- Ouro Preto
Nova caverna de 150 metros é descoberta na Serra do Botafogo
Expedição científica registra gruta inédita na Serra do Botafogo, região pressionada pela mineração. Presença de nascentes, morcegos e espeleotemas únicos reforça urgência de preservação

Uma nova caverna foi descoberta na Serra do Botafogo, em Ouro Preto. Localizada em área de requerimento minerário da BHP Billiton, a gruta apresenta características geológicas e biológicas importantes, como a presença de morcegos, nascentes e espeleotemas (formações esculpidas pela infiltração de água ao longo dos anos).
A cavidade foi identificada por um morador local durante a coleta de mel silvestre. A partir desse achado, a Associação Comunitária do Botafogo acionou a Sociedade Excursionista e Espeleológica (SEE), grupo vinculado à Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), para fazer o mapeamento da caverna. A expedição de caracterização espeleológica foi realizada no último dia 24 e revelou uma caverna de grande porte, que pode chegar a 150 metros de profundidade.
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Espeleotemas
Segundo o geólogo Thiago Vilaça Bastos (Fox), a caverna tem desenvolvimento linear estimado entre 130 e 150 metros, com potencial de expansão. Formada em quartzito, a gruta abriga espeleotemas frágeis e raros, como microcoralóides e coralóides (espeleotemas que se parecem com corais) e caneluras (ranhuras formadas a partir do corrimento de água nas paredes da caverna).
O processo de formação de espeleotemas é muito lento e pode durar milhares de anos para serem formados. “A rocha transpira, ela forma gotícula, essa gotícula escorrega pela parede e ela transforma com os seus pequenos canais. Então, tudo isso mostra uma gênese natural, uma formação muito antiga e elas trazem essa importância”, explica Fox, que também integra o Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas e a Sociedade Brasileira de Espeleologia.
Ainda segundo Tiago, um pequeno fragmento de louça foi encontrado durante a incursão, mais estudos precisam ser realizados, mas pela sua experiência, o geólogo acredita que o maior potencial dessa caverna em específico seja de ordem biológica e espeleológica.
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Nascentes e fauna singular da nova caverna
Além disso, foram identificadas duas nascentes em seu interior, o que reforça a importância hídrica da serra, abrigo de aquíferos que abastecem o Ribeirão do Funil e o Rio das Velhas.
Um ponto relevante é a presença expressiva de morcegos, indicadores importantes da relevância biológica da cavidade. Os morcegos se alimentam principalmente de frutas no entorno da caverna e se abrigam dentro delas, então “as fezes dos morcegos, o guano, são base de nutrientes para o ecossistema da caverna. Se a vegetação onde eles se alimentam for destruída, todo o equilíbrio da gruta entra em risco”, afirma Tiago.
Outro registro curioso foi o de larvas de dípteros da família Keroplatidae, parentes dos famosos glow worms da Nova Zelândia, que constroem armadilhas viscosas para capturar presas voadoras e brilham no escuro, como os vaga-lumes. Apesar de parentes, ainda não é possível afirmar se as larvas encontradas na caverna de Ouro Preto são bioluminescentes como as glow worms.
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Caverna e Serra do Botafogo sob pressão
A caverna recém-descoberta está dentro de uma área de requerimento da BHP, uma das sete mineradoras que têm interesses na Serra do Botafogo. O território, rico em minério de ferro, também abriga nascentes, trilhas históricas e uma biodiversidade ainda pouco estudada, conforme afirmou a professora Lívia Echternach em entrevista recente à Agência Primaz. Nos últimos meses, o local tem sido palco de denúncias, embargos e manifestações em defesa do meio ambiente e contra a mineração no local.
Em março, outra caverna da região foi soterrada pela Patrimônio Mineração, o que gerou forte reação popular e levou a Justiça a embargar as atividades da empresa. Mesmo diante de pressão do próprio MP para liberar o empreendimento, a Justiça manteve a suspensão, como revelam as reportagens da Agência Primaz.
Para Bastos, a nova gruta evidencia a necessidade urgente de frear a expansão minerária e intensificar os estudos sobre o patrimônio espeleológico da região. Essa descoberta reforça que a Serra do Botafogo é um território que precisa ser compreendido ao invés de ser explorado.
A presença grande de morcegos aponta para a necessidade de estudar o hábito desses animais, pois como eles agem como “mensageiros” entre o mundo interior e exterior da caverna, medir o impacto potencial sobre as espécies vegetais que podem servir de alimento para os mamíferos é fundamental “Então, por exemplo, essa gruta está a um quilômetro da Patrimônio. O local que eles suprimiram de vegetação podia ser fonte de alimentação dos morcegos, a gente nunca vai saber isso. Então, os impactos já estão acontecendo”, alerta.
Localização protegida para evitar danos à caverna
Embora a SEE tenha registrado a coordenada da caverna para fins científicos, a localização exata não será divulgada ao público. O receio, segundo os espeleólogos, é de que visitantes curiosos, sem preparo técnico, provoquem danos irreversíveis, como a destruição de formações frágeis ou o afugentamento da fauna.
“Nós espeleólogos que sabemos da fragilidade do ambiente cavernícola, a gente evita ao máximo divulgar esse tipo de informação, porque isso atrai outras pessoas para poder visitar de uma forma muitas vezes predatória, ou mesmo vai lá de curiosidade, pisa num espeleotema como esse e afugenta a fauna. a gente fica bem receoso”, reforça o espeleólogo Tiago.
O grupo trabalha na finalização de um mapa detalhado da caverna, o mapa deverá ser encaminhado aos órgãos ambientais competentes e servirá como base para futuros estudos e medidas de proteção.