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Hoje é sábado, 8 de fevereiro de 2025

Eu poderia

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Foto:Reprodução

Se aqui fosse um lugar onde eu pudesse falar, eu falaria exatamente daquilo que lhe incomodaria ouvir. Escreveria palavras em diversas folhas e talvez em vários e coloridos livros.

Se aqui eu encontrasse um lar aonde eu pudesse discutir, eu discutiria do jeito surdo de fazer as coisas. Falaria sobre como é errado fazer tudo, sempre do seu jeito, mesmo quando tais decisões afetam a todos, sem discernir este ou aquele.

Se aqui eu conseguisse enxergar um púlpito envolto em alvas intenções, falaria de como é péssima a escolha do preto de tais togas, em um local que deveria prezar tão mais pela justiça e também diria umas poucas e boas palavras, ditas, escritas e quem sabe, até mesmo cantadas. Antes fossem as antigas perucas dos colonizadores de nossos lugares americanos… ou as penas de nossos índios antepassados. Mais alegria ou da mais espalhafatosa imagem, ainda sim, se eu pudesse ao menos enxergar, eu falaria que tanto Chico quanto Francisco deveriam, se fossem apanhar, que fosse do mesmo porrete. E que tanto Chico quanto Francisco deveriam ter todos os direitos que talvez, se eu enxergasse tal lugar, existiria para ser respeitado como uma espécie de um livro de regras aos quais todos se comprometessem a cumprir e a obedecer, para que não fosse este lugar, uma terra sem lei, onde o mais fraco talvez, mas apenas talvez, ainda tivesse vez.

Eu poderia continuar assim por horas e mais horas, falando das coisas que eu poderia fazer, se a vida me promovesse a ver, um lugar assim para viver.

Poderia dizer para você que tudo vai ficar bem e que no final das coisas, o verde e amarelo de sempre vai poder voltar a vibrar vivo e feliz, em um céu bonito primaveril. Daqueles que a gente só encontra lá no Brasil. Lá naquele Brasil que eu queria falar se eu pudesse. Ah, se eu pudesse.

Neste lugar hipotético, se eu pudesse falar, eu diria para você dos custosos ternos, das caras lagostas, das viagens inacreditáveis e dos refinados vinhos – daqueles vinhos, sabe… feitos para poucos lábios. E diria para você da sua carteira surrada, da sua guaiaca velha – e hoje infelizmente tão molhada de água e sangue… do seu embornal cada dia mais vazio e da sua sacola dominical cada dia voltando mais cara da feira, que é usada a todo momento para pagar aquela farra.

Neste lugar de qual falo, eu poderia dizer que todo mundo se uniu para ajudar aquele pessoal querido, lá do Sul do Brasil. Um pessoal bravo e valente, que sempre tive sua simpatia presente, toda vez que deles encontrei perdido na vastidão do meu hipotético país silente. Queria tanto poder falar que muita gente foi para lá ajudar. Que muita gente que estava lá vestindo linho do mais valioso, lagostas das mais deliciosas, vendo as paisagens mais inacreditáveis e os ébrios dos mais custosos a se fartar… queria tanto poder dizer que disto largaram e foram todos para lá, auxiliar.

Queria. Mas não posso.

Primeiro é que não posso mesmo falar. E segundo porque seria mentira dizer que o Brasil não é a terra do contrário, como um dia, um desenho animado, senhoras e senhores, conseguiu prever.

Queria, por fim, dizer que temos tão bons escritores, que jamais deixaram as páginas surdas para os absurdos que temos que engolir por aqui. Queria poder dizer que eles todos, jamais se venderam por tão poucos ganhos, a preços tão caros.

Queria poder dizer até mesmo que eles respeitam nossa língua, tradições e liberdades. Que estes escritores jamais citam qualquer um que manchou a terra do sangue de seu irmão, seja lá por qual motivo tenha sido, seja em um passado antigo, ou em um “pretérito-mais-que- presente”…

Queria poder dizer alguma coisa para você, algo que lhe desse alguma esperança, talvez. Não a imagem de desesperança, desamparo e orfandade que vi na TV, naquele que deveria ser o dia mais verde e amarelo, que existe para se ver.

Eu poderia até tentar disfarçar e fingir que não me importo com o que vejo, ou que talvez eu até dissimule com algum sucesso, de que não mais me interfere tais passos irresponsáveis no poder. Que não me incomoda como tratam de forma desprezível quem sofre e quem perdeu a sua vida, lá no Sul do Mundo Brasileiro.

Queria poder te dizer que ainda estamos na terra que nos qualifica automaticamente a lutar pela LIBERDADE. Queria poder tanto dizer LIBERTAS QUAE SERA TAMEN.

Eu queria. Até poderia. Se eu estivesse em outro lugar.

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Alexandre Amorim é mineiro, pai e defensor da utilização de novas tecnologias em prol da liberdade, educação e desenvolvimento cultural da comunidade de Mariana. Estudante perpétuo, é orgulhosamente um bibliotecário e acredita no impacto positivo da leitura para o futuro.
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