues, ex-prefeito de Mariana e dono da Companhia Mina da Passagem (a quem os moradores estão litigando), isentou os moradores de serem a causa, classificando-os como “as vítimas do descaso do estado”. Ele foi categórico ao apontar a responsabilidade de todos os poderes: “Mariana é uma cidade rica, que não tem política pública de moradia há 20 anos. Essa é a consequência… Vocês são o Estado (apontou para a mesa com autoridades). Assembleia, o judiciário, câmara, vocês são o Estado. Vocês são responsáveis por isso”.

Proprietário das terras alvo de litígio e ex-prefeito de Mariana, Roberto Rodrigues diz que a responsabilidade de resolver o problema é do Estado - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Vereador Preto do Cabanas concordou, admitindo a responsabilidade compartilhada: “a falha do estado, a falha do da política, a falha do legislativo, a falha do do executivo e do judiciário que também tem que agir nesses momentos”.

O Secretário Municipal de Habitação, Tenente Freitas, confirmou que o problema é histórico e que as administrações passadas venderam “uma mentira para toda a população” sobre a possibilidade de acesso ao programa Minha Casa, Minha Vida, segundo Freitas, o município nunca esteve sequer próximo de acessar o programa federal, pois nunca buscou cumprir os pré-requisitos para a instalação do Minha Casa Minha Vida.

O papel das mineradoras

Na crise habitacional de Mariana, um ponto de intensa acusação foi sobre o papel das mineradoras nesse processo, visto que a tragédia social e o aumento dos despejos são indissociáveis do impacto dessa indústria sobre a cidade. O crescimento populacional e a dependência da mineração, agravados pelo rompimento da Barragem de Fundão em 2015, resultaram na elevação do preço de terrenos e aluguéis. 

Essa especulação imobiliária levou aluguéis acessíveis a “dobrar de valor”, forçando trabalhadores a construir em áreas irregulares. O Secretário Municipal de Habitação, Tenente Freitas, exemplificou as consequências diretas do rompimento, que fez com que famílias de baixa renda fossem expulsas de suas casas por não conseguirem competir com os novos preços de aluguel inflacionados.

A audiência pública é uma esperança para a solução definitiva dos problemas das ocupações - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O vereador Ítalo de Magelinha criticou a ausência dessas empresas na busca por soluções, mesmo sendo elas as que “sugam o seu a sua força de trabalho” (já que a maioria dos moradores em ocupações são trabalhadores do setor). O representante dos moradores, Max, questionou: “Tudo ao redor, a maioria das terras aqui em volta é de mineradora. Cadê o espaço do poder público da prefeitura para entrar?”. 

Max enfatizou ainda que os moradores são a “engrenagem da mineração”, mas têm seus direitos de moradia ignorados. Em meio a esse cenário, o Secretário Freitas defendeu que os recursos da Repactuação do acordo de Mariana sejam utilizados para adquirir terrenos ou financiar a regularização, já que a crise foi causada em grande parte pelo rompimento da Barragem de Fundão.

Caminhos e soluções apontadas

O Secretário Municipal de Habitação, Tenente Freitas, representando o Executivo, reconheceu que o problema é histórico e que é “impossível” para a maioria da população conseguir comprar um lote legalizado em Mariana. Ele confirmou que a Prefeitura está retomando a missão do REURB (Regularização Fundiária Urbana).

A proposta de solução mais forte que emergiu foi a utilização da REURB e a destinação de recursos da Repactuação (do acordo da Samarco) para a urbanização e infraestrutura das áreas de ocupação. Freitas revelou que a cidade agora está apta a receber o programa Minha Casa, Minha Vida (urbano e rural), embora esse programa não resolva o problema imediato das ocupações já estabelecidas.

Já o representante da Mina da Passagem, Roberto Rodrigues, apresentou uma proposta baseada, segundo ele, em portaria do Ministério das Cidades para a resolução de ocupações. Até o momento não tivemos acesso aos detalhes da proposta.

Um problema histórico de negligência e especulação

A crise de moradia não é recente, sendo consequência de uma ausência de política pública de habitação em Mariana por mais de duas décadas. O aumento da população, a dependência da mineração e, sobretudo, o rompimento da Barragem de Fundão (2015), causaram uma alta nos preços de aluguéis, empurrando a população de baixa renda para áreas irregulares.

O representante dos moradores das ocupações da Cidade Alta, Max, embora considere a audiência “boa”, afirma que ela está atrasada em “uns 15 anos”. Max ressaltou que a presença do povo é fundamental para a resistência: “Se o povo não tiver resistência, dia primeiro de dezembro agora tem o julgamento da primeira ação de despejo […] Nós precisamos resistir a qualquer decisão que vier dessa ação”, disse.

No fim da audiência, Max reiterou que a mobilização popular é a chave para a solução: “O povo precisa entender, que se a gente não tiver uma mobilização popular, que pressione o governo ou que reivindique o direito de habitação, nós nunca vamos ter uma solução”.

Para Leleco Pimentel os moradores devem dormir tranquilos, pois o diálogo trará uma solução definitiva para as famílias - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Em sua avaliação pós-audiência, o Deputado Leleco, presidente da sessão, destacou que o encontro resultou em um “concerto” de forças, incluindo Ministério Público, Defensoria Pública e o Judiciário. Ele enviou uma mensagem de tranquilidade à população: 

“Não tem que dormir com esse pesadelo da reintegração de posse, porque existe hoje um diálogo com todas as forças.” — Deputado Leleco Pimentel (PT)

Moradores como Jordana Karolyne Cassemiro dos Anjos, da Vila Serrinha, expressaram o desespero de viver sob ameaça. Quando questionada sobre a vida na ocupação, ela disse: “viver com o medo de que alguém vai derrubar a casa da gente. É desespero, né?”. Jordana manifestou a esperança trazida pela audiência, mas também propôs uma solução de regularização e compensação: “se o prefeito regularizasse isso daí, mesmo que a gente pagasse um valor, a prefeitura pagasse um valor pro dono, como se diz, né, dessas terras, já seria muito bom”.

Encaminhamentos concretos e Grupo de Trabalho

A audiência culminou na formalização de diversos requerimentos e na criação de um Grupo de Trabalho para garantir a continuidade da busca por soluções.

A promotora Clarisse Perez do Nascimento afirmou que uma nova promotora será designada para integrar o grupo de trabalho como representante do MPMG - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Os encaminhamentos formais da Assembleia Legislativa de Minas Gerais incluíram:

  1. Criação de um Grupo de Trabalho: Coordenado pela Defensoria Pública (com a participação do MPMG, Prefeitura, e associações de moradores de Serrinha, Santa Clara, Santa Rita, Cristo e Renascer) para o acompanhamento da Regularização Fundiária das ocupações.
  2. Uso dos Recursos da Repactuação: Pedido ao Presidente da República e ao Ministério das Cidades para que os recursos oriundos da Repactuação do acordo de Mariana sejam utilizados pelo Executivo Estadual e Municipal para a regularização fundiária e urbanização das áreas de ocupação.
  3. Implementação do Minha Casa, Minha Vida: Pedido ao Ministério das Cidades e à Caixa Econômica Federal para a implantação do programa no município, visando aliviar o déficit habitacional e a pressão sobre os aluguéis.

O Deputado Leleco Pimentel encerrou a reunião reforçando a importância da organização popular, usando o lema das ocupações: “ocupar, resistir, construir”. Ele concluiu que o esforço não pode ser frustrado, pois a audiência foi um passo fundamental nessa organização conjunta.

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Joyce Campolina é graduanda em Jornalismo pela UFOP, apaixonada por Jornalismo Cultural e Político, fotojornalismo, audiovisual e por contar histórias que precisam ser ouvidas
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Lui Pereira é jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Um cronista do cotidiano marianense.