- Ouro Preto
Oficina de roteiro: cinema indígena e narrativas decoloniais
Encontro propõe reflexão crítica sobre poéticas não ocidentais, ancestralidade e a potência do cinema indígena como ferramenta de resistência.
- Larissa Antunes
- Supervisão: Lui Pereira

Ministrada por Emi Borum-Kren, co-roteirista dos longas “Um Lugar Borum-Kren” e “Nan Borum-Kren, Origem”, a oficina aconteceu nesta última quinta-feira (12), com a participação das roteiristas Maíra Lana e Dalila Borum-Kren. O evento foi realizado no anexo do Museu da Inconfidência de Ouro Preto e discutiu a importância da auto-representação indígena e das narrativas ancestrais nas produções audiovisuais. O encontro promoveu uma imersão em saberes tradicionais e uma reflexão crítica sobre a hegemonia da narrativa ocidental e destacou o cinema indígena como ferramenta de resistência cultural e valorização da memória coletiva.
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Introdução ao roteiro
Em um primeiro momento, Maíra Lana abordou as diferenças fundamentais entre as construções narrativas ocidentais hegemônicas e as formas narrativas de outras culturas, como as orientais, africanas e ameríndias. Sua crítica principal recai sobre a “mente geométrica” do pensamento ocidental, que estrutura a realidade de forma fragmentada e racional, onde a dissecação, a classificação e a análise são priorizadas em detrimento da contemplação e da experiência vital em sua integralidade.
Para ela, essa abordagem se traduz diretamente na forma como as histórias são contadas: narrativas lineares, com começo, meio e fim, centradas no conflito e na transformação de um herói individual, conforme os preceitos da poética aristotélica.
Essa estrutura narrativa, amplamente difundida nas escolas, nas religiões e nos meios de comunicação ocidentais, reflete uma visão de mundo hierárquica, patriarcal e antropocêntrica. Capaz de reforçar um modelo de sujeito ideal obediente, padronizado nos modos de sentir e representar a vida.
Em contraste à lógica ocidental e capitalista, foram exploradas formas de narrativa enraizadas em tradições orientais, como as chinesas e japonesas, que privilegiam a contemplação, o ritmo natural e a impermanência. Nesses contextos, a ação cede lugar à não-ação, ao fluxo vital, à criação como experiência emocional e energética.
Já as poéticas africanas e ameríndias, se destacam pela oralidade, ritmo, repetição e sensorialidade. A aprendizagem ocorre pela observação e pela vivência, e não pela imposição de palavras. Nessas culturas, os personagens não são indivíduos heroicos, mas arquétipos coletivos, muitas vezes não humanos, como rios, animais e árvores, através de uma cosmologia interdependente e não antropocêntrica.
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Cinema indígena como resistência
Segundo Emi Borum-Kren, o cinema indígena também rompe com a narrativa ocidental e surge como um movimento de retomada e resistência. O território é visto como personagem vivo, e o cinema se torna um guardião da memória ancestral, muitas vezes oral e invisível ao olhar ocidental. Filmes são produzidos de forma coletiva, sem roteiros predefinidos, com respeito ao tempo e os ritmos próprios de cada povo.
“É um ponto chave quando a gente observa o cinema indígena, que é o próprio povo se vendo, se mostrando, se construindo, né? Os povos indígenas como protagonistas na direção, no roteiro, na produção e a câmera como uma ferramenta de resistência”, afirma a roteirista.
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Emi Borum-Kren também aponta a importância de reconhecer a diversidade dos povos indígenas no Brasil, que falam 274 línguas diferentes e pertencem a mais de 300 etnias. Essa pluralidade é constantemente apagada por uma visão colonizadora e estereotipada dos indígenas.
O cinema indígena rompe a lógica narrativa eurocêntrica e transpassa categorias como ficção e documentário, uma vez que, para muitos desses povos, o campo da realidade e do imaginário não é separado. A arte indígena, portanto, é construída a partir da intuição, da experiência direta e da legitimidade das cosmovisões.
Para Emi, o cinema indígena se estabelece como um campo em expansão já com impactos profundos. “A gente vê o cinema como uma possibilidade de existir de forma diferente, acho que o cinema foi muito importante para povos indígenas e ainda vai ser muito mais. A gente tá só começando”, declarou.
Exibição de produções indígenas
Após a oficina de roteiros, foram exibidas quatro produções audiovisuais indígenas: Caminho dos Gigantes, A Febre da Mata, Awara Nane Putane: uma história do cipó e Estamos vivos e atentos: Mutirão Payayá.
Em seguida, aconteceu um bate-papo online com Edilene Payayá, uma das diretoras do documentário Estamos vivos e atentos. Além de cineasta, Edilene é uma importante liderança do Movimento Associativo Indígena Payayá (MAIP) e atuou diretamente na conquista do reconhecimento oficial do território Payayá como povo indígena.
Durante a conversa, ela compartilhou detalhes do processo de criação do documentário, que, embora tenha sido previamente roteirizado, foi construído de forma orgânica, a partir dos próprios acontecimentos vividos na aldeia. A cineasta também incentivou os participantes da oficina a buscarem suas origens e ancestralidade “assuma sua verdadeira identidade, seja você”, afirmou.
Na última edição da Semana de Inconfidência e Conexões, aconteceu a primeira Mostra Cine Parentes. Na ocasião, diversos filmes produzidos por indígenas foram exibidos no Anexo do Museu da Inconfidência.
