- Mariana, Ouro Preto ou Itabirito
Música e afeto marcam encontro com Moreno Veloso
No Museu de Mariana, o artista mesclou lembranças, humor e tradição baiana no projeto Sílabas e Sons
Na última terça-feira (11), o Museu de Mariana recebeu mais uma edição do programa Sílabas e Sons, que desta vez trouxe o cantor, compositor e, acredite, físico, Moreno Veloso. O encontro, que reuniu música e histórias marcantes, contou com a condução e curadoria do professor Júlio Diniz, da PUC-Rio, e uma abertura emocionante da Orquestra Jovem de Ouro Preto, que prestou um tributo a Lô Borges e Caetano Veloso.
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Sob aplausos calorosos, Moreno subiu ao palco para dar início a uma noite marcada por leveza e afeto. O artista abriu a apresentação com “Leãozinho”, canção que por muito tempo, Moreno acreditou ter sido escrita para ele pelo pai, Caetano. “Foi uma grande decepção descobrir que não era”, brincou. Anos depois, Caetano o “obrigou” a aprendê-la para um show. Entre risadas e confissões, Moreno conduziu o público por um percurso de lembranças, ensinamentos e ritmos.
Infância, raízes e a musicalidade da Bahia
Se há algo pelo qual o público pode agradecer à sensibilidade do artista, são as lembranças da infância em Salvador e, principalmente, em Santo Amaro, lugares que moldaram sua relação com a música e com o samba. Em um papo com o público e o amigo de longa data que conduziu a conversa, Julio, ele dividiu detalhes da sua infância.
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Moreno nasceu nove meses após os pais retornarem do exílio, durante o carnaval baiano, e que passava os fins de semana na casa dos avós, em Santo Amaro. Foi lá que aprendeu o “samba invertido”, um modo próprio de sambar que ele tentou de todas as formas, ensinar ao público marianense, arrancando gargalhadas da plateia.
Entoando o verso “eu trabalho o ano inteiro, eu trabalho o ano inteiro na estiva de São Paulo. Só pra passar fevereiro em Santo Amaro”. Moreno relembrava as festas no quintal da avó e a influência da tia Maria Bethânia e da tia Mabel Veloso, poetisa e compositora nas suas músicas.
Quem esteve presente no evento saiu de lá não apenas invertendo o samba, como ainda conhecedores do toque de prato. Enquanto Veloso falava sobre Dona Edith do Prato, figura essencial do samba de roda do Recôncavo Baiano, ele demonstrava o samba de prato e faca, técnica essa, que exige intimidade com o ritmo. E justamente essa intimidade foi construída com a plateia não apenas com a dita cadência, mas com o cantor, que esbanjava carisma.
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E a física?
Tendo Gal Costa e Rogério como padrinhos, Moreno foi batizado na Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, em Salvador, símbolo de uma família onde o catolicismo e o candomblé convivem lado a lado. “Essa mistura é o que há de mais bonito na Bahia e no Brasil”, refletiu o músico.
E foi daí que os presentes se perguntaram, como alguém filho de Caetano Veloso e Dedé Gadelha, sobrinho de Maria Bethânia e Gal Costa, primo de Bela Gil(filha de Gilberto Gil), que praticamente trocou o próprio sangue pelas raízes do mpb, escolheu física, como curso a ser estudado?
A pergunta que ecoava na mente de todos os ouvintes, foi externada pela jovem Helena, fã não apenas do cantor, como de toda a sua família. Moreno confessou que, apesar da afinidade que dividia com a mãe pelas ciências exatas, o mesmo não acontecia com o seu pai. ”Mas meu pai ficava triste todos os dias. Ia sair de casa e ele falava, meu filho, o que é que você tá fazendo nessa faculdade? E eu sempre respondia: ‘Eu vou estudar Física, porque eu gosto’. Aí, quando eu chegava em casa, ele falava, ‘e o que é que você aprendeu hoje?’ Com uma tristeza danada”, brincou.
Entre risadas e músicas entoadas no improviso, Moreno revelou um segredo que abalou o Museu de Mariana naquela noite: apesar de saber tocar aquela que atravessou todas as gerações: Leãozinho, essa se consagra como a única música que sabe tocar do pai.
Como dito por ele, “santo de casa não faz milagre” e era quando o cantor ia almoçar na casa de Gilberto Gil, na época casado com a sua tia, que o olhar observador de artista mais se aguçava e com os ensinamentos do mestre, ele aprendeu todas as músicas do chamado, fundador do movimento tropicalista. “Eu gosto das músicas do Gil, do Djavan, e meu pai fica com ciúme. ‘Ai, você só sabe tocar as músicas do Gil’. Mas o Gil era casado com a minha tia, irmã da minha mãe, e eu ia pra casa deles. Todo dia eu almoçava lá, pedia pra me ensinar, ficava olhando ele tocar violão, aprendia as músicas. E quando chegava em casa, eu não dava bola não pro meu pai”, relembrou brincalhão.
Por trás do Mundo Paralelo
Moreno Veloso falou ainda sobre o seu último álbum lançado, Mundo Paralelo, feito durante a pandemia e que retrata angústia e incerteza vividas pelo artista durante a pandemia de COVID-19. O álbum reúne dez faixas que exploram a sonoridade única do cantor, com influências que vão do samba, do afoxé à música eletrônica, do erudito ao popular.
O disco conta com participações especiais de Nina Becker, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Tom Veloso e Zeca Veloso, reforçando o caráter colaborativo do projeto. “Então foi isso que eu fiz, eu fiz um disco, chamei meus amigos mais próximos, fomos pra um estúdio caseiro, na casa deles, e fizemos um disco chamado Mundo Paralelo, que salvou as nossas vidas, e eu gosto muito dele”, comentou.
O cantor costuma atravessar longos intervalos de tempo entre um trabalho e outro em carreira solo. Foi assim com Máquina de EScrever Música (2000), disco que levou 14 anos para dar vez ao ensolarado Coisa Boa(2014), e mais uma década até a chegada do Mundo Paralelo (2024, Independente).
O público canta junto
Em um dos momentos mais emocionantes da noite, o Olodum tomou conta do quintal do Museu, ao som de “Deusa do Amor”, o público chorou e acompanhou em coro toda a canção. Moreno que interagia o tempo todo, aplaudiu o show acústico devolvido a ele pela plateia. “Foi maravilhoso”, definiu o estudante Lucas Souza Bezerra, de Limeira (SP), fã do artista e de Caetano, Lucas destacou a simplicidade e carisma de Moreno. “Ele é muito sensível, muito engraçado e super acessível. Já fui a outras edições do Sílabas e Sons, mas essa foi especial. A energia dele é diferente.”
Sílabas e Sons: música e memória em Mariana
O projeto Sílabas e Sons, que tem se consolidado como um dos principais espaços de fruição cultural em Mariana, tem como proposta unir grandes nomes da música brasileira e o diálogo com o público. Para Lucas e outros espectadores, a iniciativa fortalece a presença da arte na cidade: “É um privilégio receber artistas assim em Mariana. O público prestigia, mas é a cidade que também é prestigiada.”
Com o brilho da Orquestra Jovem de Ouro Preto e a presença leve e encantadora de Moreno Veloso, a noite do dia 11 ficou marcada pela mistura de riso, memória e canção. Para Ana Beatriz Justino, estudante de jornalismo da UFOP, o projeto Sílabas e Sons é um dos grandes fomentadores da cultura na região e comenta que não apenas de artistas externos sobrevive a cena cultural da Primaz de Minas. “Mas igual ao apresentador falou, não só de cultura externa se vive Mariana né. Então, eles puxam sempre artistas locais, é uma junção cultural muito interessante. A orquestra mesmo fez um trabalho lindo, muito interessante, apresentando as músicas de Caetano e Lô Borges.”
O amor está no ar
Entre acordes e vozes que ecoavam pelo Museu de Mariana, também se desenhavam histórias de amor. Foi o caso de Júlia Raydan e Lucas, que guardam uma lembrança especial do Museu de Mariana. “Nosso primeiro encontro foi aqui, no Sílabas e Sons”, contou Júlia, sorrindo. Ao lado do namorado, ela completou, em tom de brincadeira e carinho: “E foi lindo, a gente se encontrou aqui pela primeira vez, foi nesse dia que a gente se apaixonou.”
Histórias como a de Júlia e Lucas mostram como o projeto vai além da música, ele se transforma em um espaço de encontros, afetos e memórias. Entre o som dos instrumentos e o murmúrio do público, o evento faz nascer conexões que ultrapassam o palco. No Museu de Mariana, cada apresentação se torna também um convite à troca, ao reencontro e à celebração do que há de mais humano: a arte que toca e aproxima.
O evento terminou da mesma forma que se iniciou, recheado de gargalhadas. O público clamava por “Todo Homem”, ao qual Moreno brincou: “Ixii, essa música é do meu pai e dos meus irmãos. Essas músicas eu não sei tocar”.