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Hoje é terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Dezembro

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Luzes de dezembro

Ouça o áudio de "Dezembro]", do colunista Saulo Tete de Oliveira Camello:

Acordar em dezembro é, por si só, um ato de nostalgia. Dezembro não chega com sutileza; ele escancara o ano que foi e o que resta, impondo-nos uma contabilidade de dias e escolhas. Há um paradoxo no ar que nos incita tanto à pausa quanto ao movimento.

E ali está o Natal, esperando à porta, cheio de promessas de laços, de risos em torno de uma mesa e de abraços que dizem mais do que palavras. Mas para muitos, o Natal é um espelho implacável. Ele cutuca a ferida das ausências, o silêncio de cadeiras vazias e a inquietude dos que estão sós, não porque escolheram, mas porque assim a vida se dispôs. Para outros, é a solidão deliberada – uma escolha, ainda que dolorosa, que se manifesta em caminhos difíceis e pouco percorridos.

Nos últimos dias, meu dezembro tem sido habitado por companhias incomuns: Butler, Foucault, Preciado. Meus marcos teóricos não apenas ocupam minhas prateleiras, mas parecem me observar, atentos, enquanto tento tecer palavras que possam, um dia, resistir ao escrutínio de uma banca.

A solidão que acompanha esse ofício acadêmico é uma escolha consciente. Ela me separa de celebrações mais imediatas e me insere em um tipo peculiar de comunidade: a dos que constroem algo que não sabem se será compreendido, ou mesmo reconhecido. É uma solidão que constrói, mas que também exige renúncias.

Ainda assim, dezembro me provoca. Ele sussurra que há algo mais além dessas páginas, além dos debates teóricos e das reflexões sobre gênero e família. Ele me lembra que, mesmo nos momentos de maior isolamento, podemos vislumbrar alguma forma de união – ainda que com nós mesmos, ou com as ideias que escolhemos abraçar.

Porque o Natal, no fim, é menos sobre o que se celebra e mais sobre o que se constrói. E os caminhos solitários que escolhemos, como a escrita de uma dissertação ou a busca por compreensão em um mundo que muitas vezes nos desaponta, também podem ser celebrações.

Mas, se dezembro traz a pausa, é a esperança do Ano Novo que nos impele ao movimento. É como se, ao cruzarmos a linha invisível que separa um ano do outro, fossemos convidados a um ritual de renascimento. O calendário vira uma página, mas o que realmente se transforma – ou deveria – é a maneira como encaramos os dias por vir.

O Ano Novo carrega consigo o peso das expectativas e a leveza das possibilidades. É um convite ao recomeço, mas não ao recomeço ingênuo, aquele que acredita em rupturas absolutas. Recomeçar é menos sobre apagar o que foi e mais sobre reelaborar. É olhar para os frutos que ainda não amadureceram e decidir se vale a pena continuar a cultivá-los. É questionar os galhos secos que insistimos em manter, enquanto nos perguntamos o que florescerá, caso sejamos corajosos o bastante para podá-los.

Há algo de quase mágico na ideia de um novo ciclo. Ele oferece a promessa de novos afetos, novos laços – e, quem sabe, reconciliações inesperadas. É como se o Ano Novo nos dissesse que a solidão não é uma sentença, mas uma fase. Ele cochicha que há sempre espaço para um abraço que ainda não recebemos, para uma palavra que ainda não ouvimos, para um amor – de qualquer natureza – que ainda não conhecemos.

Mas o Ano Novo não nos dá garantias. Ele apenas nos abre as portas. E cabe a nós atravessá-las com a coragem de quem aceita que os caminhos do futuro nem sempre serão lineares. Há recomeços que doem, que exigem rupturas, que nos colocam diante de espelhos difíceis. Há também recomeços que são pequenos, quase imperceptíveis, mas que carregam a potência de transformar nossa forma de ver o mundo e os outros.

Talvez o maior presente do Ano Novo seja esse: a chance de imaginar o que ainda não somos. De acreditar que, no processo de construção – seja ele de uma dissertação, de uma vida ou de novos laços –, estamos também construindo a nós mesmos. Porque cada novo ano, no fundo, é uma oportunidade de sermos mais humanos, mais abertos, mais inteiros.

E assim, enquanto o Natal me lembra da união – e da ausência dela –, o Ano Novo me desafia a olhar para além. Ele convida a não apenas sonhar com os frutos, mas a cuidar do solo que os tornará possíveis. A não apenas desejar novos laços, mas a estar disposto a tecê-los, fio a fio, com a paciência e a delicadeza que a vida exige.

O Ano Novo é uma promessa. Não de dias perfeitos, mas de possibilidades. E se o futuro é incerto, talvez seja porque ele, como nós, ainda está em construção.

Picture of Saulo Tete de Oliveira Camêllo
Nascido em Ouro Preto/MG. Graduado, especialista e mestrando em Direito pela UFOP, onde também cursa Letras. Membro efetivo da Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes.
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