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Hoje é terça-feira, 2 de setembro de 2025

Conferência rural constrói agenda para fortalecer raízes do campo

Evento debateu desde crédito fundiário e moradia até agroecologia e serviços ambientais em cinco eixos temáticos detalhados.

1ª Conferência Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário no Centro de Convenções de Mariana
1ª Conferência Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário teve a adesão de centenas de produtores rurais no Centro de Convenções - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

O Centro de Convenções de Mariana se transformou nesta segunda (1), em uma grande assembleia do campo. A 1ª Conferência Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário foi um processo político em movimento, um fórum onde produtores rurais, sindicalistas, técnicos agropecuários, gestores públicos e moradores dos distritos se reuniram para discutir os desafios do trabalho rural marianense e costurar propostas concretas. O tema central, “Brasil Rural: Raiz da Vida, Fonte do Bem Viver”, guiou discussões técnicas e políticas que transitaram do acesso à terra até os efeitos das mudanças climáticas na agricultura familiar.

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A atmosfera era de expectativa e reconhecimento. O prefeito Juliano Duarte, em sua fala de abertura, enfatizou a inversão da lógica tradicional de construção de políticas públicas. “Este governo entende que não se desenvolve nada de cima para baixo, sem ouvir quem tá lá na ponta, no dia a dia, que são os produtores rurais, os trabalhadores rurais. A conferência é o lugar de ouvir de vocês, das suas necessidades reais, para que a gente possa, juntos, construir políticas públicas que sejam efetivas e duradouras”, declarou.

Críticas ao êxodo rural e um Ministério "presente"

A palestra do superintendente mineiro do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Antônio Augusto Garcia Veríssimo, o PC, serviu como uma aula magna sobre os desafios nacionais e as ferramentas disponíveis. Ele foi contundente ao fazer a crítica histórica ao modelo de urbanização brasileiro. “Nós expulsamos milhões de pessoas do campo para jogá-las em periferias de cidades despreparadas. Com isso, perdemos cabeças inteligentes, jovens, força de trabalho qualificada para o campo. Precisamos trazer essa gente de volta, mas com dignidade, não com o sofrimento de antigamente”, argumentou.

PC não se limitou ao diagnóstico. Ele detalhou, com precisão de números e prazos, a atuação do MDA junto ao trabalhador rural. O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) foi esmiuçado: valores de até R$ 294 mil, juros de 2,5% a.a. (0,5% para jovens), carência de 3 anos, prazo de 25 anos e a isenção de taxas de cartório. “Minas Gerais é o estado que mais executa o PNCF no país. São mais de 1530 propriedades rurais entregues, e temos 815 propostas em análise apenas neste ano”, disse ao convidar os interessados a buscarem a cartilha do programa.

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Além do crédito, ele destacou o papel do MDA na coordenação do Programa de Transferência de Renda (PTR) na bacia do Rio Doce, um mecanismo de repasse financeiro a produtores rurais que visa a reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, criado com o Novo Acordo de Mariana. O prefeito Juliano Duarte complementou: “Quase 600 produtores de Mariana foram cadastrados no CAF para acessar o PTR. Isso significa um investimento de quase R$ 8 milhões nos próximos quatro anos, um salário-mínimo mensal direto para essas famílias do campo”.

Antônio Augusto Garcia Veríssimo durante a 1ª Conferência rural em Mariana
Antônio Veríssimo, superintendente do MDA, apresentou linhas de financiamento que podem ser acessadas pelos trabalhadores rurais - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

A gestão municipal também apresentou alguns de seus projetos e a presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Mariana, Maria de Fátima de Melo Gomes, anunciou parceria com o SENAR para cursos de apicultura, olericultura, produção de leite e gado de corte, enquanto o prefeito citou a operação da Patrulha Agrícola, que tem realizado aração de terra “no tempo correto, antes das chuvas, e sem limite de horas”, e a distribuição de adubo.

Minha Casa, Minha Vida Rural

A assembleia, um dos pré-requisitos para a instalação do Minha Casa Minha Vida Rural foi realizada em conjunto com a conferência. Na oportunidade, o prefeito relembrou que a solicitação do programa foi feita diretamente ao Presidente Lula, durante visita ocorrida em junho, salientando que Mariana nunca havia tido acesso ao programa.

O secretário de habitação, Tenente Freitas esteve presente ao lado do prefeito Juliano para explicar as regras do Minha Casa, Minha Vida Rural - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Tenente Freitas, Secretário Municipal de Habitação, explicou os critérios de acesso ao programa: renda familiar anual de até R$40 mil, posse do terreno e localização em zona efetivamente rural, conforme o plano diretor. “Atenção: a parte central de Cachoeira do Brumado é considerada urbana. Mas os entornos, como Fundão e Mamonas, são elegíveis”, explicou, detalhando a meta inicial de 100 a 200 unidades habitacionais distribuídas no território municipal. 

Ainda de acordo com Freitas, “este é o primeiro momento, geramos a ata e coletamos as assinaturas exigidas pelo governo federal. A secretaria continuará esta política nos próximos anos”, garantiu o secretário.

Os cinco eixos do debate na conferência

A essência deliberativa da conferência se materializou nos grupos de trabalho organizados em cinco eixos temáticos propostos, cada um com apresentações técnicas que evitaram simplificações.

Eixo 1: Impactos das Mudanças Climáticas e Manejo Sustentável. 

Keitany Borges, estudante de gestão ambiental e filha de agricultores, trouxe a perspectiva da vulnerabilidade. “O agricultor familiar é o primeiro a sentir na produção a chuva que não vem ou que vem em excesso”. Ela defendeu propostas concretas: a adoção de sistemas agroflorestais para recuperação do solo, a proteção de nascentes e a transição energética para fontes limpas, como a solar, para bombear água e alimentar equipamentos, reduzindo custos e aumentando a resiliência.

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Eixo 2: Transformação Agroecológica dos Sistemas Alimentares. 

Gabriela Lima, coordenadora técnica da Emater-MG, foi categórica: “A agroecologia não é só tirar o veneno. É uma ciência para o equilíbrio ambiental, social e cultural”. Ela lembrou que a agricultura familiar responde por 70% dos alimentos no Brasil, mas enfrenta desafios como a concentração fundiária, a desvalorização do produto local e o êxodo de jovens. As propostas giraram em torno de políticas específicas para mulheres e jovens, assistência técnica especializada em agroecologia e o fortalecimento de circuitos curtos de comercialização.

Gabriela Lima, coordenadora técnica da Emater-MG discursa durante conferência
Gabriela Lima, coordenadora técnica da Emater-MG, falou sobre a importância da implantação agroecológica de sistemas alimentares - Foto: Lui Pereira/Agência Primaz

Eixo 3: Reforma Agrária e Promoção do Direito à Terra, à Água e ao Território. 

Anderson de Jesus, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, afirmou em seu discurso: “Se a coisa mais importante para a humanidade é o alimento, por que não valorizamos na mesma proporção quem produz?”. Ele criticou o uso de propriedades rurais como “pátio de lixo” para rejeitos de mineração e esgoto, defendendo a regularização fundiária não apenas como um papel de propriedade, mas como o reconhecimento da dignidade e dos territórios tradicionais.

 

Eixo 4: Cidadania e Bem Viver. 

Neimar Fernando, supervisor de programas, colocou a cidadania como base inegociável. “Sem cidadania plena, todos os desenvolvimentos se perdem”. Ele defendeu a equidade “dar um banquinho maior para quem é menor” e argumentou que acesso básico a transporte, saúde e educação no campo não é um favor, mas um pré-requisito para que inovação e produção sustentável aconteçam.

 

Eixo 5: Papel do Estado, Participação Popular e Políticas Públicas. 

Josimar de Carvalho, subsecretário de Apoio ao Produtor Rural, reforçou o compromisso do Estado como apoiador. “Os principais guardiões da terra são vocês, que estão nela diariamente”. Ele citou programas em andamento, como a Patrulha Mecanizada e o acesso ao PAA e PNAE, e fez um anúncio muito aguardado pelos produtores: a minuta de um projeto de lei municipal para instituir o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que, caso aprovado pela câmara, remuneraria financeiramente os produtores que protegem e conservam nascentes e matas ciliares.

Encaminhamentos da conferência

O ápice do caráter deliberativo foi a eleição dos delegados que levarão as propostas detalhadas de Mariana para a Conferência Estadual, prevista para acontecer entre 5 e 7 de dezembro em Jaboticatubas. Foram eleitos os titulares: Julieta Silva Teixeira Fernandes, Victor Henrique Duarte Maia e Nayara Aniele Fraga Paulino, e os suplentes: Gislene Aparecida dos Santos, Daiane Cristina de Paula Estanislau e Irma de Souza Maia.

A expectativa é que o evento estadual (organizado pelo MDA diante da não adesão do governo de Minas), seja o maior da história, com até 1200 delegados debatendo o futuro do campo mineiro.

Ao final, a conferência cumpriu seu papel de gerar um documento vivo, um plano de ação que parte do municipal para influenciar o estadual e o federal. Como resumiu PC, do MDA, “Este é um momento histórico de construção da retomada. É a chance de usar essa abertura para construir, de fato, um novo tempo no campo”. O desafio, agora, é fazer com que as sementes plantadas naquele dia encontrem solo fértil para florescer em políticas transformadoras.

Foto de Lui Pereira
Jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Cronista do cotidiano marianense.