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Hoje é quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Mariana relembra 10 anos do rompimento com minuto de sirene

Ato em memória às vítimas reuniu atingidos, movimentos sociais e representantes de instituições públicas e acadêmicas em um chamado por justiça, reparação e reflexão

Na foto é possível ver pessoas da Universidade e da comunidade reunidas para o ato de um minuto de sirene no jardim.
Universidade e comunidade lado a lado reafirmam o papel da educação pública na defesa da memória e dos territórios atingidos - Foto: Larissa Antunes/Agência Primaz

Nesta terça-feira, 5 de novembro, Mariana se reuniu para um momento de silêncio e reflexão. Às 16h, um minuto de sirene foi realizado na Praça Gomes Freire (Jardim), em homenagem às vítimas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, que atingiu a  bacia do Rio Doce. O ato foi um momento de reflexão e discussão sobre os riscos do modelo de mineração vigente.

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O minuto de sirene, realizado nesta terça-feira, foi um ato simbólico de memória, dor e resistência, reunindo moradores atingidos, representantes de movimentos sociais, lideranças religiosas, universidades e autoridades públicas. O evento integrou a programação dos dez anos do crime, organizada por coletivos como a Flama (Frente Mineira de Luta das Atingidas e dos Atingidos pela Mineração), o Movimento pela Soberania Popular da Mineração (MAM) e o Jornal A Sirene, veículo nascido do próprio rompimento para dar voz às comunidades.

A data marca dez anos do maior crime socioambiental do país, que destruiu comunidades inteiras, deixou 20 mortos e espalhou rejeitos de minério por mais de 600 quilômetros ao longo da bacia. O ato simbólico teve como objetivo lembrar as vidas perdidas, reafirmar o direito à memória e à reparação, e reivindicar o compromisso com a justiça e com a reconstrução das comunidades atingidas.

Na foto é possível ver várias fotografias do jornal A Sirene penduradas em um barbante.
O som que não tocou há dez anos ecoou em Mariana como um chamado à memória e à justiça - Foto: Larissa Antunes/Agência Primaz

O som da sirene, que toca todo dia 10 às 10h da manhã em memória às vítimas, foi retomado em ato simbólico. “É, seria muito importante que a sirene tocasse sim, mas antes do rompimento da barragem”, destacou Sérgio Papagaio, morador de Barra Longa, um dos líderes dos garimpeiros e editor-chefe do Jornal A Sirene, ao lembrar da ausência do alarme, que poderia ter evitado mortes.

Durante o ato, a jornalista Ellen Barros, conselheira editorial do Jornal A Sirene e assessora técnica do Instituto Guaicuy, leu o editorial da edição especial que marca os dez anos do rompimento: “Há 10 anos, a sirene não tocou. O silêncio que antecedeu o maior desastre e crime socioambiental do Brasil faz gritar as injustiças e marcou o início de uma série de impunidades”, diz o texto.

Na praça, exemplares do jornal foram distribuídos gratuitamente. Helen destacou que parte das páginas desta edição foi deixada em branco, num gesto de protesto contra a falta de recursos que ameaça a continuidade do projeto, uma metáfora para os silêncios e apagamentos impostos às vítimas.

Na foto é possível ver várias pessoas reunidas no jardim para o ato de Um Minuto de Sirene.
Com o cartaz da Flama nas mãos, participantes reafirmam a força coletiva das comunidades que há dez anos enfrentam as consequências do rompimento.- Foto: Larissa Antunes/Agência Primaz

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“A repactuação foi para as empresas, não para os atingidos”

Entre as falas mais contundentes, Manoel Marcos Muniz, morador de Bento Rodrigues e integrante da Comissão dos Atingidos, falou sobre a frustração diante das promessas não cumpridas. “Até hoje não tenho a minha casa entregue. Houve por aí as as como é que fala as propagandas reassentamento reassentamento Bento Rodrigues, Paracatu, 100% entregue. É só ir nos reassentamentos, tem casa ainda sendo construída, tem casa ainda que não não foi entregue”, relata.

A crítica à desigualdade no tratamento das comunidades ecoou também nas palavras de Wilson Nunes, liderança de Antônio Pereira. “A lama não passou em Antônio Pereira, mas nós perdemos duas vidas, entre as dezenove, duas vidas são de Antônio Pereira. E a Samarco, Vale e BHP não quiseram reconhecer Antônio Pereira como atingido. Agora pela pactuação aí dos R$35.000, que eu acho muito pouco, mas é melhor do que nada, em Antônio Pereira só tem direito quem manifestou até 2021. Olha, nós de Antônio Pereira não tinha conhecimento praticamente de nada”, denuncia.

Sérgio lembrou que, ao longo da década, as comunidades vêm construindo sua própria narrativa, enfrentando não só o sofrimento material, mas o silenciamento imposto pelas mineradoras e pelo poder público. “Morrer não é só deixar de viver. Tem muita gente andando por aí com a morte dentro do peito, que é a pior de todas as mortes. A omissão fortalece o inimigo. Ser contra alguma coisa não basta, é preciso ocupar os espaços de luta. Nós seremos atingidos até morrer, porque a luta não acabou.”

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Na foto é possível ver cartazes com os nomes das vítimas mortas pelo rompimento da Barragem do Fundão.
Cartazes espalhados pelo chão da praça lembravam os dez anos do rompimento da barragem de Fundão e traziam os nomes das 19 vítimas - Foto: Larissa Antunes/Agência Primaz

Memória, educação e resistência

Representantes da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e de outros espaços de ensino também estiveram presentes no ato. A professora Katiuscia, do curso de Serviço Social, falou sobre o papel da universidade pública “Nós precisamos reivindicar a educação e a universidade popular, que pense e construa conhecimento ombro a ombro com as comunidades atingidas, e não com as mineradoras. É muito preocupante ver empresas dentro dos nossos espaços de ensino. A função social da universidade é estar ao lado do povo.”

Estudantes e militantes reforçaram o mesmo ponto. Tuane, membro do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFOP, afirmou: “A universidade tem que estar onde o povo está, onde as comunidades atingidas estão. Não pode estar ao lado de quem mata e contamina.”

O estudante Roan, militante da Liga Comunista Brasileira, completa: “A Vale tenta apagar a história e silenciar os atingidos. Dez anos depois, ainda tentam transformar o crime em acidente. Nenhum bilionário foi preso, enquanto o povo continua lutando para reconstruir a vida.”

Cartaz da FLAMA durante Um Minuto de Sirene.

O prefeito de Mariana, Juliano Duarte, também esteve presente e reforçou em sua fala o caráter criminoso do rompimento. “A empresa tinha ciência do risco. Preferiram assumir o risco e pagar a conta depois. Isso não foi tragédia, foi crime. Com dez minutos a lama chegou e destruiu tudo. E agora, depois de nove anos, fazem um acordo de R$ 170 bilhões, mas para Mariana ofereceram menos de 1%. Nenhum prefeito foi chamado à mesa. Nenhum atingido foi ouvido.”

O prefeito promete que “até o mês de dezembro nós vamos ter uma decisão na Inglaterra e quem escolheu ficar na justiça inglesa pode ter certeza que escolheu o caminho certo. a importância da luta judicial que segue fora do país.”

Programação

A programação segue ao longo da semana com diversas atividades. No dia 7 de novembro, às 13h30, será realizada a mesa “A criminalização de lutadores e lutadoras da mineração na Região do Quadrilátero Ferrífero”. Mais tarde, às 17h, acontece o encerramento com a leitura do documento final. As duas atividades serão realizadas no auditório do Instituto de Ciências Sociais e Aplicadas (ICSA).

No dia 8 de novembro, a programação começa cedo, às 7h, com a Caminhada na Serra do Botafogo, saindo do Terminal Turístico de Mariana. À noite, às 19h, acontece a Vigília da 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, na Catedral da Sé.

Já no dia 9 de novembro, ocorre a 8ª Romaria das Águas e da Terra da Bacia do Rio Doce, com a acolhida dos romeiros e romeiras das 6h às 13h, na Praça dos Ferroviários.

Encerrando a série de atividades, no dia 11 de novembro, às 14h, será realizada a mesa “As Lutas Sociais e Ambientais em Territórios Atingidos pela Mineração: A Importância das ATI’s nesse Contexto”, durante o Encontro dos Saberes, no Centro de Convenções da UFOP, em Ouro Preto.

Foto de Larissa Antunes
Larissa Antunes é graduanda em Jornalismo na UFOP e estagiária na Agência Primaz de Comunicação. Possui interesse por jornalismo cultural, radiojornalismo, audiovisual, fotojornalismo, movimentos político-sociais e expressões artístico- culturais.