- Ouro Preto
Áreas evacuadas em Antônio Pereira vivem cenário de abandono
Dentre as principais denúncias feitas por moradores da ZAS estão o mau cheiro e o medo.
- Maria Eduarda Marques
- Supervisão: Lui Pereira

Moradores do distrito de Antônio Pereira, em Ouro Preto, vivem sob constante medo em meio ao abandono na Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem Doutor, da mineradora Vale. Com imóveis depredados, entulho e mau cheiro, a vizinhança denuncia a omissão da empresa e cobra providências diante da violação do direito à moradia digna e da insegurança diante do risco de rompimento da estrutura.
*** Continua depois da publicidade ***
***
Descaso da Vale com as áreas evacuadas
De acordo com a Assessoria Técnica Independente (ATI) de Antônio Pereira, os arredores da Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem Doutor revelam um cenário alarmante de negligência por parte da mineradora Vale, com imóveis depredados, lixo acumulado, vegetação descontrolada e cheiro de carniça.
Apesar de decisões judiciais que exigem cuidados básicos com as casas desocupadas, os relatos apontam que a mineradora ignora essas determinações.
Moradores denunciam que, nos primeiros momentos após a remoção de famílias da área de risco, a Vale chegou a manter certa vigilância e manutenção. No entanto, com o passar do tempo, o que se vê hoje é o completo abandono das estruturas.

Casas foram demolidas pela própria empresa, enquanto outras permanecem em ruínas, com portas e janelas quebradas, servindo de abrigo para usuários de drogas e foco de criadouros do mosquito da dengue. Nesse sentido, em 2024, Antônio Pereira concentrou 85% dos casos da doença registrados em todo o município de Ouro Preto.
O descaso com as áreas evacuadas também atinge a saúde mental da comunidade, uma vez que a insegurança provocada pela proximidade com a barragem e a falta de diálogo por parte da empresa acentuam o medo do rompimento, principalmente entre os que ainda vivem cercados por casas abandonadas.
Dona Giovania Santana Gonçalves, moradora do distrito há 18 anos e integrante da Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira, alerta para o perigo iminente. “Eu olho para o lado, vejo a barragem, olho para o outro, vejo a barragem. Eu sinto uma sensação de perigo. Ela não vai avisar quando vai romper, como aconteceu no Fundão e em Brumadinho, pega todo mundo de surpresa”, relata com preocupação.
Algumas famílias que convivem com as consequências do abandono da ZAS entraram com processo na justiça, pedindo a própria remoção, em virtude do medo do rompimento da barragem, dos surtos de doenças causadas por nascedouros de mosquitos nos imóveis abandonados, da ocupação noturna dos imóveis por usuários de drogas, da poeira das obras na Barragem Doutor e o mau cheiro causado por carcaças de animais em decomposição.
Dona Giovania ainda explica a situação. “Algumas casas, ela [Vale] derrubou. E outras, que estão de pé, não dão manutenção. A crise de dengue que teve aqui, foi justamente por causa disso tudo e a Vale não está levando isso em consideração. Como é que fica a saúde da pessoa atingida que convive com esse tipo de dano?”, questiona a moradora.
Ver mais sobre cidades

Varal Não é Crime Ambiental: artista é proibido de expor no Jardim

TRF garante recursos mesmo sem adesão à repactuação

Agricultura, pesca e indenizações: Os anúncios feitos por Lula
Inscreva-se no nosso canal de WhatsApp para receber notificações de publicações da Agência Primaz.
Zona de Autossalvamento (ZAS)
A Zona de Autossalvamento (ZAS) é a área onde, em caso de um rompimento de barragem, não seria possível contar com socorro externo, o que coloca às pessoas dentro do perímetro à própria sorte, cabendo à elas se salvarem em um momento de emergência.
A partir disso, deve-se adotar a maior das seguintes distâncias para a sua delimitação: a distância que corresponde a um tempo de chegada da onda de inundação igual a 30 minutos ou 10 km de distância de uma barragem.
Assim, a ZAS, em caso de rompimento de uma barragem, é a área de primeiro impacto do rejeito, não havendo tempo suficiente para que as autoridades possam socorrer de imediato às vítimas e diminuir os impactos e danos do rompimento.
Na Vila Antônio Pereira, os imóveis presentes na Zona de Autossalvamento não estão em escombros, mas o descaso é evidente em toda área evacuada. Maria Helena Rocha é integrante da Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira e moradora da Vila, que acompanhou todo o percurso nos entornos da ZAS, aponta que “pelo visto a Vale não vem cuidando bem das casas conforme foi determinado em decisão judicial”.

A decisão mencionada por Maria Helena foi proferida no dia 14 de abril de 2020 e determina, entre outras as ações emergenciais, “a adoção de providências, no prazo de cinco dias para a segurança dos imóveis desocupados contra saques e roubos, ainda que remotamente e/ou com a instalação de estruturas de segurança nas áreas de entorno das áreas desocupadas”.
*** Continua depois da publicidade ***

Barragem Doutor
Em Antônio Pereira, os modos de vida das moradoras e moradores foram completamente atravessados pelo risco de rompimento da Barragem Doutor, da Vale. Esta barragem esteve em operação desde 2000, com 75 metros de altura e capacidade para 35 milhões de metros cúbicos de rejeitos, pouco mais da metade do tamanho da Barragem de Fundão, que rompeu no dia 5 de novembro de 2015.
O nível de risco foi elevado para 2, em 1º de abril de 2020, numa escala que vai até 3, num desdobramento tétrico do processo iniciado em março de 2019, quando determinação judicial havia interditado, por insegurança, as operações da Barragem Doutor.

A partir disso, vieram os processos de remoção forçada das famílias cujas moradias se situavam na Zona de Autossalvamento (ZAS). Desse modo, o abandono dos imóveis na ZAS não é recente e segue sendo uma das principais denúncias dos moradores que permanecem na área.
A sensação de insegurança é constante e alimentada não só pelo risco de rompimento da Barragem Doutor, mas também pela ausência de manutenção nas casas desocupadas e pela ocupação irregular desses espaços, assim como relata uma moradora que preferiu não ser identificada. “No começo, a Vale cuidava, mas agora já abandonou, virou até lixão, jogam carniça. E a gente que fica perto, fica sentindo o cheiro ruim”, lamenta.
Com informações do Instituto Guaicuy – ATI Antônio Pereira
A Agência Primaz entrou em contato com a mineradora Vale, que encaminhou a nota abaixo com o posicionamento da empresa sobre as situações relatadas nas áreas evacuadas:
A manutenção na área da Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem Doutor, em Ouro Preto, tem sido realizada regularmente desde 2020. São feitas com frequência ações como dedetização, capina e a limpeza das áreas, com retirada de lixo e entulho. Em maio, a Vale iniciou um trabalho de limpeza em toda região, que deve ser concluído neste mês de junho. A empresa mantém uma ronda diária na região, para reforçar a segurança do local, e reitera o seu compromisso com o bem-estar da população.
