- Mariana
Sindicância do caso UPA São Pedro ainda não foi instaurada
Desligamento do médico, acusado de suposta negligência, foi decidido pelo prefeito no dia seguinte ao óbito do paciente, no Hospital Monsenhor Horta

A Agência Primaz, procurou o Controlador Geral do município, para saber as razões da não publicação da instauração de comissão de sindicância relacionada ao episódio ocorrido na UPA São Pedro, no final de julho. Também foi ouvida a Secretaria Municipal de Saúde, os diretores médico e técnico da Unidade de Pronto Atendimento, e a viúva de Wellington Gonçalves Magalhães, buscando elucidar as circunstâncias da morte, aos 40 anos, do motorista de caminhão que deu entrada na UPA no início da sexta-feira (25 de julho), teve indicação de medicação e internação por leucemia aguda, mas permaneceu um longo tempo sem assistência médica, sendo transferido para o Hospital Monsenhor Horta, no sábado (26), onde foi constatado um quadro de AVC hemorrágico, conduzindo ao óbito na noite de domingo (27).
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Sintomas anteriores à internação na UPA São Pedro
Cláudia Elias, companheira de Wellington Magalhães, declarou à reportagem da Agência Primaz, que ele vinha apresentando um quadro de manchas roxas pelo corpo, tendo sido examinado na Unidade Básica de Saúde, aproximadamente 10 dias antes da internação na Unidade de Pronto Atendimento Olímpio Pimenta Santos, conhecida como UPA São Pedro. Na ocasião, o médico solicitou exames que, segundo Cláudia Elias seriam inicialmente feitos via SUS, mas acabaram sendo feitos em um laboratório particular, devido à demora da autorização.
Na sexta-feira (25) ao sair do trabalho, Wellington estava sentindo dores de garganta, bem como no céu da boca e na parte interna das bochechas. Depois de encerrado o expediente como motorista do caminhão Cata-Treco, de acordo com o relato de Cláudia à Agência Primaz, seu companheiro foi atendido na UPA São Pedro, por volta das 16h30, tendo seu problema bucal sido diagnosticado como afta, com a recomendação de usar uma pomada específica.
Já em casa, continua Cláudia, “ele [Wellington] continuou se queixando de dores na boca e na garganta, quando fui olhar, as bochechas, o céu da boca e as gengivas estavam escuras, com a cor parecida com a de sangue ressecado”, o que a fez convencer o companheiro a buscar novo atendimento.
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Reconstituição da passagem de Wellington pela UPA

De acordo com a nota encaminhada pela Secretaria de Saúde, em resposta a questionamentos da Agência Primaz à secretária Marilene Romão Gonçalves, Wellington Magalhães deu entrada na UPA às 19:55 do dia 25 de julho, e foi atendido “pelo médico plantonista da porta às 20:03, no qual realizou exames laboratoriais e, posteriormente aos resultados, encaminhou o referido paciente para internação com prescrição medicamentosa conforme critério clínico único adotado no momento”. A nota informa, ainda, que o “paciente foi cadastrado no sistema de transferência hospitalar, SUSFÁCIL, às 01:48 da madrugada pelo plantonista do atendimento inicial”.
Segundo Cláudia Elias, foi aí que começou o calvário de seu companheiro, uma vez que nenhum médico verificou o estado de saúde dele, a despeito das várias ocasiões que abordou a enfermeira, solicitando ajuda e atendimento. Em uma dessas ocasiões, por volta das 5h da manhã, Wellington apresentou um constante sangramento na boca, mas conseguiu ir ao banheiro cuspir, enquanto Cláudia foi procurar a enfermeira. “A enfermeira veio, olhou rapidamente a boca dele e, não vendo mais uma quantidade grande de sangue, disse que o caso poderia esperar o médico finalizar um outro atendimento”, afirmou Cláudia.
A situação não se alterou nem mesmo quando houve a troca de turno do pessoal técnico (medicina e enfermagem), às 7h da manhã de sábado (27), com insistentes pedidos de Cláudia para que seu companheiro fosse socorrido, sempre recebendo como resposta que isso aconteceria após terminarem os atendimentos no setor de emergência da UPA. Somente por volta das 9h, segundo Cláudia, a médica do turno fez uma avaliação preliminar do estado de Wellington, mas informou que primeiro precisaria finalizar o atendimento a três emergências na “sala vermelha”.
Aproximadamente uma hora depois, Cláudia ajudou Wellington a ir ao banheiro, onde ele sofreu um desmaio e caiu. “Eu sou miúda e ele era grande, aí eu não consegui levar ele de volta pra cama”. Desesperada por ajuda, Cláudia disse que foi em busca das enfermeiras, que “estavam tomando sol” e só conseguiu colocar seu companheiro de volta na cama com a ajuda do acompanhante de um dos pacientes que estava na internação da UPA. Foi aí que, percebendo a gravidade do caso, a médica determinou a transferência de um dos pacientes que estavam na sala vermelha, dedicando mais atenção a Wellington.
Ainda segundo o relato de Cláudia, houve, a seu pedido, a interferência do vereador Ronaldo Bento (PSDB) e, pouco depois de meio-dia, foi conseguida a transferência de Wellington para o Hospital Monsenhor Horta.
Na nota encaminhada à Agência Primaz, a Secretaria de Saúde informou que, “de forma indevida, não houve a reavaliação pelo médico responsável pelos pacientes internados, o que contraria os protocolos assistenciais vigentes. Tal conduta é veementemente repudiada por esta Secretaria e pela direção técnica da unidade”.
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Relatos dos diretores técnico e médico da UPA


“Assim que tomou ciência dos fatos a diretoria médica da UPA, interveio, assegurando o encaminhamento do paciente para o Hospital Monsenhor Horta, que ocorreu às 12:30h do dia 26/07/2025, onde foram realizados os exames complementares e instituídas as condutas terapêuticas de maior complexidade”, diz um trecho da nota da Secretaria de Saúde.
De acordo com o diretor médico da UPA, Dr. Adriano Quatorze Voltas, a comunicação da gravidade da situação do paciente chegou até ele por telefone, ocasião em que, ainda por telefone começou a fazer contatos para conseguir a transferência para o Hospital Monsenhor Horta, tendo em vista a necessidade, relatada pela médica, de realização de uma tomografia.
Dr. Antônio Azzi, diretor técnico da UPA e, à época, ocupando o mesmo cargo no Hospital Monsenhor Horta (HMS), afirmou que estava no bloco cirúrgico quando foi acionado pela médica de plantão na UPA, recebendo a informação da necessidade de transferência e de realização do exame. “Quando eu fiquei sabendo desse paciente eu estava no bloco cirúrgico do hospital, eu estava anestesiando. (…) A médica me falou que o paciente estava em estado grave e piorando”, relembra Azzi, relatando que foi procurar saber sobre a existência de vaga na unidade de tratamento semi-intensivo. “Acontece que a semi-intensiva estava praticamente cheia, mas nós tínhamos uma vaga e eu determinei que ela não fosse ocupada para dar prioridade a ele [paciente transferido da UPA]”.
O diretor técnico do HMS relatou que, só tomou conhecimento real do estado clínico de Wellington quando ele chegou para fazer a tomografia, demonstrando muita agitação e já em estado de confusão mental. “Não vi [o paciente] lá na UPA. Eu vi já na tomografia, já muito grave, confuso, agitado, extremamente agitado”, o que dificultava a realização do exame.
A situação foi relatada por Antônio Azzi à família (companheira e cunhada), informando a necessidade de intubação: “Ele não tem condições de fazer a tomografia agora, porque ele está agitado, confuso, e ele não fica quieto ali na maca. Nós vamos entubar ele”. O médico explicou que Wellington chegou ao HMS com uma pontuação extremamente preocupante na avaliação da Escala de Coma de Glasgow (ECG). “Ele chegou lá com um Glasgow 3. Glasgow é uma escala neurológica que a gente tem, ele vai de 15 até zero. Três é um quadro grave já”, explica.
Em termos de resultados de exames, Azzi esclarece que a situação já era extremamente grave, do ponto de vista neurológico, quando houve a transferência. “Ele chegou lá [no HMS] com os exames de uma leucocitose de 180 mil leucócitos. O normal de leucócitos é 10 mil e ele chegou com 180 mil. Ele chegou com 18 mil de plaquetas, mas o normal é de 150 mil a 350 mil. Quando eu vi o exame dele, eu falei, isso aqui é uma leucemia, ele ‘tá’ grave”, explicou.
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Antônio Azzi lembra que, conversando com a cunhada de Wellington Magalhães, foi informado que ele havia feito exames em um laboratório particular, pedidos pelo médico da Unidade Básica de Saúde (UBS) de Passagem, mas que os resultados ainda não haviam sido entregues à família. Entretanto, pela internet, foi possível acessar os resultados, que indicavam, já no dia 23 ou 24, uma contagem de leucócitos de 34 mil.
Devido ao estado do paciente, conta Antônio Azzi, foi necessário ministrar sedação e fazer intubação, de modo que fosse possível realizar a tomografia computadorizada. “Nós entubamos, estabilizamos, e aí ele foi para a tomografia. Quando eu fui na tomografia, vi que deu uma quantidade de sangue enorme no crânio dele, era uma coisa extremamente grave a quantidade. Estava com desvio da linha média e efeito de massa, ou seja, o sangue estava empurrando o cérebro dele para um dos lados”, relatou.
A partir daí, de acordo com Azzi, o procedimento foi o padrão em função do estado do paciente e dos resultados dos exames, com aumento da sedação para diminuir a pressão no cérebro e evitar uma hipertensão intracraniana, promovendo-se, em seguida, o cadastramento do paciente para uma vaga em um hospital que disponha de leitos de UTI.
“No domingo eu fui vê-lo, eu fui lá no hospital, e ele já estava mais grave ainda, já com drogas bem altas para manter a pressão”, relata Antônio Azzi, lembrando que não foi conseguida a vaga de UTI, e ressaltando que a situação de Wellington era tão crítica, a ponto de nem ser recomendável a remoção, devido ao alto risco de o paciente ficar instável.
De acordo com a família, o óbito aconteceu às 22h do domingo, 27 de julho, constando como causa mortis “choque hipovolêmico [perda significativa de sangue] e leucemia aguda”.
Situação um mês depois da ocorrência

Na manhã da segunda-feira, 28 de julho, o prefeito Juliano Duarte (PSB) fez um pronunciamento divulgado em seu perfil no Instagram, afirmando ter sido informado do falecimento de Wellington Magalhães e ter determinado a demissão imediata do médico envolvido e a abertura de procedimentos para apuração de responsabilidades. “Quero dizer para a família que tomamos medidas de imediato ao ter conhecimento do fato. Este médico hoje não faz mais parte do quadro da Prefeitura Municipal de Mariana. Ele foi desligado e, além de ser desligado, nós vamos abrir um processo administrativo para avaliação das suas condutas e, consequentemente, resultados que transcorreram no atendimento”, declarou Juliano.
Coube a Antônio Azzi, na condição de diretor técnico da UPA, formalizar a demissão do médico, após ter recebido, do Dr. Adriano Quatorze Voltas, diretor médico da UPA, a informação de que esta era uma determinação do prefeito e que, por telefone, já havia adiantado a situação ao envolvido. Procurado pela reportagem da Agência Primaz, Adriano afirmou que o médico não forneceu nenhuma explicação para o caso. Em função disso, a Agência Primaz solicitou que o diretor médico enviasse mensagem ao envolvido, pedindo que fizesse contato com a redação, mas isso não aconteceu até o momento.
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Na nota encaminhada à Agência Primaz, a Secretaria de Saúde informa que “é fundamental esclarecer que a conduta omissiva relatada não condiz com os princípios da política de humanização e qualidade adotada pela Secretaria Municipal de Saúde, tampouco com os padrões exigidos na assistência em nossa rede de urgência e emergência, por esse motivo o profissional foi afastado de suas atividades nesta unidade imediatamente”, reiterando o compromisso da administração municipal com as melhores práticas adotadas nos procedimentos assistenciais, e assegurando que todas as falhas eventualmente identificadas vão ser objeto de apuração “com seriedade, responsabilidade e transparência”.
Nesse sentido, finaliza a nota, “condutas individuais que se afastem dos valores e diretrizes da nossa política de saúde não serão toleradas e serão sempre alvo de investigação e responsabilização. Seguimos firmes no propósito de garantir à população de Mariana um atendimento digno, ético e comprometido com a vida, enfrentando eventuais adversidades com trabalho, seriedade e honestidade”.
Entretanto, um mês após o ocorrido, ainda não foi publicada a portaria de instauração de uma comissão de sindicância, que é procedimento administrativo, de caráter preliminar, que serve para investigar fatos que podem resultar em punições como advertência ou suspensão de até 30 dias, ou para identificar a necessidade de instauração de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para casos mais graves.
A reportagem da Agência Primaz questionou o Chefe da Controladoria geral do município, Danilo Brito, sobre a não publicação da portaria. Em resposta, o controlador informou que seu setor recebeu a notificação da Secretaria de Saúde, acompanhada do pedido de instauração de sindicância, mas foram solicitadas informações adicionais à Secretaria de Saúde. Tão logo essas informações cheguem às suas mãos, garantiu Danilo, as providências cabíveis serão tomadas.
Reestruturação na UPA São Pedro

Aproximadamente uma semana depois do falecimento de Wellington Magalhães, mas precisamente no dia 06 de agosto, foi feita uma postagem no perfil oficial da Prefeitura de Mariana no Instagram, anunciando a realização de treinamento da equipe da Secretaria de Saúde, presumivelmente no final de semana anterior, com o seguinte texto.
“Uma nova fase de reestruturação na UPA São Pedro!
Todos os fluxos de atendimento serão revisados e aprimorados, com foco na qualidade, humanização e eficiência dos serviços.
Para isso, toda a equipe da Secretaria Municipal de Saúde está passando por uma série de capacitações com o objetivo de melhorar os atendimentos.
A reestruturação contará com o apoio técnico do Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS), referência nacional em gestão hospitalar, e será construída em conjunto com as equipes da unidade.
Mais compromisso e cuidado com você!”
Dois dias antes, entretanto, no perfil do prefeito Juliano Duarte, já havia sido publicado um vídeo mostrando a realização de uma reunião, no Gabinete do Prefeito, para alinhamento das ações junto ao INTS, relacionada à reestruturação na UPA São Pedro. Com o título “COMPROMISSO COM A SAÚDE”, o texto da publicação informava que “vamos revisar e aprimorar todos os fluxos de atendimento da nossa UPA. Isso inclui desde os protocolos assistenciais, administrativos e operacionais até a capacitação contínua das equipes. Teremos um plano de ação firme e humanizado. Teremos novas comissões técnicas e todo trabalho será construído com o apoio do INTS, uma das maiores instituições de gestão hospitalar do país”, finalizando com o compromisso do chefe do Poder executivo de estar presente e acompanhar de perto a implementação das medidas de reestruturação.
No dia 07 de agosto, a reportagem da Agência Primaz encaminhou à Secretaria de Saúde questionamentos a respeito da não publicação da portaria de instauração da comissão de sindicância e se a reestruturação na UPA São Pedro já estava nos planos, ou se seria decorrência do caso de Wellington Magalhães. Entretanto, até o momento da publicação desta reportagem, nenhuma resposta havia sido encaminhada à redação.
