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Hoje é quinta-feira, 10 de julho de 2025

Nove escolas da Região dos Inconfidentes podem ser militarizadas

Em meio a prazos apertados e baixo debate público, projeto do governo mineiro inclui escolas de Mariana, Ouro Preto e Itabirito em modelo cívico-militar.

Governador Romeu Zema tenta passar sem discussão o modelo de Escolas Cívico Militar em Minas Gerais
Sindicatos e pesquisadores enxergam retrocesso na medida e questionam a pressa e a falta de transparência do processo - Foto: SEE/Divulgação

Na última semana de junho, mais de 700 escolas da rede estadual de ensino de Minas Gerais (o equivalente a cerca de 20% da rede), foram surpreendidas com um comunicado oficial informando sobre a possibilidade de adesão ao modelo de escola cívico-militar. A proposta, enviada pela Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG), prevê a realização de assembleias escolares e votações em um prazo inferior a 16 dias, em plena reta final do bimestre letivo.

O modelo é apresentado pelo governo como uma forma de “promover um ambiente escolar mais seguro, organizado e acolhedor”, integrando valores cívicos e disciplinares ao projeto pedagógico das unidades. Segundo o Memorando-Circular nº 187/2025, o projeto será implementado com apoio da Polícia Militar ou do Corpo de Bombeiros, com a previsão de um militar a cada 150 estudantes.

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Militarização avança na educação e chega à Região dos Inconfidentes

Sem ampla divulgação e com prazos curtos para consulta à comunidade escolar, o Governo de Minas Gerais incluiu nove escolas de Mariana, Ouro Preto e Itabirito em um plano de expansão do modelo cívico-militar na rede estadual. O projeto, que abrange mais de 700 escolas em todo o estado, foi anunciado às direções escolares por meio de memorando datado de 30 de junho e prevê assembleias deliberativas até 18 de julho.

Na Região dos Inconfidentes, as escolas listadas são:

  • Mariana: EE Dom Silvério, EE João Ramos Filho e EE Professor Soares Ferreira

 

  • Ouro Preto: EE Dom Pedro II, EE Padre Afonso de Lemos, EE Professora Daura de Carvalho Neto e EE Marília de Dirceu

 

  • Itabirito: EE Intendente Câmara e EE Engenheiro Queiroz Júnior

 

A inclusão dessas unidades pegou de surpresa tanto as equipes pedagógicas quanto famílias e estudantes. Para muitas comunidades escolares, o assunto ainda é desconhecido, mesmo a poucos dias da votação, um dos principais motivos de preocupação levantados por sindicatos e educadores da região.

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Entidades e educadores criticam proposta

Uma publicação divulgada pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), sindicato que representa os profissionais da educação pública estadual, afirma que o modelo representa uma “intervenção militar na gestão escolar e disciplinar”, que pode comprometer a autonomia das comunidades escolares. O sindicato aponta ainda que o processo de consulta é “apressado e não respeita o debate democrático”, citando a realização de assembleias com prazos inferiores a três dias.

Patrícia Ramos, professora e diretora da Subsede do Sind-UTE, reforça as críticas: “Nós estamos visitando as escolas, conversando com a comunidade para alertar sobre os riscos que correm ao aderirem a esse projeto cívico-militar proposto pelo governador Zema.” Patrícia questiona ainda a pressa para aprovar o projeto em menos de 15 dias, em período de fechamento de bimestre, quando nem os documentos esclarecem dúvidas básicas sobre o funcionamento dessas escolas.

Além disso, a professora aponta a falta de dados concretos que comprovem a eficácia do modelo na aprendizagem ou na redução da violência. “Ao contrário, há relatos de que, por serem advindos de uma força de segurança, a repressão aumenta nas escolas. Inclusive, dado o histórico, o risco a nossa liberdade de cátedra é uma pauta”, afirma. Para Patrícia, a solução para a violência escolar não está na repressão, mas em mais estrutura física e de pessoal, valorização dos profissionais, apoio psicológico e menos burocracia. Ela vê o projeto como uma forma de “transferir a verba pública da educação para empresas e, agora, para a polícia”.

Já o professor de História Yuri Gomes Alves, cuja escola está listada para possível adesão ao modelo, escreveu artigo intitulado “9 razões para dizer não à escola cívico-militar em Minas Gerais”. Segundo ele, a proposta pode significar uma “mudança negativa para uma realidade escolar já fragilizada”, apontando que os desafios da rede não serão resolvidos com o aumento da vigilância e da disciplina, mas com investimentos estruturais, valorização dos profissionais e fortalecimento da gestão democrática.

O professor questiona ainda a eficácia do modelo diante das reais dificuldades da rede: “Estamos no fundo do poço, gritando por uma escada, e o governo nos joga uma pá”, reclamou. Para ele, o risco é ampliar o controle e a vigilância sobre professores, ao mesmo tempo em que se impõe um padrão de disciplina militar a estudantes que vivem realidades sociais diversas. A obrigatoriedade de uniformes padronizados e restrições estéticas, por exemplo, pode afetar a liberdade de expressão dos estudantes e aumentar os índices de evasão escolar.

Evidências sobre impacto são controversas

O governo de Minas justifica a medida com base em experiências anteriores, alegando melhora no clima escolar e no engajamento estudantil. Entretanto, de acordo com estudos citados por entidades como a Ação Educativa e o MPF, não há evidências científicas conclusivas de que o modelo cívico-militar melhora o desempenho acadêmico ou reduz a violência escolar.

Segundo dados compilados pelo pesquisador Fernando Cássio (USP), o crescimento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em escolas militarizadas é semelhante ao das demais escolas públicas. Em quatro anos, a evolução foi de 0,2 ponto, contra 0,1 na média nacional, diferença considerada estatisticamente irrelevante.

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Questionamentos jurídicos e pedagógicos da militarização de escolas

Além das críticas pedagógicas, o modelo também enfrenta contestações jurídicas. Em junho de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério Público Federal (MPF) consideraram inconstitucional a implementação de escolas cívico-militares no estado de São Paulo, por violar a liberdade de pensamento, a gestão democrática e o princípio do concurso público para atuação pedagógica.

A proposta mineira guarda semelhanças com a paulista, como a designação de militares da reserva para funções na escola, sem exigência de formação pedagógica específica. A Unesco também já se posicionou de forma crítica ao modelo, destacando a necessidade de educação baseada em direitos humanos, diversidade e inclusão.

A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) levantou um alerta crítico em vídeo divulgado em suas redes sociais na noite de segunda-feira (7), questionando a legalidade do processo de militarização das escolas. Beatriz Cerqueira afirma que nenhuma lei sobre a ação foi discutida ou aprovada na Assembleia Legislativa. Segundo a parlamentar, a medida se baseia em uma resolução da Secretaria Estadual de Educação e no chamado Projeto Somar, uma das ações presentes no Plano Plurianual de Ação Governamental 2024-2027.

Para a deputada, o uso do Projeto Somar é problemático, pois ele é um programa de gestão compartilhada das escolas estaduais que já foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG) e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Na prática, essa base legal fragilizada abriria as portas para uma possível privatização das unidades escolares participantes do programa cívico-militar.

Professores apontam sobrecarga e desvio de foco

Em relatos reunidos pelo Sind-UTE e por educadores da rede, a principal preocupação é que a entrada de militares aumente o controle sobre os profissionais da educação, ampliando a vigilância e as exigências burocráticas. “É adoecedor assumir responsabilidades que não nos cabem, com jornadas absurdas e em nome de projetos mal avaliados”, diz trecho da publicação distribuída pela subseção de Ouro Preto.

As regras previstas para os estudantes também causam polêmica. Segundo os documentos, haverá padronização estética, com uso obrigatório de uniformes inspirados nos das forças de segurança, além de restrições quanto a cabelos e adereços o que, segundo educadores, pode ferir direitos individuais e religiosos e aumentar os índices de evasão escolar.

Governo afirma que decisão cabe à comunidade

De acordo com o memorando enviado às escolas, o governo afirma que o processo deve ser conduzido “com responsabilidade, escuta ativa e pleno respeito à autonomia da comunidade escolar”. As decisões de adesão dependem da realização de assembleias com participação mínima de estudantes, famílias e servidores, conforme regras da Resolução SEE nº 5.065/2024.

Segundo o Memorando-Circular nº 187/2025, o objetivo do governo é “promover um ambiente escolar mais seguro, organizado e acolhedor, integrando valores cívicos e disciplinares ao projeto pedagógico”. A Secretaria de Educação afirma que as decisões de adesão são da comunidade escolar e que todas as etapas devem respeitar “os princípios democráticos que regem a política educacional do Estado”.

No entanto, representantes de entidades educacionais afirmam que as condições para debate são limitadas e que muitas direções escolares têm relatado pressão para aderirem ao modelo sem liberdade para apresentar contrapontos.

Sindicato aponta riscos à democracia e à liberdade pedagógica

De acordo com o Sind-UTE/MG, o projeto está sendo implantado de forma apressada e sem condições mínimas para o debate democrático. Um dos pontos mais críticos diz respeito às cédulas de votação nominais, que, segundo o sindicato, permitem a identificação de votos individuais por parte das direções escolares, o que pode gerar pressões ou retaliações a servidores que se posicionarem contra o modelo.

“O prazo de menos de 16 dias para que escolas convoquem assembleias e deliberem sobre um projeto de tamanha complexidade compromete completamente a qualidade da decisão”, afirma trecho de nota divulgada pelo sindicato.

Na noite de segunda-feira, 7 de julho, o Sind-UTE/MG realizou uma live transmitida pelas redes sociais para debater os impactos da proposta de militarização das escolas estaduais. O evento reuniu professores, estudantes e especialistas em educação, que discutiram os riscos à autonomia pedagógica e denunciaram o que classificam como um processo apressado e sem diálogo com a comunidade escolar. A live também serviu como espaço de mobilização, com relatos de pressões institucionais e convocação para paralisações nos dias 10 e 11 de julho.

Cédulas de votação são nominais, o medo é que isso gere uma onda de retaliação aos trabalhadores da educação por parte do governo - reprodução

Primeiro não à militarização

Apesar dos desafios, o sindicato aponta motivos para celebrar. A primeira escola do estado a votar sobre o projeto, a E. E. Batista de Oliveira, em Juiz de Fora, registrou um placar de 83 votos contra o projeto e apenas 33 a favor. Isso significa que mais de 70% dos votantes disseram não à militarização, um exemplo que o sindicato espera que seja seguido pelas demais unidades.

Foto de Lui Pereira
Jornalista, fotojornalista e contador de histórias. Cronista do cotidiano marianense.