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Hoje é quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Operação Rejeito: PF investiga conselheiros do CODEMA Mariana

Fernando Benício de Oliveira Paula e Ênio Marcus Brandão Fonseca, citados na Operação Rejeito, foram indicados pela ONG Zeladoria do Planeta ao conselho do município

diversas provas da participação dos conselheiros do CODEMA de Mariana no contexto da Operação Rejeito
Inquérito da PF demonstra ligações entre conselheiros e o esquema de corrupção revelado na última semana - Arte: Lui Pereira/Agência Primaz

A influência de um dos maiores esquemas de corrupção ambiental investigados em Minas Gerais se estendeu até o coração das decisões ambientais de Mariana. Dois dos alvos da “Operação Rejeito” da Polícia Federal, Fernando Benício de Oliveira Paula e Ênio Marcus Brandão Fonseca, foram nomeados para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA). A investigação federal aponta que Fernando Benício, na condição de conselheiro estadual, teria vendido seu voto por R$5 mil para aprovar uma licença fraudulenta, com a intermediação de Ênio Brandão. Ambos representavam, respectivamente como titular e vice, a mesma entidade, a Associação Ambiental e Cultural Zeladoria do Planeta, no órgão que deveria zelar pelo meio ambiente de Mariana.

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A dupla atuação, nas esferas estadual e municipal, sugere uma estratégia coordenada para influenciar processos de licenciamento e levanta suspeitas sobre a lisura do processo de licenciamento de projetos minerários aprovados pelo conselho nos últimos anos. Em Ouro Preto, pelo menos dois empreendimentos na Serra do Botafogo eram ligados à mesma organização criminosa que, segundo a PF, movimentou R$1,5 bilhão em esquema fraudulento.

O intermediário estratégico

O inquérito da Polícia Federal, ao qual a Agência Primaz teve acesso à íntegra, detalha o passo a passo da dupla de conselheiros para fraudar a licença da empresa Fleurs Global Mineração LTDA. A investigação aponta que Ênio Brandão atuou como um elo entre o núcleo de liderança da ORCRIM (Organização Criminosa) e Fernando Benício, conselheiro do Conselho Estadual de Politíca Ambiental de Minas Gerais (COPAM-MG).

No dia 22 de junho de 2024, Ênio teria feito contato com João Alberto Lages, ex-deputado estadual e um dos líderes da organização criminosa. Em um áudio interceptado pela PF, Ênio informa que entrou em contato com Fernando Benício e agendou uma reunião entre João e Fernando para o dia 24 de junho, na sede da Minerar Participações.

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Prova demonstra ligações entre Fernando e Ênio, conselheiros do CODEMA de Mariana na Operação Rejeito
Em áudio interceptado pela Polícia Federal, Ênio revela uma reunião informal com o conselheiro Fernando após vistoria na Fleurs Global

A reunião ocorreu poucos dias antes da 112ª Reunião Ordinária do COPAM, ocorrida no dia 28 de junho que deliberaria sobre a Licença de Operação Corretiva (LOC) da empresa Fleurs Global, no âmbito do processo SLA 284/2022 (Processo SEI nº1370.01.0061024/2021-70). A ata da reunião demonstra que Fernando pediu vistas do processo e solicitou uma visita técnica à Fleurs Global.

Ênio Brandão, que também já atuou como conselheiro do Ibama na Câmara Técnica de Mineração do COPAM, não apenas organizou, mas também participou ativamente dos eventos para garantir o alinhamento de interesses. Após a visita técnica, no dia 16 de julho, Ênio se encontrou com Fernando e, na ocasião, entre chopes e pastéis de angu, encaminhou a João Lages o documento com a manifestação favorável à concessão da Licença Corretiva.

“João, como eu disse para você e para o Alan (Alan Cavalcante do Nascimento – líder da organização criminosa), eu estou acompanhando de pertinho todos os passos do processo que envolve a Fleurs. Monitorei e acompanhei desde cedinho a visita, estou aqui agora com o Fernando que chegou, morrendo de fome, morrendo de sede aqui, está tomando um chope, comendo um pastelzinho de angu, para poder nivelar, já tem aí o documento pronto, ele já mandou isso aí para o Alan, está certo? E tem a outra história lá dos empreendimentos seu e do Helder (Helder Adriano de Freitas – gestor operacional da organização), está bom? Me liga, abraço”, disse Ênio em mais um áudio interceptado.

Na mensagem chama a atenção ainda o conhecimento e o interesse de Ênio sobre outros projetos da organização criminosa.

De um lado a foto da reunião entre Ênio e Fernando e ao lado o comprovante do Pix de R$5 mil pelos "honorários"
De um lado a foto da reunião entre Ênio e Fernando e ao lado o comprovante do Pix de R$5 mil pelos "honorários"

Propina via Pix

Após a reunião, Ênio encaminhou para João os dados da chave Pix de Neide Nazaré de Souza, esposa de Fernando Benício com a cobrança de “honorários” no valor de R$5 mil. O pagamento teria sido realizado no dia 18 de julho pelo próprio João de acordo com comprovante enviado para o grupo de Whatsapp “Três Amigos Mineração”, composto pelos líderes do grupo, João Alan e Helder. A investigação concluiu que, logo após o “nivelamento”, a negociação ilícita foi concretizada.

Fernando Benício, na qualidade de conselheiro da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do COPAM e representante da Associação Ambiental e Cultural Zeladoria do Planeta, é acusado de vender seu voto para favorecer a Fleurs Global Mineração. Sua atuação foi fundamental para a aprovação da Licença de Operação Corretiva (LOC) da empresa.

Com o pagamento acertado, Fernando Benício cumpriu sua parte no acordo, votando pela aprovação da licença durante a 113ª Reunião da CMI, realizada entre 26 de julho e 1º de agosto de 2024. O sucesso da operação foi confirmado por uma mensagem de agradecimento enviada por João Lages a Ênio Brandão: “Muito obrigado, amigo Ênio. Mais uma vitória nossa. Não tenho o telefone do Fernando, transmita nossos agradecimentos por gentileza”, escreveu.

Diante dos fortes indícios de corrupção, a Justiça Federal determinou o afastamento de Fernando Benício de sua função pública no COPAM como medida preventiva.

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Influência em Múltiplos Níveis: Atuação no CODEMA de Mariana

A atuação da dupla não se limitava à esfera estadual. Ambos foram nomeados para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) de Mariana, representando a mesma entidade, a Associação Ambiental e Cultural Zeladoria do Planeta. Essa presença em conselhos de diferentes níveis de governo pode indicar uma estratégia coordenada para exercer influência sistêmica sobre as decisões ambientais em Minas Gerais, especialmente em municípios como Mariana, com forte aptidão minerária.

Fernando Benício de Oliveira Paula foi nomeado conselheiro titular do CODEMA de Mariana para a gestão 2022-2026, no dia 1º de fevereiro de 2022, através do decreto Nº 10.850, assinado pelo então prefeito interino Juliano Duarte. Já Ênio Marcus Brandão Fonseca foi nomeado conselheiro suplente no mesmo conselho, em 1º de outubro de 2024, pelo então prefeito Celso Cota através do decreto Nº 12.015.

Tanto Fernando quanto Ênio permanecem como conselheiros do CODEMA e as atividades profissionais de Ênio chamam a atenção por demonstrar um possível conflito de interesses, pois, apesar de ter sido nomeado conselheiro como representante da ONG Zeladoria do Planeta, atua desde janeiro de 2025 como Diretor de Meio Ambiente e Relacionamento Institucional na Mineradora Sul Americana de Metais (SAM), que tem projetos no norte de Minas Gerais.

Ou seja, ao mesmo tempo que representa uma ONG que se define como tendo “finalidades exclusivamente ambientais, educacionais, sociais e culturais”, por força de seu cargo, Ênio também defende os interesses da mineração, o que desequilibra as forças e os interesses dentro do CODEMA.

Outro ponto que não fica claro são os interesses de Fernando e Ênio, bem como da ONG Zeladoria do Planeta com o município de Mariana. Os endereços apresentados tanto pelos conselheiros, quanto pela ONG, são de Belo Horizonte, portanto quais motivos os fizeram compor o CODEMA?

Com a palavra, os envolvidos

A ONG Zeladoria do Planeta publicou uma nota em seu site onde informa que “na qualidade de entidade da sociedade civil organizada, vem a público esclarecer que não é alvo de qualquer investigação conduzida pela Polícia Federal”. Além disso, na mesma nota, a ONG informa que “o senhor Fernando Benício se afastou voluntariamente de todas as suas atividades na instituição em 17 de setembro de 2025, como medida preventiva de governança e em respeito aos princípios da transparência e da responsabilidade socioambiental que orientam nossas ações”, acrescentando que “a Zeladoria do Planeta reforça seu compromisso com a lisura e transparência que sempre permeou as atividades da instituição”.

A defesa de Ênio Marcus Brandão Fonseca, representada pelo advogado criminalista Bruno Correa Lemos nos encaminhou a seguinte nota.

“A defesa de Ênio Marcus vem a público esclarecer que seu constituinte possui vasta e reconhecida experiência na área ambiental, sempre pautando sua atuação pela legalidade, ética e compromisso com a sustentabilidade.

Reitera-se que, em nenhum momento, Ênio Marcus agiu com dolo, tampouco tinha conhecimento de eventuais práticas ilícitas atribuídas, em tese, a terceiros. As informações veiculadas até o momento não refletem a realidade dos fatos nem condizem com a trajetória profissional do senhor Ênio.

A defesa está tomando conhecimento do inteiro teor da investigação e confia que, ao longo do devido processo legal, os fatos serão devidamente esclarecidos, resultando no completo afastamento de Ênio Marcus de qualquer cenário investigativo.

Ênio segue à disposição das autoridades para contribuir com o que for necessário à elucidação dos fatos.”

Fernando Benício de Oliveira Paula também foi questionado acerca de sua participação tanto no conselho estadual, quanto no municipal, mas até o momento não obtivemos nenhuma resposta.

A Agência Primaz fez uma série de questionamentos à Prefeitura de Mariana relacionados à participação de Fernando e Ênio como membros no Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA). Entre as perguntas, a reportagem solicitou informações a respeito da publicação de decreto de exoneração ou de afastamento preventivo; sobre qual a intenção da Administração Municipal em termos de realizar investigações para apurar eventuais possíveis irregularidades cometidas por essas pessoas em processos analisados pelo CODEMA;, quais os processos relativos a empreendimentos minerários no município foram analisados com a participação dessas pessoas; além de requerer acesso, por meio digital ou físico, às atas que contenham deliberações relacionadas ao tema, com a participação dos mencionados conselheiros. 

A prefeitura confirma que os citados fazem parte do CODEMA/Mariana e representam a ONG Zeladoria do Planeta, “Os membros da referida ONG foram nomeados, respectivamente, em Decretos do Poder Executivo de 26 de dezembro de 2023 e 03 de outubro de 2024”. Ainda segundo a prefeitura, “O instituto jurídico aplicável ao caso concreto, pela natureza da função desempenhada pelos conselheiros, é a DESTITUIÇÃO DO CARGO. Será instaurado um processo administrativo no âmbito do CODEMA visando a destituição da ONG Zeladoria do Planeta, representada pelos mesmos, em virtude dos fatos ocorridos, atraindo, em tese, o disposto no inciso IV do art. 50 do Regimento Interno do Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento sustentável (DNº 03/2024), sendo garantido à entidade o direito ao contraditório e ampla defesa”.

A prefeitura ainda afirma que “Não existem quaisquer irregularidades praticadas pelos citados indivíduos no âmbito do CODEMA/Mariana, tendo em vista que a atuação dos mesmos, na qualidade de representantes da ONG Zeladoria do Planeta, se limitou a discussão e a votação das pautas do conselho, que não são objeto de quaisquer questionamentos no âmbito judicial ou fora dele, permanecendo as decisões do CODEMA hígidas e válidas. Nunca houve qualquer outra “atuação” da ONG Zeladoria do Planeta a não ser discutir e votar nas pautas mensais do conselho”.

Além disso, “A participação no Conselho é da entidade Zeladoria do Planeta e não de seus integrantes. As discussões e votações que referida ONG participou devem ser obtidas junto à Secretaria do Conselho, eis que as mesmas são informações públicas”.

O motivo da participação da ONG Zeladoria do Planeta no CODEMA/Mariana, no entretanto, não foi esclarecido.

Atualização

Após a publicação da reportagem, a ONG Zeladoria do Planeta encaminhou esclarecimentos sobre o caso. De acordo com Gustavo Bleme, presidente em exercício da entidade, “desde que as notícias começaram a circular na mídia, a Associação Ambiental e Cultural Zeladoria do Planeta não tem ciência sobre nenhuma investigação em que seja objeto. Todavia, está sempre à disposição para colaborar com as investigações”.

No que se refere ao CODEMA, a ONG esclarece que foram “convidados a participar do processo eleitoral pelo próprio conselho, motivado por moradores da região que desejavam ter uma melhoria na análise dos processos do colegiado. E é o que A Zeladoria do Planeta realiza desde então”. Ainda segundo a organização, “a Zeladoria do Planeta se coloca à disposição para demais esclarecimentos”.
Foto de Lui Pereira
Lui Pereira é jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Um cronista do cotidiano marianense.