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Hoje é sábado, 8 de novembro de 2025

Analistas criticam punitivismo em sobre lei do crime organizado

Aprovar lei foi “bola fora” de Lula, diz Nilo Batista; analistas citam mais leis que focam nas penas e foram “inúteis”

No final de outubro o presidente Lula sancionou a Lei 15.245/2025 que visa fortalecer o combate ao crime organizado
No final de outubro o presidente Lula sancionou a Lei 15.245/2025 que visa fortalecer o combate ao crime organizado – Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

A morte das 121 pessoas nas favelas do Alemão e da Penha, durante a Operação Contenção, a mais letal da história do Brasil, acendeu um novo ciclo de endurecimento penal no Brasil, avaliam especialistas ouvidos pela Pública.

Em resposta à Operação realizada pelas polícias do Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, na mesma semana, a Lei 15.245/2025 que amplia a proteção a agentes públicos e cria novos crimes relacionados à obstrução de ações contra o crime organizado, como “impedir ou embaraçar investigações”. A medida representa, na avaliação dos quatro criminalistas procurados pela reportagem, mais um capítulo de um ciclo “punitivista” que, há décadas, “fracassa” em reduzir a violência.

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Fortalecimento do combate ao crime organizado

Sancionei a Lei 15.245/2025, que aumenta a proteção a agentes públicos que combatem o crime organizado e endurece as punições a quem tenta dificultar estas investigações. O governo do Brasil não tolera as organizações criminosas e atua para combatê-las com cada vez mais vigor”, escreveu Lula em sua conta oficial na rede social X.

Por que isso importa?

  • Lei foi sancionada pelo presidente Lula em meio à crise gerada pela Operação Contenção que causou 121 mortes no Rio de Janeiro
  • Congresso também apresentou projetos de lei após a Operação. Oposição aposta em proposta que equipara facções a grupo terrorista

Para a juíza aposentada do TJRJ e ex-juíza auditora da Justiça Militar Federal, Maria Lucia Karam, as novas previsões legais “são mais um exemplo de legislação que traz medidas inúteis, meramente propagandísticas de um suposto enfrentamento à chamada ‘criminalidade organizada’”.

Ela lembra que as condutas agora descritas pela lei sancionada “já seriam enquadráveis em tradicionais dispositivos criminalizadores”, e que o Brasil repete o mesmo erro há mais de três décadas, desde a chamada lei dos crimes hediondos, de 1990. Para ela, isso demonstra que “o enfrentamento de situações e condutas negativas e ameaçadoras, criminalizadas ou não, não se faz de forma eficaz através de leis penais mais rigorosas”.

O professor emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Nilo Batista vê na nova norma um reflexo do caráter simbólico da “guerra às drogas” e da pressão midiática que se forma em torno de episódios de violência.

Os conselheiros do presidente Lula deram uma bola fora. Essa lei não vai ajudar em nada. É uma solução ilusória, porque tudo o que fazemos há trinta anos é aumentar penas e criar novos crimes. Eu te pergunto: você sentiu alguma melhora?

Do ponto de vista da estética jurídica, é uma lei perturbadora, inútil e, como sempre, criando novos crimes, ampliando. Daqui a pouco o direito de defesa pode estar criminalizado por uma dessas coisas aí. ‘Impedir ou embaraçar’, como é que é isso? Qual é a função da defesa técnica, se não é [justamente] embaraçar a ação penal?”, questiona Batista. “Proveniente de quem veio, né? É um ‘troço’ bem autoritário, uma legislação autoritária”, conclui.

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Lei traz novos tipos de crimes

Entre os dispositivos mais discutidos da Lei.º 15.245/2025, de autoria do senador Sergio Moro (União-PR) e proposta após ameaças de atentados atribuídas a integrantes do PCC, estão os que tipificam os crimes de “obstrução de ações contra o crime organizado” e de “conspiração” para obstrução dessas ações, ambos com penas de quatro a 12 anos. Na prática, esses artigos poderiam ser usados para punir mandantes ou cúmplices de ataques contra agentes públicos.

No entanto, para o professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Pacheco Pontes, a eficácia prática da lei depende de fatores bem mais complexos do que o simples aumento de pena. “O que mais inibe o criminoso é a certeza da punição, não tanto a quantidade de pena prevista. Em outras palavras, se há certeza de impunidade, não importa a pena, o criminoso arriscará cometer o crime”, explica o professor.

O advogado criminal e diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Theuan Carvalho Gomes, vê na nova lei uma tentativa que “não produzirá resultados práticos para segurança pública” e “permanecerá no campo simbólico”.

A iniciativa possui uma carga simbólica muito grande. Nunca houve demonstração empírica de que qualquer recrudescimento da legislação penal promovesse melhores índices de segurança pública. Não aconteceu com a dos Lei dos Crimes Hediondos; não aconteceu com a Lei 11.343/2006, que endureceu o combate às drogas; não aconteceu com a lei que aumentou as penas do feminicídio, que hoje possui a mais alta pena do Código Penal, de 40 anos, e mesmo assim os índices de feminicídio batem recordes”, afirma o diretor.

Sobre a Operação Contenção, Gomes ressalta que a violência no Rio “tem muito mais relação com a forma histórica de atuação das polícias em territórios negligenciados pelo Estado por décadas, em que a população é majoritariamente negra e pobre, do que com a falta de lei penal propriamente dita”.

O advogado também aponta “dúvidas razoáveis sobre a constitucionalidade de algumas previsões”, especialmente no trecho que permite a aplicação combinada de penas por crimes mais graves, o que, segundo ele, configuraria “dupla punição pelos mesmos fatos”.

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Pontos positivos da nova legislação

Mesmo com as críticas, alguns pontos da lei sancionada foram apontados por professores como positivos. Segundo o professor da USP Daniel Pacheco Pontes, a nova lei introduz uma mudança relevante ao permitir a punição de crimes ainda em preparação.

Com isso, seria mais fácil responsabilizar pessoas durante a operação no Rio de Janeiro, não seria necessário aguardar o início da execução ou a consumação do crime”, explica o advogado, que destaca, porém, que o direito penal brasileiro “sempre foi seletivo”.

O assassinato do delegado Ruy Fontes foi lembrado pelo advogado Theuan Carvalho Gomes. Ele reconhece que as novas previsões poderiam ampliar o enquadramento de acusados em casos como o de Fontes ou o suposto plano contra Moro — “provavelmente piorando a situação dos acusados”, afirma.

Reportagem publicada originalmente na Agência Pública dia 07/11/2025 às 04h07.