- Ouro Preto
MPF questiona autogestão de repúblicas federais da UFOP
Fim das batalhas, trotes violentos e processo de seleção através de critérios socioeconômicos foram pautados em audiência.
- Larissa Antunes
- Supervisão: Lui Pereira

Na tarde da última segunda-feira (09), o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria da República em Minas Gerais, promoveu uma audiência pública sobre a política de assistência e permanência estudantil na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O evento, que ocorreu das 14h às 18h no Teatro Ouro Preto, no Centro de Convenções da universidade, reuniu autoridades e representantes da comunidade acadêmica para discutir questões importantes relacionadas às moradias estudantis.
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A audiência foi aberta por Adailton Ramos do Nascimento, procurador do Ministério Público Federal, que destacou a relevância do tema e a atuação do MPF, que há anos vem buscando soluções para os problemas enfrentados pelos estudantes que residem nas moradias universitárias da UFOP. Em 2019, o MPF ingressou com uma ação civil pública questionando o sistema de autogestão das repúblicas federais.
O foco principal da discussão foi a gestão das repúblicas federais, moradias que pertencem à UFOP e são ocupadas por estudantes da instituição. O MPF questionou os critérios de ingresso e permanência nas repúblicas, que são definidos pelos próprios veteranos.
Nesse sistema, conhecido como “batalha”, os calouros, ou “bichos”, como são chamados, devem cumprir tarefas e comportamentos impostos pelos veteranos para garantir sua aceitação nas repúblicas. Diante disto, foi aberta uma discussão sobre a adoção do critério socioeconômico para ingresso nas repúblicas federais, buscando maior transparência e equidade no processo.
O presidente da Associação das Repúblicas Federais de Ouro Preto (REFOP), Gustavo Lima, discursou durante a audiência e destacou a relevância do modo de organização das repúblicas federais e defendeu a importância de preservar o “modo de vida republicano”.
Segundo o presidente, “critérios escritos exclusivos não contemplam a infinidade dos estudantes que pertencem às repúblicas federais. Pelas razões mais diversas, estamos lidando com casas e estamos lidando com pessoas, estudantes que moram e defendem a manutenção do sistema republicano”, pontua.
Principais questões da gestão compartilhada das repúblicas
Durante a audiência, o reitor Luciano Campos destacou a complexidade e a singularidade desse modelo de moradia estudantil, enraizado na história da instituição. Segundo ele, não é possível discutir repúblicas federais sem abordar cinco temas fundamentais: a história das repúblicas, que fazem parte da constituição da UFOP; a gestão compartilhada; a mudança no perfil socioeconômico dos estudantes ao longo dos anos; os desafios da permanência estudantil e a crise orçamentária das universidades federais.
O reitor apresentou dados que mostram a queda contínua do orçamento da UFOP desde 2011, com projeção de um déficit de R$14 milhões para 2025. O reitor afirma: “Se a partir de amanhã a Universidade Federal de Ouro Preto assumir a responsabilidade por cuidar plenamente de obra, de manutenção e de mobília, a assistência estudantil, a manutenção e as atividades acadêmicas certamente serão afetadas. Não tenham dúvida, não há mágica. A estrutura da prefeitura do campus vai colapsar”, alega o reitor.
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Histórico das Repúblicas Federais em Ouro Preto
Atualmente, cerca de 24% das vagas nas Repúblicas Federais são ocupadas por estudantes contemplados pela política de assistência estudantil da UFOP. De acordo com o relatório da Pró-Reitoria de Planejamento e Administração (PROPLAD) de 2024, há 882 vagas nas repúblicas federais, mas 40% delas — ou seja, 356 vagas — estão desocupadas. Em 2023, essa taxa de ociosidade foi ainda maior, chegando a 45%, com 405 vagas ociosas.
É importante destacar que, em 2024, as 882 vagas nas repúblicas federais representam quase 75% do total de vagas públicas em moradias estudantis em Ouro Preto. O restante (25%) está distribuído entre as 200 vagas da Villa Universitária e 96 vagas nos apartamentos. Enquanto há um grande número de vagas ociosas nas repúblicas federais, as listas de espera para as moradias socioeconômicas de 2024 somam cerca de 250 estudantes que se candidataram aos editais, mas não foram contemplados com uma vaga, conforme dados extraídos dos editais de convocação da PRACE.

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Para Ana Gabrielle Abreu de Jesus, membra do Conselho Universitário (CUNI), a falta de diversidade de pessoas da comunidade acadêmica no evento, tendo em vista que o público foi composto majoritariamente por moradores de repúblicas federais e seus ex-alunos, que defenderam o “modo de vida republicano”. Ela também sugeriu que a universidade criasse um espaço de consulta pública para que os discentes pudessem relatar, de forma segura, suas experiências nas moradias.
Segundo Ana Gabrielle a Universidade, apesar de sua obrigação legal de manter as casas socioeconômicas, não oferece o suporte necessário, deixando os estudantes arcarem com os custos de manutenção das moradias. “Eu convido vocês a perguntarem para as pessoas que vivem dentro de casas socioeconômicas: Quem que paga o conserto da geladeira? Quem paga para trocar o vaso? Quem paga para colocar uma pia nova? UFOP não paga”, alerta.
Além disso, foi questionada a falta de presença dos responsáveis pela gestão das repúblicas nos espaços de discussão e lamentou que, em vez de buscar soluções reais, os gestores continuam a apresentar discursos sem conhecer a realidade dos estudantes nas moradias.
Posicionamento do DCE
O Diretório Central dos Estudantes (DCE UFOP), durante a audiência, enfatizou a importância crucial das moradias estudantis para o corpo discente da universidade, destacando que as cidades de Ouro Preto e Mariana apresentam altos custos de aluguel, o que torna a permanência estudantil ainda mais difícil. O DCE defendeu que todas as moradias estudantis públicas devem continuar sendo públicas e não ceder ao mercado imobiliário e comercial, que tenta privatizar esses imóveis.
Também foi denunciada a situação de ociosidade das vagas nas repúblicas federais, apontando que cerca de 356 vagas estão desocupadas, enquanto há mais de 250 estudantes em listas de espera para moradia.
Letícia Bargas, coordenadora do DCE, criticou o processo seletivo atual, baseado em afinidade, conhecido como “batalhas”, por ser discriminatório e violar direitos humanos, principalmente com práticas de abuso psicológico, físico e de opressão, como o consumo forçado de álcool e situações de violência.
Encaminhamentos
Na reunião, o DCE apresentou uma lista de encaminhamentos ao MPF. Os encaminhamentos, segundo o Diretório, tem como objetivo regular a ocupação das repúblicas federais e ampliar a ocupação dos imóveis através do ingresso de estudantes com vulnerabilidade socioeconômica.
Entre os encaminhamentos estão: A responsabilização dos estudantes que realizem o uso indevido dos imóveis públicos para enriquecimento privado ou responsáveis por desvios éticos e de violações de direitos humanos, inclusive em relação aos trotes; Avanço da ocupação dos estudantes em vulnerabilidade socioeconômica, com a garantia de pelo menos 65% das vagas reservadas aos estudantes que necessitam da Política de Assistência Estudantil para se manterem na Universidade.
Além disso, outros encaminhamentos pedem o estabelecimento de um planejamento, com participação da UFOP, em diálogo com os estudantes, para a ocupação com critérios objetivos que se atentem efetivamente a contemplar os estudantes que mais precisam e o fim das chamadas “batalhas”, com vistas a superar as violações de direitos e a constituição de critérios objetivos pela UFOP.
O DCE também pede que a REFOP passe a representar todos os moradores de repúblicas federais e não somente aqueles que passaram pelas batalhas.
