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Hoje é segunda-feira, 20 de maio de 2024

Seja bem-vinda, prezada tristeza!

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

Foto: Lisa Fotios/Pexels

Ouça o áudio de "Seja bem-vinda, prezada tristeza!", de Andreia Donadon Leal

Seja bem-vinda, prezada tristeza. A porta está aberta. Aqui não tem tempo ruim para as emoções da vida. Não me venham, prezados conselheiros, com frases de impacto ou politicamente recomendáveis: deixe a tristeza ‘pra’ lá. Deixo a tristeza dar um tempo nas hiperatividades. Recebo-a de braços abertos para expurgar depressões e pensamentos imperfeitos. Minha saúde mental pede: extravasamento. Abriguei duas tristezas represadas. Precisava dar uma sacudida nas alegrias e ilusões aparentes. Saí da zona de conforto. Alegria é zona de acomodações. Esse pranto extirpou sufocamentos e silêncios. Não tenho hora de voltar para casa. Ruas encharcadas, um punhado de gente indo e vindo. Eu vou e volto também. Uma senhora idosa caminha com extrema dificuldade. Ofereci ajuda para atravessar a faixa de pedestres. Ela aceitou de bom grado. Recebi uma carícia no rosto. Uma lágrima furtiva percorreu meu rosto. Externalizar, soltar lágrimas presas e represadas, limpa meus engasgos. Em Cartas de um terapeuta para seus momentos de crise, de Alexandre Coimbra Amaral, a lágrima é: nuvem temporária que surge depois de uma desilusão, mágoa, frustração, perda, ausência. A tristeza é uma força diante do que não se tem mais. Sem a tristeza, não é possível dar a chamada “volta por cima” na vida ou uma pausa para esses tempos frenéticos e líquidos. “Sou um sinal amarelo que fica guardado na memória. Sou uma senhora estranha que deixa alguns momentos desagradáveis. Sou uma espécie de tempo esticado, que faz você se sentir esgotada, aborrecida e decepcionada”. Olho para o céu. Vai chover, prezada amiga tristeza. Vamos nos preparar para receber as águas do céu. Tempos de chuvarada. Sentimentos de ganhos e perdas que vão, sentimentos que vêm em tempo semi-nublado, nublado ou estupidamente aberto, sem nuvens e chuvas, tempos abafados ou úmidos. Flor que morre, flor que nasce, flor que envelhece. Vida que vai, vida que vem, vida que segue. Filho que nasce, filho que envelhece, pai ou mãe que padecem. Este texto vai no ritmo da atualidade. Emerge uma palavra aqui, às duras penas, um pensamento equivocado e não finalizado, uma linha de texto mal construída. Tristeza não tem fim, do auge da bossa nova, não tem prazo de validade. Meu dente desgastado foi fortalecido por uma peça metálica. O termo técnico do material não é este. Não me importo com a falta de memória. Doeu. A dor no dente vivo é terrível; a dor no dente morto é sentimental. Sorri para o espelho no consultório do dentista. Esbocei um sorriso mentiroso para o dente artificial que incomodava minha gengiva. Aprendi a disfarçar descontentamentos e tristezas. Perdi o dente. Ponto final. Planejei tomar um cappuccino e comer um pedaço farto de bolo de nozes para comemorar o dente artificial. A cafeteria estava vazia, ambiente favorável para elucubrações com a tristeza. Forcei um sorriso para a atendente. Os olhos, os benditos olhos, não mascaram sorrisos amarelos. Comi um pedaço fino de bolo. A senhora, que andava com dificuldades, entrou, pediu um café e pedaço de broa de fubá. Acenou para mim. Respondi com os olhos encharcados. Fui ao banheiro para recompor meu rosto coberto de águas salgadas. Águas escusas de sentimentos ocultos. Águas quentes e salgadas, nunca as vi brotar com tamanha facilidade. Lavei meu rosto, espelho de minhas emoções; fechei a porta do banheiro. A senhora deixou pago meu lanche. Quase voltei a chorar. Retornei à mesa. Pedi outro cappuccino e pedaço de bolo. Brindei a tristeza. De fato, há poesia nesse sentimento que dá pausa nas acelerações da vida. Suspirei, respirei, entre um gole de cappuccino, mastigo um pedaço de bolo. Gosto de infância. Cheiro de cozinha. Que solitude danada! Espiei a chuva se abrandar. Esperei pacientemente, degustando cada pedaço de bolo, sentada à mesa da cafeteria. Na tranquilidade da tristeza, eu me permiti permanecer sentada, de pernas cruzadas, sem ataques de agendas e horários marcados a ferro e fogo. A tristeza é artigo de primeira necessidade nesses tempos de falsas alegrias, falsas vitórias e falsas aparências. Vitórias que viciam. Vitórias deixadas de lado para conquistas de novas vitórias. Sucesso é artigo número um para a saúde mental? Conceito de sucesso progressivo é caminho para o fracasso psicológico. Pois é, tristeza! Você é aquela senhorinha que atravessa a rua. Você é aquela senhora, que apesar de caminhar com dificuldades pelas ruas, me permitiu entrar na cafeteria, degustar um pedaço de bolo e café, afagou meu rosto, acenou a mão afavelmente e pagou meu lanche. Meus rompantes e ataques de tudo-pra-ontem foram estacionados. A vida não é ‘pra’ ontem. É, o ditado popular “deixe a tristeza pra lá”, é uma invenção sem precedentes, ou: “uma invenção torta, que só piora a saúde das pessoas. A lágrima dá as mãos a muitas palavras que você precisa enunciar para se sentir minimamente melhor. Quando vê, está dizendo o que nem sabia que precisava dizer. “Por isso, chore”. Bem escreveu o terapeuta dos momentos de crise. Levo fé nessa chuva que voltou a pingar… A porta está aberta para reflexões e pausas e tristezas.

Picture of Andreia Donadon Leal
Andreia Donadon Leal é Mestre em Literatura, Especialista em Arteterapia, Artes Visuais e Doutoranda em Educação. Membro da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras, da AMULMIG e da ALACIB-MARIANA. Autora de 18 livros
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