- Minas Gerais
Zema suspende escolas cívico-militares após pressão popular
Decisão da Secretaria de Educação ocorre após intensa mobilização de sindicatos e comunidade escolar, que questionaram a legalidade e a urgência da proposta.

O governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Educação (SEE), suspendeu as assembleias para manifestação de interesse das comunidades escolares sobre o Programa das Escolas Cívico-Militares. A decisão, comunicada via Memorando-Circular nº 207/2025/SEE/SB – ORIENTAÇÃO, assinado em 13 de julho de 2025, representa uma vitória significativa para o movimento em defesa da escola pública democrática, que intensificou a mobilização contra a militarização do ensino no estado.
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O memorando, endereçado a Superintendentes Regionais de Ensino e Diretores(as) Educacionais, informa a suspensão pela necessidade de “novas orientações a serem enviadas pela Secretaria de Estado de Educação”. A SEE promete encaminhar novas diretrizes em breve, consideradas “fundamentais para a continuidade do processo”, e solicita atenção a essas orientações, para “garantir a efetividade e a transparência do programa”.
Mobilização popular e ação judicial
Na última semana, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) liderou as mobilizações, com a realização de atos, passeatas e bloqueios em Belo Horizonte contra a implantação do programa cívico-militar.
O sindicato também ajuizou uma Ação Civil Pública com pedido de liminar para suspender a implementação do programa em 728 unidades da rede estadual de ensino. Na ação, o Sind-UTE alega imposição governamental de um modelo militarizado, sem diálogo, base legal ou respeito às normas constitucionais da educação pública no país.
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A suspensão representa “uma vitória importante do movimento em defesa da escola pública democrática e um recuo tático do governo”, classificou Patrícia Ramos, diretora da subsede do Sind-UTE. Contudo, ela alertou para a necessidade de “não baixar a guarda” devido ao caráter autoritário do governador.
Patrícia reafirmou o compromisso de continuar a mobilização: “Escola cívico-militar não é a solução para a violência nas escolas”, defende. A verdadeira necessidade, segundo ela, reside em “uma escola democrática, com os profissionais valorizados, sem sofrer assédio, com escolas mais estruturadas, com os recursos sendo realmente aplicados para a educação pública e não desviados para empresas privadas, como esse projeto de escola cívico-militar tenta fazer”.
Audiência pública
A suspensão reflete um cenário de grande efervescência e críticas à proposta do governo Zema. Na última quinta-feira, 10 de julho de 2025, uma acalorada audiência pública na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) expôs as fragilidades e a ausência de base legal para a iniciativa.
O Auditório José Alencar e sua área externa ficaram lotados de professores e servidores, que exibiam cartazes e protestavam contra a implantação das escolas cívico-militares. A deputada Beatriz Cerqueira, presidente da comissão, questionou a pressa do governo em conceder prazo de 15 dias para mais de 700 escolas manifestarem adesão ao programa, sem diálogo prévio com as comunidades.

A parlamentar criticou a ausência de legislação estadual ou sequer um decreto governamental para o programa, apontando a fragilidade da proposta embasada apenas em um memorando. Beatriz Cerqueira também levantou dúvidas sobre a previsão orçamentária para a execução do programa em tal quantidade de escolas e alertou para a competência privativa da União na criação de programas e diretrizes educacionais, o que pode configurar usurpação de competências.
Por fim, a presidente da comissão lembrou a rejeição anterior de um projeto de lei estadual para escolas cívico-militares e o encerramento do programa nacional, fatos que adicionam incertezas à iniciativa.
Governo defende "Apoio colaborativo"
No contraponto, a Secretaria de Educação, representada pelo Secretário de Estado da Educação, Igor Alvarenga Oliveira, e pela Subsecretária de Desenvolvimento da Educação Básica, Kellen Silva Senra, tentou apaziguar os ânimos na audiência pública. A pasta defendeu que o programa respeita a autonomia da escola e que os militares atuariam em um papel de “apoio e gestão colaborativa”, sem interferência nas atividades pedagógicas.
Kellen Senra afirmou: “Nenhum supervisor e nenhum monitor atuam dentro de sala de aula, interferindo no planejamento e no processo de ensino dos professores”. Ela acrescentou que esses profissionais “colaboram na organização desses espaços na rotina e na promoção desse ambiente seguro”. A Secretaria reiterou que “o programa não tem o objetivo de militarização das escolas, o trabalho é um apoio e uma gestão colaborativa”.
Debate acalorado
Apesar das explicações do governo, entidades e sindicatos, mantiveram as críticas. Apontaram preocupação com a precarização da segurança pública devido ao déficit de pessoal na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros, além da ausência de diálogo com sindicatos e comunidades.
O calor do debate também se manifestou nas vozes de outros participantes. Catarina de Almeida Santos, coordenadora da Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação, questionou a urgência do prazo: “Um prazo de 15 dias é democrático?”. A psicóloga Fabyolla Lucia de Castro ressaltou os avanços da Lei 13.935/2019, que garante psicólogos e assistentes sociais nas escolas, e considerou uma “usurpação permitir que militares da reserva façam a mediação de conflitos e se responsabilizem pela disciplina estudantil”, reclamou.

A psicóloga ainda argumentou que o governo dispõe de outras opções para tornar as escolas mais seguras, sem recorrer a uma “cultura militarizada, autoritária e baseada no medo”, e defendeu a contratação de mais psicólogos e assistentes sociais.
No campo parlamentar, houve muita oposição à iniciativa do governo Zema. A deputada Lohanna (PV) classificou a proposta como “eleitoreira”, sugerindo que o governador estaria “desesperado por alcançar relevância nacional” e questionou a escolha das escolas. Betão (PT) argumentou que a defesa do modelo cívico-militar possui motivações puramente ideológicas e que o problema central nas escolas não é a disciplina, mas a “falta de perspectiva dos alunos”. Ana Paula Siqueira (Rede) apontou a contradição do governo ao propor um modelo “que vai custar três vezes mais que a escola convencional”, em meio a uma crise financeira declarada. O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) alertou para a existência de ações no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, indicando que a tendência é a inconstitucionalidade do modelo cívico-militares.
Em contraste, Lincoln Drumond (PL) defendeu a militarização, afirmando que a própria interrupção de sua fala pelo público reforçou seu apoio: “Por isso que eu defendo a escola cívico-militar: porque vocês precisam saber a hora de falar e a hora de escutar”, declarou. Já a deputada Bella Gonçalves (Psol), por sua vez, sugeriu que o governo busca propor um debate ideológico para “dividir as escolas e as famílias”.
Contra a militarização das escolas
Em seu último informe, o Sind-UTE/MG elencou uma série de motivos para rejeitar a militarização das unidades. Para o sindicato, a escola existe para formar jovens críticos, autônomos e conscientes, valores aprendidos com diálogo e respeito às diferenças, e não “sob regulamentos de corte de cabelo, uniformes rígidos e punições inspiradas em quartéis”.
O programa é uma “cortina de fumaça” sobre a desvalorização da educação em MG, desvia recursos para gratificações de militares aposentados em vez de investir em infraestrutura e valorização dos profissionais, argumenta o sindicato. A entidade defende a verdadeira melhoria da educação por meio do fortalecimento de equipes pedagógicas, realização de concursos regulares e promoção de valorização salarial e formação continuada.
O Sind-UTE também contestou o argumento de que o programa traria mais segurança às escolas. “Não melhora segurança, apenas criminaliza a juventude”, afirmou o sindicato, que vê na presença de ex-policiais o reforço de uma lógica punitivista. O Sind-UTE destacou que a militarização amplifica preconceitos e violações de direitos, com casos documentados de agressão, ameaças, censura e assédio em unidades cívico-militares.

Por fim, o Sind-UTE afirma que o programa de militarização é inconstitucional e alvo de ações judiciais, citando parecer do Ministério Público Federal que considera ilegais as escolas cívico-militares por ausência de fundamentos legais na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e na Constituição.
O recuo do governo, com a suspensão das assembleias de adesão dias após a intensa mobilização e a ação judicial proposta pelo Sind-UTE, sinaliza a vitória da mobilização popular e a necessidade de revisar a proposta diante da forte oposição e dos questionamentos levantados. A comunidade educacional aguarda as “novas diretrizes” prometidas pela SEE, com a expectativa de que o projeto de militarização das escolas seja abandonado definitivamente pelo governo estadual.
Entretanto, Zema promete seguir com as consultas: “chegamos à conclusão de que o prazo ficou exíguo, está coincidindo com o período de férias, muitos pais já tinham programado viagens e não conseguiram participar”, afirmou o governador. Em seguida disse acreditar no projeto e prometeu retomar as consultas após o recesso escolar.