Notícias de Mariana

Hoje é quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Da Amazônia ao Rio Doce: Ufop leva alerta a COP 30 

Professora da Ufop Deborah Kelly e o artista Marcelino Xibil apresentam na ONU como os desastres de Mariana e Maceió revelam racismo ambiental e a urgência de justiça climática

deborah kelly na cop 30
Professora Deborah Kelly e artista mineiro Marcelino Xibil conduzem a exposição, que combina mostra teórica e artística. - Foto: Debora Kelly

Pela primeira vez na história, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) acontece na Amazônia. E, neste cenário onde lideranças globais disputam cada palavra e cada meta para conter o colapso climático, uma dupla mineira leva à cúpula um recado direto: os desastres ambientais do Brasil não são apenas tragédias locais, são alertas globais sobre injustiça, racismo ambiental e o custo humano de um modelo econômico baseado no extrativismo.

*** Continua depois da publicidade ***
***

Representando a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), a professora Deborah Kelly Nascimento Pessoa e o artista Marcelino Xibil apresentaram no último dia 18, no pavilhão Ciclo dos Povos, o painel “Justiça Climática e Mineração: Diálogos sobre os casos Samarco (Mariana-MG) e Braskem (Maceió-AL)”. A atividade une teoria, arte e memória para mostrar como dois dos maiores crimes socioambientais recentes do país escancaram a vulnerabilidade de populações negligenciadas pelo Estado e pelo mercado.

Da lama ao sal-gema: a trajetória de quem viveu os dois desastres

A fala de Deborah nasce da vida. Natural de Maceió, ela cresceu em uma das regiões que viria a ser destruída pela extração de sal-gema da Braskem, um processo industrial que provocou instabilidade no solo, levou à evacuação de mais de 14 mil imóveis e impactou cerca de 60 mil pessoas. Uma cidade soterrada pela ausência de planejamento, negligência e interesses econômicos.

Anos depois, já professora da UFOP, em Mariana, ela testemunhou de perto outro colapso: o rompimento da Barragem de Fundão, em 2015, que matou 19 pessoas e devastou o Rio Doce. “É muito triste ver a história se repetindo, o script se repetindo do ponto de vista do comportamento empresarial em relação a esses casos e negarem a importância de refletir sobre essas questões em relação ao alcance que isso tem na vida das pessoas atingidas“, relata a professora.

Deborah na cop 30
“A sensação é de injustiça, como se vc sentisse a injustiça na pele", relata Deborah sobre os desastres de Mariana, Brumadinho e Maceió. - Foto: Deborah Kelly
Deborah Kelly e seu painel de maceió na COP 30
"Em maceió, as vozes foram silenciadas pelo descaso do poder público, pela falta de visibilidade que o proprio tema tem do ponto de vista nacional", afirma a pesquisadora

Inscreva-se no nosso canal de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.

Essa vivência dupla se transformou na pesquisa “Crimes Socioambientais e as Lógicas das Respostas às Crises: Teorizando os Desastres da Samarco e da Braskem”, que Deborah desenvolve em estágio pós-doutoral na UnB. O estudo ganhou força com parcerias locais:  a Casa de Cultura Negra de Ouro Preto, o Movimento Negro de Mariana e o projeto Cotidiano Fotográfico  e encontrou no artista Xibil, seu marido, a linguagem visual para ecoar memórias silenciadas.

A presença dos dois na COP 30 representa, segundo o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), “uma oportunidade de colocar o racismo ambiental no centro das discussões sobre clima, desigualdade e direitos”.

Segundo a pesquisadora, os desastres de Mariana, Brumadinho e Maceió expõem de forma direta como o racismo ambiental estrutura quem são os corpos mais atingidos pelas decisões da mineração e da indústria. Para Deborah Kelly, os padrões são claros: “as pessoas negras, comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas estão sempre mais vulneráveis”, explica Kelly.

No caso da Samarco, uma nota técnica do Projeto Rio Doce já apontava, em 2021, como etapas do processo de reparação reforçaram desigualdades históricas e deixaram esses grupos em posição de maior fragilidade. Em Maceió, o quadro ganha contornos ainda mais preocupantes porque “os dados das pessoas atingidas estão com a própria Braskem”, o que limita transparência e controle social. 

As conclusões parciais de sua pesquisa mostram que os moradores mais vulneráveis foram também os empurrados para bairros periféricos e distantes após as remoções compulsórias, resultado do valor limitado das indenizações. “Os mais vulneráveis são os mais atingidos”, sintetiza Deborah, um retrato que, para ela, confirma como a população negra é a que mais sofre em contextos de injustiça social e ambiental.

COP 30: por que o mundo olha para Belém

A COP 30 marca os 10 anos do Acordo de Paris, tratado que reuniu quase 200 países em torno da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Mas este encontro acontece sob um alerta grave: segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, ultrapassar essa marca “já é inevitável”.

Belém, escolhida como sede após articulação do governo brasileiro, simboliza mais que geopolítica. É um aviso. Realizar o principal evento climático do mundo no coração da maior floresta tropical do planeta é lembrar, de forma física, direta e pungente, que a Amazônia é decisiva para frear a crise climática.

Mas a COP 30 chega ao Brasil envolta em desafios: críticas à expansão de rodovias em áreas sensíveis da floresta, questionamentos ao incentivo à agricultura de larga escala e ao licenciamento de novos combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, debates centrais sobre transição energética, financiamento climático e conservação das florestas ganham peso inédito.

É nesse ambiente complexo que Deborah e Xibil inserem sua narrativa.

*** Continua depois da publicidade ***

Mineração, clima e injustiça: a pauta que o Brasil precisa encarar

Barra lOnga municipio afetado
"A gente tem que estar atento ao que foi dito e nao esquecer e, portanto, lembrar para não esquecer. É importante dar visibilidade as vozes que estao em mariana há 10 anos, reivindicando espaço, visibilidade e luta", afirma Deborah

O painel apresentado pela UFOP se une ao esforço de fazer a COP olhar para o Sul Global não apenas como “território vulnerável”, mas como espaço de vozes, saberes e resistência. Os casos Samarco e Braskem, ao serem comparados, revelam um padrão: comunidades pobres e majoritariamente negras são as mais afetadas; empresas lucram, enquanto o custo social explode; o Estado demora, falha ou se omite; a reparação nunca chega por completo; e o clima amplifica tudo.

Segundo o IPCC, populações vulneráveis têm 15 vezes mais chance de morrer em eventos extremos. No Brasil, essas vulnerabilidades se cruzam com desigualdade racial, histórica e territorial.

Ao levar dados, relatos e imagens para a COP 30, a pesquisadora Deborah Kelly rompe a lógica que ainda trata mineração e crise climática como debates isolados. Ela enxerga, nos desastres de Maceió e Mariana, um mesmo padrão: empresas que chegam aos territórios sob aplausos e promessas de emprego, progresso e desenvolvimento, enquanto alertas técnicos e ambientais são sistematicamente ignorados.  “É muito fácil encontrar semelhanças entre os dois casos”, afirma.

Para ela, os discursos que surgem depois costumam vir embalados por greenwashing e por tentativas de minimizar impactos que, na prática, recaem sobre as comunidades. “Quando a tragédia acontece e afeta milhares de pessoas, as respostas são muito parecidas. E a responsabilização real acaba sempre empurrada para o poder público, enquanto o prejuízo é dividido socialmente.

Entre negociações globais e histórias locais

Enquanto chefes de Estado discutem financiamento trilionário, avanços nas metas de transição energética e o futuro das florestas tropicais, a apresentação mineiro-alagoana traz à COP um lembrete essencial: o clima não é apenas número. É vida, território, afeto, memória e justiça.

A presença da UFOP na conferência mostra como universidades públicas, artistas, movimentos sociais e comunidades afetadas têm papel crucial na construção de políticas ambientais mais justas, algo que vai além de acordos diplomáticos. 

Kelly afirma que, um dos principais objetivos da sua participação na COP 30 “é colocar em evidência essas questões: as consequências dos desastres nas vidas das pessoas atingidas, do próprio meio ambiente como ele tem sofrido e reagido a essa exploração exorbitante dos recursos naturais”. 

Sobre os desdobramentos do evento, a pesquisadora se mostra otimista, “minha esperança com esse tipo de debate é sobre trazer novas frentes de reflexão de cunho acadêmico. Se a gente provocar reflexão no poder público, nas empresas, nas universidades, isso trará inspiração para outras pesquisas. Acho que a consequência vai ser uma política pública engajada, uma gestão mais socialmente responsável e uma transformação no olhar das pessoas frente a esses temas”.

Deborah e Marcelino levam para Belém não só uma pesquisa, mas um país real, marcado por luto e luta. E fazem isso em um momento em que o Brasil tenta se projetar como líder climático global.

A pergunta que fica diante de líderes, acadêmicos e formuladores de políticas é simples e urgente:

Como falar de futuro climático sem ouvir quem já vive o impacto da destruição agora?

Foto de Joyce Campolina
Joyce Campolina é graduanda em Jornalismo pela UFOP, apaixonada por Jornalismo Cultural e Político, fotojornalismo, audiovisual e por contar histórias que precisam ser ouvidas