- Mariana
Conferência rural constrói agenda para fortalecer raízes do campo
Evento debateu desde crédito fundiário e moradia até agroecologia e serviços ambientais em cinco eixos temáticos detalhados.

O Centro de Convenções de Mariana se transformou nesta segunda (1), em uma grande assembleia do campo. A 1ª Conferência Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário foi um processo político em movimento, um fórum onde produtores rurais, sindicalistas, técnicos agropecuários, gestores públicos e moradores dos distritos se reuniram para discutir os desafios do trabalho rural marianense e costurar propostas concretas. O tema central, “Brasil Rural: Raiz da Vida, Fonte do Bem Viver”, guiou discussões técnicas e políticas que transitaram do acesso à terra até os efeitos das mudanças climáticas na agricultura familiar.
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A atmosfera era de expectativa e reconhecimento. O prefeito Juliano Duarte, em sua fala de abertura, enfatizou a inversão da lógica tradicional de construção de políticas públicas. “Este governo entende que não se desenvolve nada de cima para baixo, sem ouvir quem tá lá na ponta, no dia a dia, que são os produtores rurais, os trabalhadores rurais. A conferência é o lugar de ouvir de vocês, das suas necessidades reais, para que a gente possa, juntos, construir políticas públicas que sejam efetivas e duradouras”, declarou.
Críticas ao êxodo rural e um Ministério "presente"
A palestra do superintendente mineiro do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Antônio Augusto Garcia Veríssimo, o PC, serviu como uma aula magna sobre os desafios nacionais e as ferramentas disponíveis. Ele foi contundente ao fazer a crítica histórica ao modelo de urbanização brasileiro. “Nós expulsamos milhões de pessoas do campo para jogá-las em periferias de cidades despreparadas. Com isso, perdemos cabeças inteligentes, jovens, força de trabalho qualificada para o campo. Precisamos trazer essa gente de volta, mas com dignidade, não com o sofrimento de antigamente”, argumentou.
PC não se limitou ao diagnóstico. Ele detalhou, com precisão de números e prazos, a atuação do MDA junto ao trabalhador rural. O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) foi esmiuçado: valores de até R$ 294 mil, juros de 2,5% a.a. (0,5% para jovens), carência de 3 anos, prazo de 25 anos e a isenção de taxas de cartório. “Minas Gerais é o estado que mais executa o PNCF no país. São mais de 1530 propriedades rurais entregues, e temos 815 propostas em análise apenas neste ano”, disse ao convidar os interessados a buscarem a cartilha do programa.
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Além do crédito, ele destacou o papel do MDA na coordenação do Programa de Transferência de Renda (PTR) na bacia do Rio Doce, um mecanismo de repasse financeiro a produtores rurais que visa a reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, criado com o Novo Acordo de Mariana. O prefeito Juliano Duarte complementou: “Quase 600 produtores de Mariana foram cadastrados no CAF para acessar o PTR. Isso significa um investimento de quase R$ 8 milhões nos próximos quatro anos, um salário-mínimo mensal direto para essas famílias do campo”.

A gestão municipal também apresentou alguns de seus projetos e a presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Mariana, Maria de Fátima de Melo Gomes, anunciou parceria com o SENAR para cursos de apicultura, olericultura, produção de leite e gado de corte, enquanto o prefeito citou a operação da Patrulha Agrícola, que tem realizado aração de terra “no tempo correto, antes das chuvas, e sem limite de horas”, e a distribuição de adubo.
Minha Casa, Minha Vida Rural
A assembleia, um dos pré-requisitos para a instalação do Minha Casa Minha Vida Rural foi realizada em conjunto com a conferência. Na oportunidade, o prefeito relembrou que a solicitação do programa foi feita diretamente ao Presidente Lula, durante visita ocorrida em junho, salientando que Mariana nunca havia tido acesso ao programa.

Tenente Freitas, Secretário Municipal de Habitação, explicou os critérios de acesso ao programa: renda familiar anual de até R$40 mil, posse do terreno e localização em zona efetivamente rural, conforme o plano diretor. “Atenção: a parte central de Cachoeira do Brumado é considerada urbana. Mas os entornos, como Fundão e Mamonas, são elegíveis”, explicou, detalhando a meta inicial de 100 a 200 unidades habitacionais distribuídas no território municipal.
Ainda de acordo com Freitas, “este é o primeiro momento, geramos a ata e coletamos as assinaturas exigidas pelo governo federal. A secretaria continuará esta política nos próximos anos”, garantiu o secretário.
Os cinco eixos do debate na conferência
A essência deliberativa da conferência se materializou nos grupos de trabalho organizados em cinco eixos temáticos propostos, cada um com apresentações técnicas que evitaram simplificações.
Eixo 1: Impactos das Mudanças Climáticas e Manejo Sustentável.
Keitany Borges, estudante de gestão ambiental e filha de agricultores, trouxe a perspectiva da vulnerabilidade. “O agricultor familiar é o primeiro a sentir na produção a chuva que não vem ou que vem em excesso”. Ela defendeu propostas concretas: a adoção de sistemas agroflorestais para recuperação do solo, a proteção de nascentes e a transição energética para fontes limpas, como a solar, para bombear água e alimentar equipamentos, reduzindo custos e aumentando a resiliência.
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Eixo 2: Transformação Agroecológica dos Sistemas Alimentares.
Gabriela Lima, coordenadora técnica da Emater-MG, foi categórica: “A agroecologia não é só tirar o veneno. É uma ciência para o equilíbrio ambiental, social e cultural”. Ela lembrou que a agricultura familiar responde por 70% dos alimentos no Brasil, mas enfrenta desafios como a concentração fundiária, a desvalorização do produto local e o êxodo de jovens. As propostas giraram em torno de políticas específicas para mulheres e jovens, assistência técnica especializada em agroecologia e o fortalecimento de circuitos curtos de comercialização.

Eixo 3: Reforma Agrária e Promoção do Direito à Terra, à Água e ao Território.
Anderson de Jesus, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, afirmou em seu discurso: “Se a coisa mais importante para a humanidade é o alimento, por que não valorizamos na mesma proporção quem produz?”. Ele criticou o uso de propriedades rurais como “pátio de lixo” para rejeitos de mineração e esgoto, defendendo a regularização fundiária não apenas como um papel de propriedade, mas como o reconhecimento da dignidade e dos territórios tradicionais.
Eixo 4: Cidadania e Bem Viver.
Neimar Fernando, supervisor de programas, colocou a cidadania como base inegociável. “Sem cidadania plena, todos os desenvolvimentos se perdem”. Ele defendeu a equidade “dar um banquinho maior para quem é menor” e argumentou que acesso básico a transporte, saúde e educação no campo não é um favor, mas um pré-requisito para que inovação e produção sustentável aconteçam.
Eixo 5: Papel do Estado, Participação Popular e Políticas Públicas.
Josimar de Carvalho, subsecretário de Apoio ao Produtor Rural, reforçou o compromisso do Estado como apoiador. “Os principais guardiões da terra são vocês, que estão nela diariamente”. Ele citou programas em andamento, como a Patrulha Mecanizada e o acesso ao PAA e PNAE, e fez um anúncio muito aguardado pelos produtores: a minuta de um projeto de lei municipal para instituir o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que, caso aprovado pela câmara, remuneraria financeiramente os produtores que protegem e conservam nascentes e matas ciliares.
Encaminhamentos da conferência
O ápice do caráter deliberativo foi a eleição dos delegados que levarão as propostas detalhadas de Mariana para a Conferência Estadual, prevista para acontecer entre 5 e 7 de dezembro em Jaboticatubas. Foram eleitos os titulares: Julieta Silva Teixeira Fernandes, Victor Henrique Duarte Maia e Nayara Aniele Fraga Paulino, e os suplentes: Gislene Aparecida dos Santos, Daiane Cristina de Paula Estanislau e Irma de Souza Maia.
A expectativa é que o evento estadual (organizado pelo MDA diante da não adesão do governo de Minas), seja o maior da história, com até 1200 delegados debatendo o futuro do campo mineiro.
Ao final, a conferência cumpriu seu papel de gerar um documento vivo, um plano de ação que parte do municipal para influenciar o estadual e o federal. Como resumiu PC, do MDA, “Este é um momento histórico de construção da retomada. É a chance de usar essa abertura para construir, de fato, um novo tempo no campo”. O desafio, agora, é fazer com que as sementes plantadas naquele dia encontrem solo fértil para florescer em políticas transformadoras.