Notícias de Mariana, Ouro Preto e região

Hoje é quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Operação Rejeito: Duas mineradoras de Botafogo são alvos da PF

Investigação da "Operação Rejeito" revela que a Patrimônio Mineração e a HG Mineração fazem parte de uma organização criminosa que movimentou R$1,5 bilhão em fraudes de licenciamento ambiental.

Comunidade protesta em frente a portaria da Patrimônio Mineração.
Mineração Patrimônio foi responsável pela destruição de uma caverna em março deste ano na comunidade de Botafogo - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Pelo menos duas das mineradoras que atuam na Serra de Botafogo, em Ouro Preto, estão no centro de um gigantesco esquema de corrupção desmantelado pela Polícia Federal (PF) na “Operação Rejeito”. A Patrimônio Mineração Ltda, conhecida por ter destruído uma caverna na região, e a HG Mineração SA, que também possui projetos na área, tiveram suas atividades suspensas pela Justiça Federal por fazerem parte de uma organização criminosa que, segundo a PF, corrompia o alto escalão de órgãos ambientais para obter licenças fraudulentas.

*** Continua depois da publicidade ***
***

A operação revelou que um conglomerado de empresas movimentou R$1,5 bilhão e mantinha projetos com potencial econômico superior a R$18 bilhões, explorando ilegalmente minério de ferro em locais como a Serra de Botafogo, em Ouro Preto e áreas tombadas como a Serra do Curral, em Belo Horizonte.

A ligação direta da Patrimônio Mineração com o esquema

A Patrimônio Mineração não é apenas uma participante periférica, mas uma peça central nas operações do grupo em Ouro Preto. A investigação da PF identificou o “Projeto Patrimônio Mineração” como um dos empreendimentos da organização criminosa e documentou que seu licenciamento foi obtido mediante o pagamento de R$500 mil em propina. Essa é a mesma empresa cujo avanço de escavadeiras destruiu uma caverna natural na comunidade de Botafogo entre os dias 21 e 22 de março, ato que gerou embargos judiciais e revolta na comunidade.

A ligação da empresa com os líderes do esquema é estabelecida por uma intrincada rede de relações societárias e operacionais. A análise de registros mostra que:

  • O administrador da Patrimônio Mineração é Felipe Lombardi Martins. Na “Operação Rejeito”, Martins foi identificado pela PF como “o homem da mala”, responsável por transportar dinheiro de propina em espécie para agentes públicos, tendo sua prisão preventiva decretada.
  • Felipe Lombardi Martins também é administrador do Grupo Minerar e utiliza um e-mail com domínio desta empresa em documentos oficiais do projeto em Botafogo, como é o caso do levantamento arqueológico feito pela empresa de arqueologia, Peruaçu.
  • O sócio-administrador do Grupo Minerar é Helder Adriano de Freitas, apontado pela PF como o “Diretor Operacional” e um dos três líderes do grupo de WhatsApp “Três Amigos Mineração”, que coordenava todo o esquema criminoso.
  • Para fechar o círculo, o ex-deputado João Alberto Paixão Lages seria o outro líder da organização atuando como “Diretor de Relações Interinstitucionais”. João já foi sócio da L.C. Participações e Consultoria, controladora da Patrimônio Mineração em 2017, ano de abertura da empresa.

Inscreva-se no nosso canal de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.

Essa rede conecta diretamente a destruição ambiental em Botafogo aos cabeças da organização criminosa e a outros empreendimentos polêmicos, como a Mineração Gute Sicht, que extraiu minério de áreas tombadas da Serra do Curral, que também tinha Helder Adriano de Freitas e João Alberto Paixão Lages como sócios-controladores. 

A Justiça Federal já havia identificado que a Gute Sicht e a Fleurs Global Mineração, núcleo financeiro do esquema que movimentou R$4,3 bilhões, pertencem ao mesmo grupo econômico.

Sobre a Patrimônio Mineração ainda pesa a suspeita de aparelhamento do poder público municipal de Ouro Preto e o uso de uma anuência antiga do Conselho Municipal De Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) durante o processo de licenciamento da Mina Patrimônio, a suspeita da comunidade é que a documentação teria sido obtida irregularmente. 

Segundo Ronald Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy, “A LC Participações mentiu descaradamente. Declarou que não faria lavra, mas já tinha iniciado o complexo minerário completo. E o pior: conseguiram anuência no gabinete do prefeito, sem passar pelo CODEMA”.

De um lado a comunidade de Botafogo, do outro lado da rodovia, a área de mineração da Patrimônio - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

HG Mineração: Grande potencial de lucro e destruição

A HG Mineração SA, que também tem projetos na Serra de Botafogo, foi igualmente alvo da operação e está na lista de empresas com atividades suspensas. Segundo a PF, a mineradora fazia parte do “núcleo bilionário das operações” do grupo, com um grande potencial econômico.

De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do Projeto Moreira, que seria instalado na Serra do Botafogo pela HG, a extração anual seria de 300.000 t/ano de minério de ferro e 50.000 t/ano de manganês. A expectativa inicial do empreendimento era de extrair sete milhões de toneladas de minério em 24 anos de vida útil, com expectativa de um lucro bilionário.

A atuação da HG na região já era motivo de denúncia pela comunidade de Botafogo, que acusava a empresa e a Patrimônio Mineração de fragmentarem seus processos de licenciamento em diferentes superintendências da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM).  A tática, segundo os moradores, visava evitar um estudo de impacto cumulativo, facilitando a aprovação de projetos que, juntos, representam uma ameaça ainda maior ao patrimônio hídrico, histórico e ambiental da região.

*** Continua depois da publicidade ***

Repercussão da operação

A Deputada Estadual Bella Gonçalves (PSOL), da Comissão de Meio Ambiente, discursou hoje na assembleia e lembrou da prisão de 22 pessoas hoje pela Polícia Federal, além das 79 que tiveram medidas de busca e apreensão. A deputada fez questão de apontar a ligação de alguns dos envolvidos com políticos mineiros, como é o caso de Gilberto Henrique Horta de Carvalho, que atuava como lobista do esquema junto à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). De acordo com a Bella, “Gilberto foi assessor do PL, foi coordenador de campanha do Deputado Bruno Engler (PL) e foi apoiado pelo Deputado Nikolas Ferreira (PL) ao CREA MG”.

A deputada Federal, Duda Salabert também destacou o relacionamento entre Gilberto e os políticos de extrema direita, Nikolas Ferreira e Bruno Engler. Além disso, a deputada prometeu a abertura de uma CPI para apurar as irregularidades “Denunciei meses atrás o caso aos ministros Flávio Dino e Lewandowski. Agora, vou pedir a abertura de uma CPI da Máfia das Mineração para expor toda a podridão desse esquema corrupto”, escreveu em seu perfil do X, antigo Twitter.

Já o deputado estadual Professor Cleiton (PV) disse ter alertado para o risco de corrupção no Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) ainda no ano de 2023, quando a ALMG aprovou a reforma administrativa proposta pelo governador Romeu Zema. Para Cleiton, “estamos falando de bilhões de reais em propinas que foram negociados, de projetos que foram alterados, de multas que foram retiradas, de concessões que foram assinadas por agentes públicos mediante negociatas escusas”.

O deputado estadual Leleco Pimentel (PT) apontou o desmonte ambiental do atual governo de Minas Gerais como um dos fatores que possibilitaram o esquema:  “No governo Zema, a facilidade nos licenciamentos ultrapassou tudo”, disse.

Foto de Lui Pereira
Lui Pereira é jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Um cronista do cotidiano marianense.