Notícias de Mariana, Ouro Preto e região

Hoje é sexta-feira, 25 de julho de 2025

Vice-prefeita Sônia Azzi processa quase toda cúpula política marianense

Sônia Azzi, em ato sem precedentes, aciona a Justiça para anular lei de subsídios aprovada após pleito, em meio a protestos, disputas jurídicas e acusações de hipocrisia, com forte histórico de oposição aos reajustes.

Prefeito e vice-prefeita de Mariana, Sônia Azzi em frente às bandeiras de seus respectivos partidos
Vice-prefeita Sônia Azzi entra com ação contra Prefeito Juliano Duarte, vereadores e secretários por subsídios - Foto: Divulgação

Um terremoto político de proporções raras abala Mariana. A vice-prefeita Sônia Azzi protocolou na tarde de terça (22), na 1ª Vara Cível da Comarca de Mariana a Ação Popular com pedido liminar nº 5002981-67.2025.8.13.0400, em um movimento que desafia e coloca como réus praticamente toda a estrutura de poder do município. A ação, carregada de simbolismo e ineditismo, mira o que a autora classifica como um grave atentado ao patrimônio público e à moralidade administrativa.

*** Continua depois da publicidade ***
***

No epicentro da contenda está a Lei Municipal nº 3.818/2024, que fixou os subsídios do prefeito, vice-prefeita e secretários municipais para o quadriênio 2025/2028. Sônia Azzi alega que essa lei, aprovada e sancionada em 02 de dezembro de 2024, quase dois meses após as eleições municipais, viola frontalmente a Lei Orgânica do Município e o Regimento Interno da Câmara Municipal.

Ambas as normativas, ressalta a ação, exigem que a fixação dos subsídios ocorra “até a última sessão antes das eleições municipais”, uma medida pensada para garantir a impessoalidade e evitar que os próprios eleitos definam seus salários já conhecendo o resultado das urnas. A Ação Popular argumenta ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal e os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade foram flagrantemente desrespeitados.

A lista dos réus

A amplitude da ação da vice-prefeita é notável, transformando o caso em um marco na política local. No polo passivo, figuram:

  • O Município de Mariana e a Câmara Municipal de Mariana, como entes públicos cujo patrimônio se busca proteger.
  • O ex-prefeito Celso Cota Neto, por ter sancionado a lei.
  • O atual prefeito Juliano Vasconcelos Gonçalves, como beneficiário direto do aumento e gestor que deve efetuar os pagamentos.
  • Diversos vereadores que compuseram a legislatura 2021/2024 e votaram favoravelmente ao projeto: João Bosco de Freitas, Ediraldo Arlindo de Freitas Ramos, Fernando Sampaio de Castro, José Sales de Souza, Marcelo Monteiro Macedo, Maurício Antônio Borges Andrade e Silva, Manoel Douglas Soares Oliveira, José Antunes Vieira.
  • Dois ex-vereadores da mesma legislatura: Ricardo de Miranda Thomaz e Adimar José Cota.
  • A extensa lista de secretários municipais, também beneficiários diretos dos novos subsídios: Arlinda Gonçalves Coelho (Administração), Marilene Romão Gonçalves (Saúde), Pedro Mol Leite (Diversificação Econômica, Tecnologia e Inovação), Juliano Magno Barbosa (Assistência Social), Bruno Freitas (Esporte), Edvaldo Andrade (Governo), Alexandre Augusto Carneiro (Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Proteção Animal), Marlon Figueiredo (Planejamento, Fazenda e Governança), Marcos Eduardo Batista (Patrimônio Cultural e Turismo), Fabrício Nepomuceno Bicalho Santos (Educação), Fabiano Xavier Gomes (Transporte), Duarte Gonçalves (Desenvolvimento Rural), Ramon Magalhães (Segurança Pública), Danilo Brito (Controladoria Geral), André Belico (Obras e Planejamento), e Ronaldo Camelo (Serviço Autônomo de Água e Esgoto).

Ver Mais

Inscreva-se no nosso canal de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.

A conturbada votação dos subsídios

A decisão de Sônia Azzi não é um evento isolado, mas o ápice de um processo legislativo conturbado e marcado por contestações. O debate público começou na reunião ordinária da Câmara Municipal de 16 de setembro de 2024, na pauta o aumento dos subsídios para o quadriênio seguinte. A sessão foi marcada por intensos protestos, quando aproximadamente 30 pessoas compareceram ao plenário para reprovar a iniciativa.

A principal reclamação era a indignação com a proposta de aumento dos subsídios dos agentes políticos (prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e vereadores). Alertados sobre a inclusão do assunto em pauta via mídia local e redes sociais, os manifestantes acompanharam a reunião com desaprovação evidente.

Sem conseguir se manifestarem formalmente durante a sessão, os presentes puxaram o coro “Fora todos”, direcionado aos vereadores, no saguão do prédio da Câmara, em um claro sinal de repúdio geral à medida. Esse forte movimento popular resultou na suspensão da reunião e na retirada das proposições de pauta.

*** Continua depois da publicidade ***

Naquela ocasião, foram apresentados os projetos que propunham:

  • O Projeto de Resolução nº 07/2024 (posteriormente nº 06/2024), de autoria da Mesa Diretora da Câmara (composta pelos vereadores Edson Agostinho de Castro, presidente; Fernando Sampaio de Castro, vice-presidente; e Manoel Douglas Soares, primeiro secretário): este projeto visava que o subsídio dos vereadores passasse de R$12.258,11 para R$13.202,55. Esse valor representava um aumento de 7,7% e atingiria o teto constitucional de 40% do subsídio dos deputados estaduais, considerando a população de Mariana.

 

  • O Projeto de Lei nº 100/2024, de autoria do então prefeito Celso Cota (PSDB): estabelecia que o Prefeito passaria a receber R$30 mil, o Vice-Prefeito R$24 mil e os Secretários R$18 mil, em valores brutos. Esses aumentos correspondiam a 8,14% (prefeito), 73,03% (vice-prefeito) e 62,22% (secretários).

 

O vereador Fernando Sampaio justificou os valores alegando que seriam próximos aos praticados em “cidades vizinhas” e que os subsídios de prefeito e vice não eram reajustados desde janeiro de 2021. Já o vereador Manoel Douglas (PV), um dos signatários do Projeto de Lei nº 100/2024, alegou ter assinado o documento “por engano”, junto com outros papéis, e pediu a retirada de sua assinatura por não ter sido consultado sobre a matéria.

Com a oposição popular e da suspensão da reunião, os projetos não foram pautados nas sessões seguintes que antecediam as eleições municipais (23 e 30 de setembro, e 04 de outubro). O assunto só retornou ao plenário na reunião de 02 de dezembro, e, de forma notável, sem que a votação estivesse incluída na pauta oficial.

Quase 30 pessoas protestaram contra a iniciativa de reajuste dos subsídios
A reunião do dia 16 de setembro de 2024 foi marcada por protestos e o aumento foi retirado da pauta - Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Nesse momento crucial, a postura da até então vereadora Sônia Azzi (Republicanos) foi de consistente oposição. Juntamente com Pedrinho Salete (PSDB) e Ronaldo Bento (PSDB), votou contra os reajustes. O vereador Pedrinho Salete reforçou sua argumentação, citando seu “entendimento da Lei Orgânica do Município, artigo 84 e do artigo 98 do Regimento Interno” e defendeu que “esse projeto, mesmo protocolado antes das eleições, ele teria, na minha opinião, ter sido votado antes”.

Apesar dos votos contrários, o Projeto de Resolução nº 06/2024 (vereadores) foi aprovado. Em seguida, o Projeto de Lei nº 100/2024 (prefeito, vice e secretários) também foi aprovado. Uma emenda proposta pela Comissão de Finanças, Legislação e Justiça (Manoel Douglas, Zezinho Salete e José Sales) alterou os valores finais: o subsídio do Prefeito foi mantido em R$30.000,00, o da Vice-Prefeita foi reduzido para R$13.870,47 (abaixo da proposta inicial de R$24 mil), e o dos Secretários foi fixado em R$15.000,00 (divergindo da proposta inicial de R$18 mil).

Na ocasião, o procurador jurídico da câmara, Corjesu Quirino, defendeu a legalidade do processo, argumentando que a “fixação dos valores” ocorreu “por ocasião da leitura do projeto de resolução, em plenário, na reunião ordinária realizada em 16 de setembro”.

Os motivos da ação e a "incoerência" dos novos valores

A vice-prefeita fundamenta sua Ação Popular na alegação de um “expressivo aumento” dos vencimentos, o que configuraria lesão ao patrimônio público, ferindo a moralidade administrativa. Ela compara os novos valores com os da Lei Municipal nº 3.371/2020 (quadriênio 2021/2024), que previa R$ 22.898,00 (Prefeito), R$ 11.449,00 (Vice-Prefeito) e R$ 9.159,20 (Secretário).

Para Sônia Azzi, a mais “excêntrica” das incoerências é a “gritante desproporcionalidade” nos novos subsídios, onde o Vice-Prefeito passaria a receber menos de 50% do valor do Prefeito e, de forma ainda mais inusitada, menos do que os Secretários Municipais.

“Completa incoerência e falta de razoabilidade”, afirma a Ação Popular, destacando que leis anteriores mantinham uma proporção mais equilibrada. Além disso, Sônia Azzi aponta que o aumento de despesas com pessoal deveria ter sido acompanhado de estimativa de impacto orçamentário-financeiro e declaração de adequação orçamentária, conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal, exigências que, segundo ela, não foram cumpridas.

Críticas e acusações agitam o cenário político

A ação da vice-prefeita, contudo, não passa impune de fortes ataques. O candidato derrotado nas últimas eleições, Roberto Rodrigues (PL), emitiu uma nota dura, onde acusa Sônia Azzi de hipocrisia e interesse financeiro. “Acabou a lua de mel e a hipocrisia! Não se passaram 7 meses e a vice-prefeita confessa que está na política por dinheiro”, disparou Roberto. Na nota, o candidato ainda sugere que a Ação Popular teria como objetivo principal “recompor seu salário ou anular o aumento do salário dos outros”, insinuando uma motivação pessoal por trás da defesa do patrimônio público.

Rodrigues também explorou o histórico da vice-prefeita, lembrando que, quando vereadora, ela “pregava ‘não preciso de dinheiro, sou contra o aumento'”. Essa declaração, segundo ele, expõe uma contradição. Roberto afirma que os réus que aprovaram o aumento para os secretários “acreditaram na demagogia do discurso de plenário da vereadora à época”, e agora se veem como alvo de sua própria ação, em uma reviravolta que evidencia uma profunda disputa política e de narrativas.

Os pedidos da vice-prefeita: anulação, restituição e responsabilização

Os pedidos da vice-prefeita na Ação Popular são abrangentes e visam não apenas cessar os supostos prejuízos, mas também reverter os efeitos da lei questionada, buscando uma responsabilização financeira:

 

  • Pedido Liminar (Urgente): A Autora solicita a concessão de uma tutela de urgência para que o município cesse imediatamente o pagamento dos subsídios com base na Lei Municipal nº 3.818/2024 e realize os pagamentos com base na lei anterior (Lei Municipal nº 3.371/2020), sob pena de multa diária por descumprimento. A urgência se justifica pela alegação de inconstitucionalidade e pelos prejuízos financeiros contínuos ao erário.

 

  • Pedidos Finais (de Mérito): No mérito da ação, Sônia Azzi requer:
    • A confirmação da liminar concedida.
    • O reconhecimento incidental da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.818/2024 e a anulação de todos os atos praticados com base nela.
    • A determinação definitiva de que os pagamentos dos subsídios sejam feitos com base na Lei Municipal nº 3.371/2020.
    • A condenação de todos os Réus à devolução das quantias indevidamente recebidas desde janeiro de 2025, cujos valores deverão ser apurados em liquidação de sentença.
    • A citação, por edital, de eventuais outros beneficiários da Lei Municipal nº 3.818/2024.
    • A condenação dos Réus ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

 

A audaciosa ação de Sônia Maria Loth Marton Azzi contra praticamente toda a estrutura administrativa e legislativa de Mariana, somada ao histórico de protestos e contestações sobre a votação dos subsídios, reflete um profundo cisma e uma disputa acirrada que promete agitar os próximos meses na política de Mariana.

Nossa reportagem tentou ouvir a vice-prefeita, Sônia Azzi, o Prefeito Juliano Duarte e o procurador da câmara municipal, Curjesu Quirino. Até o momento, sem sucesso.

ATUALIZAÇÃO:

Após a publicação da reportagem, o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), partido da outra chapa que saiu derrotada nas eleições e que esteve entre os responsáveis pelos protestos de setembro de 2024, também se manifestou sobre o caso. Em posicionamento enviado à reportagem, o partido reforçou sua linha ideológica e as críticas aos reajustes: “Nós do PSTU sempre defendemos que políticos devem receber como uma professora da educação básica ou um operário especializado. Não um salário acima da realidade dos trabalhadores que constroem a cidade e que coloquem os políticos acima deles, como se o fazer político fosse coisa de ‘iluminados’.”

O PSTU também traçou um paralelo entre o aumento dos subsídios e a situação dos servidores públicos, evidenciando a percepção de uma dualidade na gestão municipal: “Por isso, não só em 2024, mas sempre estivemos juntos na denúncia dos aumentos absurdos dos salários. Também estivemos juntos na defesa de um reajuste salarial justo dos servidores públicos, em manifestação no começo deste ano. Não tem como dissociar uma coisa da outra, inclusive.” A crítica do partido se aprofunda ao questionar a prioridade da administração: “Uma cidade que, em menos de 6 meses, seus representantes votam um reajuste de quase 80% para cargos eletivos e um reajuste pífio de menos de 10% para servidores há que se pensar se esses estão verdadeiramente governando para os trabalhadores ou para interesses próprios.”

Foto de Lui Pereira
Jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Cronista do cotidiano marianense.