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Hoje é segunda-feira, 20 de maio de 2024

Sete anos do rompimento da barragem de Fundão

Tragédia inundou distritos de Mariana com lama e rejeitos de minério, destruindo casas, famílias e sonhos de moradores da região de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo

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Sobre fundo branco, a logomarca da Agência Primaz, em preto, e a logomarca do programa Google Local Wev, em azul, com linhas com inclinações diferentes, em cores diversasde cores diversas
Ruína da Escola de Bento Rodrigues, com marcas da lama decorrente do rompimento da barragem de Fundão, com a inscrição "Essa marcou nossas vidas"
Há 7 anos a lama varria o distrito de Bento Rodrigues – Foto: Luiz Loureiro/Arquivo Agência Primaz

No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, levou uma onda de rejeitos que destruiu Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, atingiu os afluentes e o próprio Rio Doce, além de matar 19 pessoas. Com uma degradação ambiental de cerca de 240 hectares de mata atlântica, 14 toneladas de peixes mortos e atingindo territórios de povos originários como os Krenak (MG), Tupiniquim (ES) e Guarani (ES), esse é considerado um dos maiores desastres socioambientais do Brasil. Sete anos depois, tingidos e atingidas pelo rompimento ainda não receberam reparação integral e reassentamento só poderá ser ocupado a partir de 2023.

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Deixando um rastro de destruição ao longo da bacia do Rio Doce, o rejeito de minério, formado principalmente por óxido de ferro e sílica, percorreu cerca de 663km de cursos d’agua de Minas Gerais até o Espírito Santo. Em artigo publicado em março de 2019, “A mineração e seus crimes como temas para a educação científica”, o Prof. Fábio Augusto Rodrigues e Silva, do Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente (DEBIO) do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (ICEB) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) aponta que “no momento podemos considerar irrecuperáveis os ambientes atingidos e os modos de vida e produção das populações que foram direta e indiretamente afetadas”.

O professor destaca que casos como o rompimento da Barragem de Fundão, assim como a do Córrego do Feijão posteriormente, “não podem ser considerados eventos excepcionais, pois essas ocorrências com barragens de mineração são recorrentes. A excepcionalidade pode ser atribuída a extensão dos recentes desastres”.

Um acordo firmado entre as empresas, Vale, Samarco, BHP e órgãos públicos da federação, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entre outros, criou em 2016 a Fundação Renova, uma instituição sem fins lucrativos responsável pela reparação dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão. De acordo com a Renova, o processo de reparação está acontecendo como prioridade sendo que “na área socioambiental, os resultados do monitoramento da bacia do rio Doce demonstram uma tendência de recuperação, com a retomada dos parâmetros de qualidade da água em níveis históricos”.

A Renova ainda aponta que “foi concluída a revegetação nas áreas diretamente impactadas pelo rejeito, trabalho realizado em mais de 200 propriedades rurais localizadas em Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova, em Minas Gerais”. A instituição argumenta que investe em melhorias na saúde e educação local e amplia ações de turismo e cultura na região.

Além disso a Fundação é responsável pela construção do novo Bento Rodrigues, reassentamento que vai abrigar os desalojados após a barragem romper. A promessa, após 7 anos, é que as famílias planejem sua mudança para o novo local a partir do início de 2023. O projeto, que foi apresentado sob fortes críticas de pessoas atingidas pela tragédia no mês passado, está em fase final de construção, segundo a Renova.

A infraestrutura está pronta, assim como a escola municipal, os postos de saúde e serviços, arruamento, iluminação pública, redes de água e esgoto”, esclarece a assessoria de comunicação da Renova. “Com relação às casas, 78 estão prontas e 76 estão em construção”, segundo dados de 21 de outubro de 2022. “A expectativa é de que cerca de 120 casas estejam concluídas no fim do ano”, conclui.

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Outra entidade que está inserida no contexto da reparação dos atingidos é a Cáritas Regional de Minas Gerais que, também em 2016, a partir de uma ação do Ministério Público, passou a agir no processo de restituição junto aos atingidos e atingidas, de forma autônoma em relação às empresas Vale, Samarco e BHP. “O que avaliamos é que o crime é continuado. Após o rompimento da barragem o crime se renova todos os dias. O panorama social que temos é muito ruim, ao contrário do que se pensa houve um empobrecimento das famílias, com boa parte delas dependendo do auxílio financeiro emergencial”, analisa Geruza Silva, Coordenadora Operacional da Cáritas em Mariana.

O cenário que temos também é ruim, onde os reassentamentos não necessariamente oferecem o retorno dos modos de vida dos atingidos. O novo Bento Rodrigues não oferece espaço para que as pessoas produzam e tenham hortas como tinham, trabalhem na agricultura e agropecuária. Dessa forma, o impacto é muito grande”, completa Geruza.

Outra questão levantada pela Coordenadora da Cáritas são os casos de herança. Quando o chefe da família falece, ao longo de todo o tempo que a reparação vem acontecendo, a situação se torna mais complexa, com o surgimento de incertezas a respeito do retorno da família à comunidade. “A gente tem tentado atuar da melhor forma possível junto com os atingidos para que sejam viabilizados os direitos e que seja cumprido o que foi homologado na ação civil pública. Temos uma série de diretrizes de reassentamento que não são cumpridas, bem como outros acordos que não estão sendo cumpridos no âmbito judicial”, esclarece Geruza.

As vidas de Bento Rodrigues

Mauro Marcos da Silva, que faz parte da Comissão de Atingidos, criada após o rompimento da Barragem de Fundão, nascido e criado em Bento Rodrigues, ainda se recorda do dia 5 de novembro de 2015. “Meus pais estavam aqui em Mariana no dia, para alguns afazeres. Minutos depois que ele [seu pai] deixou o carro na minha oficina, um amigo meu, que trabalhava na Samarco na época, me ligou perguntando onde estavam os meus pais”, lembra Mauro. “Ao ligar para quem estava em Bento Rodrigues na hora, eu não consegui. Nem para o telefone via satélite que tinha dentro da minha casa”.

Uma das casas de Bento Rodrigues, distrito marianense de Bento Rodrigues, completamente destruída pela lama proveniente do rompimento da barragem de Fundão, em registro de novembro de 2017, com vegetação encobrindo parte do que sobrou da edificação
Ao chegar em Bento Rodrigues, Mauro percebeu o impacto que a onda de rejeitos tinha feito no distrito – Foto: Luiz Loureiro/Arquivo Agência Primaz

Mauro conta como foi ver o distrito pela primeira vez após o rompimento da barragem. “Quando chegamos lá, ainda durante a tarde, só conseguimos ver a lama, não enxergamos casas nem nada do que havia lá. Foi nesse momento que tivemos a dimensão do tamanho da destruição que aconteceu”, relembra.

No dia de Finados deste ano, aconteceu uma celebração religiosa no distrito de Bento Rodrigues. “A partir de 2016 passou a ter um significado a mais, pela proximidade da data de 5 de novembro. Com isso lembramos como uma homenagem às pessoas que faleceram no dia do rompimento da barragem”, finaliza Mauro.

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