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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Casa de Cultura promove lançamento do livro “Razões do Perdão”

Durante o evento Roda de Conversa com o Autor na Academia, o psicanalista e autor do livro refletiu sobre os caminhos possíveis para o perdão

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
René Dentz e Luciano Guimarães, na roda de conversa realizada na Casa de Cultura de Mariana
A roda de conversa aconteceu no auditório da Casa de Cultura, mediada pelo acadêmico Luciano Guimarães Pereira – Foto: Karla Rezende/Agência Primaz

A partir da convergência da psicanálise, filosofia e teologia, Dr. René Dentz, reflete sobre os caminhos possíveis para o perdão em sua mais recente publicação, “Razões Para o Perdão”. O lançamento do livro ocorreu na última quinta-feira (11) durante a primeira edição da Roda de Conversa com o Autor na Academia, promovida pela Academia Marianense de Letras em parceria com a Academia de Letras, Artes e Ciências Brasil (ALACIB) e a Fundação Presidente Antônio Carlos de Mariana (FUPAC-MARIANA).

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O projeto “Roda de Conversa com o Autor na Academia” tem como objetivo incentivar o hábito da leitura, oferecendo ao público uma aproximação com o universo literário por meio da troca e partilha entre escritores, acadêmicos e leitores. A roda foi mediada por um dos integrantes da Academia, o acadêmico Luciano Guimarães Pereira.

Em sua fala inicial, Luciano apresentou a etimologia da palavra perdão como doação total, mas ressaltou que as discussões trazidas no livro vão além. “O título é muito apropriado, mas fala menos do que é o livro. Eu daria a ele o nome de Razões para Viver porque para além do perdão, que é tão bem discutido, o livro está o tempo todo falando de questões muito íntimas do processo de viver e de se relacionar”, apontou o mediador.

O livro de René Dentz, "Razões do Perdão", foi publicado pela editora Ideias e Letras
O livro de René Dentz foi publicado pela editora Ideias e Letras – Foto: Karla Rezende/Agência Primaz

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Razões do Perdão

René indica o perdão em suas múltiplas possibilidades, ou seja, como um caminho constante e, até mesmo, infinito em direção ao horizonte. “Quando coloco o livro como Razões do Perdão, eu só não coloquei ‘Desrazões’ porque poderiam entender como não há razão para o perdão. Eu queria dizer que há, eu aposto no perdão, mas há caminhos e descaminhos, por isso que coloco no plural. Não há uma razão, mas razões”, explicou.

Além disso, ele pontua que o livro busca pensar o perdão através da condição humana, levando em consideração essa percepção do conceito como algo divino. Percebendo o cenário de uma sociedade que carrega muito ódio, o autor debateu, durante a roda, a necessidade de recuperar a humanidade em uma sociedade que não está habituada com o perdão.

O psicanalista e, também, professor da PUC – Minas e FUPAC – Mariana, relatou à Agência Primaz como surgiu esta instigação para estudar a temática. Ao observar a dificuldade humana em lidar com perdão, através da escuta clínica de pacientes, mas também de seu mergulho na filosofia e teologia, René reconheceu a necessidade de aprofundamento do tema.

Muitas vezes a análise vai caminhando, evoluindo e algumas questões vão sendo ditas, os não-ditos vão sendo ditos e questões inconscientes vão sendo mais elaboradas, mas existe um ponto que trava que é, às vezes, uma questão de perdão a uma pessoa. Então, o perdão me parecia ser um elemento muito central no processo analítico”, esclareceu.

Além de percorrer os caminhos do perdão, René traz em seu livro observações a respeito do corpo, da tecnologia e complexidades contemporâneas que atravessam as relações com o ato de perdoar. Ele deixa explícito que não é sobre esquecer ou banalizar a dor, mas sobre ressignificar a memória daquele sofrimento, ou seja, entender, de fato, aquelas feridas.

Na roda o autor citou o fim do apartheid sul-africano como exemplo de tentativa do perdão no viés coletivo. Além desse acontecimento, o próprio rompimento da Barragem do Fundão foi mencionado por um dos acadêmicos presentes. Para a Agência Primaz, René comentou sobre a relação da reparação com o perdão. “Quando se pretende ou se coloca a perdoar, é preciso fazer essas reparações. O perdão abre esse horizonte de pensar, de fazer a memória do que ocorreu como dor. E aí sim, a partir disso, é possível alcançar esse grau de perdão, mas porque o contrário disso é a anistia, que é extremamente perversa porque é como se nada tivesse acontecido”, destacou René.

Assim, não ter essa tentativa de perdão também está conectada com a negação de uma dor, ou melhor, com uma memória, apagamento que acontece em diversas situações da história coletiva como a escravidão e ditadura. Como aponta o psicanalista, a amnésia gera a anistia que é o esquecimento e banalização da dor.

Hoje nós vemos isso no nosso país. Infelizmente pessoas dizendo que a escravidão não existiu da forma que foi, que não existe homofobia, machismo estrutural e que a ditadura militar foi boa A gente reproduz tudo isso, só que com um grau de perversidade de já ter vivido, então negado e, agora, com uma sociedade mais complexa ainda”, completou.

Perdoar abre horizontes

René Dentz, autor do livro "Razões do Perdão", falando sobre o tema na Academia Marianense de Letras
Dr. René Dentz falou sobre o perdoar como ato que abre horizontes – Foto: Karla Rezende/Agência Primaz

Quanto ao perdão como ação constante, em seu livro “Horizontes do Perdão”, o autor conversou com um professor, um frei dominicano do Congo, que relatou o processo de ditadura do Congo como extremamente perverso, já que eles matavam e desapareciam com os corpos, tirando das famílias o processo de luto e as memórias. “Apagar a memória é um grau de perversão enorme. Por isso o perdão é um processo contínuo, é essa memória sempre sendo revisitada”, afirma René Dentz.

Por fim, ele considera que a memória alimenta esse processo do perdão. Sem ela, não é possível compreender a dor causada. “Também neste mesmo livro, o artigo da professora Cristina Bustamante do Chile, dizia da importância de o Chile ter feito, por exemplo, um museu para lembrar os crimes da ditadura. Assim, como acho importante ter o memorial de Auschwitz ‘pra’ entender o que foi, que realmente existiu e essa memória tem que alimentar sempre esse processo”, finalizou.

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Outras publicações de René Dentz

Sendo objeto recorrente de suas pesquisas, o autor tem outras publicações voltadas para as relações humanas, corporeidade e vulnerabilidades. Dentre eles, “O Conceito de Pessoa em Paul Ricoeur” (2010); “Bem-vindos ao século XXI” (2018); “Reflexões Contemporâneas: sobre o século XXI e suas complexidades” (2019); “Existe Liberdade no Perdão? Um diálogo com a filosofia e a teologia a partir de Paul Ricoeur” (2019-Editora Appris); “Visões da Democracia no Século XXI” (2019- Editora Lumen Juris); “Dilemas humanos contemporâneos” (2020-Editora Helvetia); “Contemporary Human Dilemmas” (2020); “Horizontes de Perdão” (2020-Editora Ideias e Letras) e “Versões do Perdão” (2021-Helvetia Éditions).

Para conhecer mais sobre as pesquisas e publicações do Dr. René Dentz, visite sua página pessoal.

Acolhendo arte e poesia

As linhas das bordadeiras se encontram com os versos dos poetas na escadaria da Casa da Cultura de Mariana. Trazendo como referência os degraus da Casa de Jorge Amado, localizada em Salvador, cada passo dado perpassa pelos escritos de alguns autores e autoras do cenário literário de Mariana. No segundo piso do casarão, a história toma forma através das obras das bordadeiras da Academia Marianense de Bordados.

Escadaria da Casa da Cultura inspirada na Casa de Jorge Amado em Salvador

A Academia Marianense de Letras, sediada na Casa de Cultura, ocupa esse espaço histórico desde 1969, quando foi cedida pelo estado de Minas Gerais. Com 62 anos de existência, a academia tem sido um importante polo cultural, realizando lançamentos de livros, eventos literários e promovendo partilha entre autores.

Além da Academia Marianense de Letras, a Casa da Cultura é sede do Movimento Renovador de Mariana desde 1987 e, mais recentemente da Academia Marianense de Bordados, criada em 2022. A Casa de Cultura desempenha um papel fundamental na preservação do patrimônio histórico do município. O local abrigou a primeira fundição e a primeira casa de intendência de Minas Gerais, sendo um ponto de visitação turística.

Além das ações literárias, ocorrem exposições e outras atividades culturais como o projeto “Com (ciências) – Mulheres, Saberes e Lugares”, que homenageia importantes mulheres negras da memória marianense, por meio de retratos falados que foram bordados pelas bordadeiras da Casa de Cultura.

Mariana, conhecida como uma cidade literária e de poesia, viu nascer dois grandes expoentes da literatura brasileira: Frei Santa Rita Durão e Cláudio Manoel da Costa, ambos naturais da região. Desde então, o município tem sido berço de poetas e escritores, com destaque para nomes como Dom Silvério, membro da Academia Brasileira de Letras, e Alphonsus de Guimarães, nascido em Ouro Preto, mas que viveu a vida toda em Mariana e foi autor do hino de Mariana.

A cidade também é reconhecida pela Aldravia e lançou ao mundo o Movimento de Arte Aldravista. “Criamos a primeira forma de poesia brasileira que é Aldravia, também já com lançamentos em Portugal, na França, na Espanha, no Chile, na Ilha da Madeira”, destaca o presidente da academia, José Benedito Donadon-Leal.

Livros expostos na Casa da Cultura dentre eles, publicações sobre o Aldravismo
Livros expostos na Casa da Cultura dentre eles, publicações sobre o Aldravismo – Foto: Karla Rezende/Agência Primaz

Apesar de sua relevância cultural, Mariana muitas vezes é associada apenas à indústria mineradora, sendo território cultural e universitário. “Mariana é a cidade voltada ‘pra’ essa questão da produção intelectual. Infelizmente ela tem esse lado muito comercial voltado ‘pra’ mineração que tira o foco do que verdadeiramente ela é. Acho que o curso de jornalismo tem até mostrado bastante isso, mas eu acho que os cursos de letras e história poderiam se empenhar mais também e mostrar esse lado da cidade” afirmou Donadon.

Para acompanhar as exposições, encontros e demais programações, visite as redes sociais da Academia Marianense de Letras, Movimento Renovador de Mariana e Academia Marianense de Bordados. A Casa de Cultura está localizada na Rua Frei Durão, 84, Centro.

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