Ao Dia das Mães
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Sentimentos e reações são ações personalizadas, vêm no sangue e, se calharem, transformam-se em lidas. Quisera ser aço, carne e pluma. Perfeição nem nos pensamentos mais puros ou divinos. Que barulho ensurdecedor vem da rodovia apinhada de veículos. Dirigi um automóvel velho e grande, depois de anos sem colocar as mãos no volante. Os pitos de mãe emergiram, ativando memórias. “Necessidade faz razão saltar, ser pedra na lida dura”. Emoção se amiúda para dar vazão à razão. Ciclos são dons divinos passageiros; viver e morrer fazem parte da liberdade da existência. Espinhos justificam rosas, canteiros, perdas, conquistas e derrotas. Levezas acalentam a vida, mas o peso das coisas apruma o corpo. Mãe disse coisas leves, precisas, doces, amargas e duras. Mãe é ouro, pedra e aço eternizados nas dobras da memória e do tempo. Mãe é poesia indecifrável, inanalisável e irretocável. Três orquídeas miúdas amarelas surgem do jardim repleto de petúnias. Não precisava o aparecimento imediato das novas flores. Que milagre realiza a natureza? Nenhum, se não for bem cuidada. Passei pela estrada, rezando. Senti cada atrito do pneu no asfalto. Motoristas afoitos e apressados cortam pela direita ou pelo acostamento. Meus olhos míopes enxergam cada sinalização pintada no asfalto. Corpo tenso. Dentes travados. Ligo o som. Abro o vidro. Vento gelado acaricia meu rosto suado sob a máscara de TNT. Ainda uso. Meus olhos abocanham fragmentos de imagens em projeção acelerada. Dia de tempo fechado, cinzento, brumoso e de vacina. Faz frio. O sol sabe ser ausente no momento propício, feito as palavras doces e amargas de mãe. Maio, mês das mães. Mãe foi pra Casa de Cima numa viagem celestial sem volta. Chorei. Senti a batida de minhas emoções, querendo invadir minhas razões construídas tijolo a tijolo, sob a batuta dos meus pais.
“Vai dar vazão à razão, quando a emoção romper suas ações, guria!”
Demorei a praticar o aforismo. Antes tarde do que nunca. Quando a emoção bate forte, liberto meu lado racional. Respiro fundo. Medito nas doses mágicas da poesia sintética. É assim que mãe dizia: aprender a dosar os sentimentos com a razão.
Fui com medo mesmo, ao pegar o volante, passando pela estrada repleta de carros, ônibus e caminhões. Fui com medo, deixando os ensinamentos de mãe emergirem, virem à tona feito água cristalina, forte e pura. Fui com medo, sentindo a presença de mãe, batendo no meu peito. Mãe nunca foi embora de mim, nunca teve tempo ruim ou hora, para fugir das intempéries e dos desafios da vida. Mãe é luz sempre a brilhar do outro lado, no céu. Não importa se sol, chuva, bruma ou raio, mãe é chama que não se apaga, mesmo se a pele enruga ou o coração se aquieta, porque morrer é da vida. Fui com medo, passando pelo asfalto da rodovia movimentada. Segui, lembrando das palavras de mãe: vai, com medo mesmo, sem deixar que ele te domine…


Reencontrando meu passado

Realidade esperançosa
