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Hoje é quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Lista, lobby e ameaças: os desdobramentos da Operação Rejeito

Relação de "alvos" expõe lobby da mineração e ameaças a deputado de Ouro Preto

Lobby da mineração na ALMG foi denunciado pelo Deputado Leleco Pimentel
Leleco Pimentel compareceu à Superintendência da Polícia Federal para protocolar ofício solicitando instauração de um inquérito e tomada de medidas de proteção pessoal e de sua equipe - Foto: Assessoria Parlamentar/Leleco Pimentel

A reportagem exibida pelo Fantástico no último domingo (21) sobre a Operação Rejeito não apenas expôs um esquema bilionário de corrupção e crimes ambientais em Minas Gerais, mas também abriu uma caixa de pandora política. No centro da polêmica está uma lista apreendida pela Polícia Federal com os investigados que, após ter uma versão sem censura vazada, gerou uma onda de acusações e interpretações sobre o que unia os nomes da lista.

Sem muito contexto, o documento foi publicado e isso gerou margem para acusações de toda ordem. As publicações variavam entre acusações de que aqueles nomes seriam de aliados dos investigados, até publicações dizendo que se tratava, ao contrário, de alvos que a organização criminosa pretendia cooptar ou monitorar. A reportagem da Globo apenas afirmou: “Nos arquivos dos suspeitos, os policiais encontraram uma lista de nomes: políticos, servidores públicos e especialistas em mineração estavam na mira do grupo”.

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Retaliação Política contra Leleco Pimentel

Um dos nomes que vieram a público foi o do deputado estadual Leleco Pimentel (PT), com forte atuação na região de Mariana e Ouro Preto. O parlamentar afirma que a lista divulgada corresponde exatamente à relação de convidados de uma audiência pública que ele promoveu para discutir os impactos da mineração na Serra do Botafogo, o que, para ele, “indica uma clara retaliação política”. Em ofício encaminhado à Polícia Legislativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), Pimentel reforçou que, segundo a reportagem, as pessoas na lista estariam “‘NA MIRA’ deste grupo”.

A situação escalou para ameaças e para o que o deputado descreve como uma invasão de seu celular. Leleco alega que, desde 10 de agosto, seu aparelho foi “grampeado”, permitindo a um invasor o monitoramento de sua conta no WhatsApp, da câmera, do microfone e de outras funcionalidades remotas de seu aparelho. Diante da situação, ele protocolou, nessa quarta-feira (24), ofícios na Superintendência da Polícia Federal e na Polícia Legislativa da ALMG, solicitando instauração de um inquérito e tomada de medidas de proteção para si e sua equipe.

Ao deixar a sede da PF, Leleco Pimentel reforçou a seriedade da situação e sua determinação em continuar seu trabalho. “Estamos diante de uma organização criminosa e por isso viemos acionar a Polícia Federal para a apuração e para a segurança também de todos nós. Mesmo assim, seguimos firmes no combate à mineração predatória, que destrói, degrada e mata”, declarou o deputado.

Ver mais reportagens sobre atuação da Polícia Federal

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O Lobby na ALMG: A atuação para barrar a proteção da Serra do Curral

As denúncias de Leleco Pimentel ganham ainda mais força quando confrontadas com as revelações da Operação Rejeito sobre a atuação de lobistas dentro da própria ALMG. As investigações detalham como o esquema agia para sabotar projetos de lei que contrariavam seus interesses, especialmente o Projeto de Lei 1449/2023, que propunha a criação do Monumento Natural da Serra do Curral.

Mensagens telefônicas interceptadas pela PF mostram o ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages (um dos líderes da organização), teria orientado um lobista, Gilberto Henrique Horta de Carvalho, preso durante a Operação Rejeito, a trabalhar para barrar a proposta. Nas conversas, o lobista afirma que a aprovação do projeto “mataria todos os planos de exploração do Projeto Taquaril“.

A estratégia seria acionar o deputado Bruno Engler (PL) para que pedisse vista do relatório. No dia seguinte (27 de fevereiro de 2024), no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG, o então relator do projeto, deputado Charles Santos (Republicanos), solicitou “informações adicionais” durante a reunião da comissão, uma manobra que paralisou a tramitação do PL por quase dois anos.

Ao Estado de Minas, Bruno Engler alegou, em nota, que recebeu, “com surpresa, a informação sobre a prisão do Gilberto” e que desconhecia “qualquer vínculo dele com práticas irregulares”. “Da minha parte, não houve pedido de vista nem qualquer tipo de ato para atrasar a tramitação do projeto citado”, afirmou Engler.

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A Luta pela Serra do Botafogo: Os projetos de Leleco

A pressão sobre Leleco Pimentel estaria diretamente ligada à sua atuação legislativa em Ouro Preto, especialmente na Serra do Botafogo, onde mineradoras investigadas na Operação Rejeito, como a Patrimônio Mineração e a HG Mineração, atuavam por meio de licenças fraudulentas. A comunidade local já sofria com a degradação, relatando a “redução drástica na oferta de água e o soterramento de grutas históricas“.

Em 2023, O deputado Leleco protocolou dois projetos de lei para proteger a região:

  • PL 1116/2023: Declara a Serra do Botafogo como patrimônio ambiental, histórico, cultural e, crucialmente, hídrico do estado.
  • PL 1117/2023: Reconhece como de relevante interesse cultural a Capela de Santo Amaro do Botafogo, construção do final do século XVII.

O deputado relata que, assim que os projetos foram apresentados, houve uma rápida articulação de “aquela turma que também é mantida pela mineração, deputados, vereadores, prefeitos, (…) para a retirada do meu projeto de lei“. Em entrevista à Agência Primaz, Pimentel foi enfático: “A mineração, a poluição e a corrupção andam juntas. (…) este modelo que aí está, ele cumpre um papel de morte e cumpre um papel que coloca de joelhos a política”, relatou o deputado.

A operação da PF parece confirmar essa tese, ao expor uma “corrupção sistêmica” e uma “estrutura profissional do crime em Minas Gerais“, com um potencial de lucro que ultrapassa R$18 bilhões.

Retomada da tramitação

Em uma reviravolta diretamente ligada às revelações da Operação Rejeito, o Projeto de Lei 1449/2023, que cria o Monumento Natural da Serra do Curral, da deputada Beatriz Cerqueira (PT), voltou a tramitar e foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da ALMG nessa terça-feira (23). A votação ocorreu menos de uma semana após a deflagração da operação que prendeu os lobistas que atuavam para barrar a proposta.

Paralisado desde fevereiro de 2024 o projeto teve, nessa semana, sua relatoria redistribuída para o deputado Jean Freire (PT), que apresentou parecer favorável. A proposta, que estabelece proteção integral da área, vedando completamente atividades de mineração, segue agora para análise na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A aprovação na CCJ é vista como uma vitória da sociedade civil contra o lobby da mineração.

Foto de Lui Pereira
Lui Pereira é jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Um cronista do cotidiano marianense.