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Hoje é sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Justiça Inglesa declara BHP culpada pelo desastre de Mariana

Tribunal responsabiliza mineradora pelo rompimento da barragem com base na legislação ambiental e no Código Civil brasileiros e reconhece a legitimidade dos municípios para processar na Inglaterra

Decisão da Justiça Inglesa é o início de uma reparação às vítimas, homenageadas no último dia 05 de novembro
No último dia 05, no antigo distrito de Bento Rodrigues, foi feita uma homenagem às vítimas da tragédia-crime de 2015 – Foto: Maria Clara Cardoso/Jornal Lampião

Divulgada na manhã desta sexta-feira (14), a decisão da Justiça da Inglaterra considera que a BHP é culpada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que completou 10 anos no último dia 05. ocorrido em 2015. A decisão, considerada histórica reconhece que a BHP tinha conhecimento do risco de ruptura da barragem de Fundão muito antes do colapso e deixou de adotar as medidas necessárias para evitar a mais devastadora tragédia socioambiental da história do Brasil. Em pronunciamento nas redes sociais, Juliano Duarte (PSB), prefeito de Mariana, comemorou o resultado, considerando que foi feita justiça às vítimas e aos municípios atingidos.

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Decisão histórica

ação julgada pela Justiça Inglesa foi porposta pelo escritório Pogust Goodhead
Escritório de advocacia representa cerca de 620 mil autores na ação proposta na Justiça Inglesa – Foto: Reprodução

Em documento síntese distribuído pelo escritório inglês Pogust Goodhead, a sentença é considerada um marco para as vítimas, que há dez anos buscam a responsabilização efetiva das empresas envolvidas no desastre. A ação coletiva reúne milhares de atingidos, que acionaram a BHP em jurisdição para a qual a mineradora envia lucros obtidos com a extração de minério no Brasil. Esta é a primeira decisão no caso a declarar formalmente a responsabilidade de uma das corporações envolvidas e constitui um avanço notável para a justiça ambiental global.

A juíza Finola O’Farrell rejeitou as tentativas da BHP de limitar sua responsabilidade e autorizou o avanço do processo para a fase de avaliação dos danos, com base na legislação ambiental e no Código Civil brasileiros. Em pronunciamento divulgado logo depois da publicação oficial da sentença, Juliano Duarte lembrou que a ação ajuízada na Inglaterra foi uma iniciativa do ex-prefeito Duarte Júnior, e que o município de Mariana, já em seu mandato, no primeiro semestre deste ano, recusou-se a assinar o chamado Acordo de Mariana, que selou a repactuação das condições de reparação e compensação decorrentes do rompimento da barragem.

Vencemos e sofremos muita pressão para aprovar o Acordo do Brasil, mas não assinamos e seguimos em busca de justiça por Mariana pela nossa cidade. Essa é a primeira fase do processo e a empresa BHP foi considerada culpada“, declarou.

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Marcos principais da sentença da Justiça Inglesa

Finalização da ação na Justiça Inglesa está prevista para outubro do próximo ano
Finalização da ação na Justiça Inglesa está prevista para outubro do próximo ano – Foto: Reprodução

Em uma decisão detalhada, a juíza Finola O’Farrell considerou a BHP responsável como poluidora, tanto sob a legislação ambiental brasileira quanto com base em culpa prevista no Código Civil brasileiro, confirmando que qualquer pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente responsável por atividade poluidora, é tratada como poluidora, |incluindo aqueles que controlam, financiam, participam ou lucram com a atividade, ou que criam o risco que ela representa.

Em termos de responsabilidade anterior à tragédia-crime de novembro de 2025, concluiu que o colapso da barragem foi causado pela negligência, imprudência e/ou imperícia da BHP, identificando provas “esmagadoras” de que a barragem era instável e de que o risco de liquefação e ruptura era previsível e poderia ter sido evitado.

Para a Justiça Inglesa, a BHP tinha conhecimento de graves defeitos e de claros sinais de alerta desde, pelo menos, agosto de 2014, mas não adotou medidas corretivas adequadas e, em vez disso, continuou a elevar a barragem, o que resultou no colapso.

Da mesma forma, a decisão considera que as provas apresentadas ao Tribunal mostraram, ao contrário do que a BHP afirmou por uma década, que a empresa, juntamente com a Vale, controlava e operava a Samarco, era sua “mente diretiva”, participava de suas operações desde as decisões estratégicas até o dia a dia, tendo assumido a responsabilidade pela gestão dos riscos da barragem, e feito investimentos substanciais na Samarco, da qual também extraía benefícios financeiros e comerciais significativos.

Um aspecto muito importante da decisão divulgada nesta sexta-feira (14) é relacionada ao reconhecimento da não limitação de prazo para a responsabilização da mineradora. Nesse sentido, o Tribunal rejeitou o argumentos da empresa de limitar sua responsabilidade e concluiu que os processos criminais relativos ao colapso da barragem adiaram o início do prazo prescricional para, pelo menos, setembro de 2024. A juíza decidiu que as vítimas podem apresentar ações até setembro de 2029, e que alguns autores podem se beneficiar de prazos ainda mais longos, dependendo de suas circunstâncias individuais.

Por fim, além de reconhecer que os 31 municípios brasileiros atualmente signatários da demanda judicial têm legitimidade para prosseguir com suas ações na Inglaterra, embora sua legitimidade tenha sido contestada pelas mineradoras no Supremo Tribunal Federal (STF); que o alcance de qualquer quitação assinada por pessoas que aderiram a programas de compensação por meio da Renova ou da repactuação depende dos termos específicos e das circunstâncias de cada acordo, afastando a aplicação dos termos previstos no Código de Defesa do Consumidor não se aplica a esses acordos.

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Repercussões da decisão da Justiça Inglesa

Para representantes dos atingidos, o julgamento representa uma virada na busca por justiça. “Tivemos que atravessar o Oceano Atlântico e ir até a Inglaterra para finalmente ver uma mineradora ser responsabilizada. Essa vitória dá esperança a todos nós que fomos afetados, especialmente às famílias das vítimas falecidas e dos mais de 80 moradores de Bento Rodrigues que morreram sem receber suas novas casas”, comentou Mônica dos Santos, membro da Comissão dos Atingidos pela Barragem do Fundão e do grupo de moradores Loucos por Bento.

Para Gelvana Rodrigues, que perdeu o filho de sete anos arrastado pela lama em Bento Rodrigues, a decisão da Justiça Inglesa é o começo do resultado de uma luta de 10 anos. “Finalmente a justiça começou a ser feita, e os responsáveis foram responsabilizados por destruir nossas vidas. Prometi a mim mesma que não descansaria até que os responsáveis fossem punidos pela morte do meu filho Thiago. A decisão da juíza mostra o que temos dito nos últimos 10 anos: não foi um acidente, e a BHP deve assumir a responsabilidade por suas ações”.

A CEO do Pogust Goodhead, Alicia Alinia, reforçou que a sentença estabelece um importante precedente de caráter global. “Esta decisão envia um recado claro para multinacionais no mundo todo. Não é possível ignorar o dever de cuidado e simplesmente se afastar da destruição causada. A responsabilidade está estabelecida. A BHP agora deve responder e pagar o que é devido”, ressaltou.

Para o tribunal britânico, alguns acordos e renúncias firmados no Brasil impedem que determinadas vítimas continuem na ação na Inglaterra. O escritório Pogust Goodhead sustenta, entretanto, que esses programas não contemplam integralmente as perdas das vítimas e pretende solicitar permissão para recorrer, em paralelo ao andamento da fase 2, para evitar atrasos no processo como um todo, aproveitando que as partes podem solicitar permissão para recorrer em até 21 dias após a decisão divulgada nesta sexta-feira (14).

A ação segue agora para a etapa de avaliação dos danos. Uma Audiência de Gerenciamento do Caso foi marcada para 17 e 18 de dezembro de 2025, e o julgamento da fase 2 está previsto para outubro de 2026.

Foto de Luiz Loureiro
Luiz Loureiro é jornalista graduado pela UFOP, fundador, sócio proprietário e editor chefe da Agência Primaz de Comunicação.