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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Biblioteca Municipal de Mariana passará por reforma, após acidente

A obra para reparação da parede danificada será realizada pela Escola de Ofícios Tradicionais da cidade

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Biblioteca Municipal de Mariana passará por reforma, após acidente
Fachada da Biblioteca Municipal Benjamim Lemos, com tapume no local onde há um buraco, provocado por um acidente automobilístico | Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz
Um acidente automobilístico levou à abertura de um buraco em uma das paredes da Biblioteca Municipal Benjamim Lemos, em Mariana. O fato aconteceu em 29 de maio, um domingo, sendo causado por um morador local ao tentar fazer uma manobra em uma caminhonete. Apesar do dano causado à estrutura física da biblioteca, não houve impacto nas estruturas de madeira que sustentam o prédio, sendo atestada a sua segurança após vistorias. A reforma da parede danificada será realizada pela Escola de Ofícios Tradicionais, sem custos para a Prefeitura Municipal. No entanto, o impacto, associado a outras características do prédio histórico, construído em adobe, ressaltou a necessidade de outros reparos.

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O bibliotecário Alexandre Soares, à frente da biblioteca Benjamim Lemos desde Agosto de 2021, não esperava pela situação atual do prédio. O estabelecimento havia retornado às atividades em abril deste ano, após o período de pandemia, mas teve de interromper os atendimentos logo após o acidente. O bibliotecário contatou a Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana para verificar a possível reforma, visto que se trata de um prédio histórico, construído em adobe, e uma reforma particular teria altos custos. A vistoria realizada tanto por profissionais da Escola quanto pela Defesa Civil atestaram a segurança do prédio, apesar do impacto e do dano na parede. Após a produção de laudos técnicos atestando a integridade estrutural, Alexandre e os demais funcionários retornaram ao trabalho, permitindo a continuidade dos empréstimos de livros, ainda que parcialmente.

Como explica Ney Nolasco, gerente de ensino da Escola de Ofícios, foi criada uma  proposta de intervenção, entregue à Prefeitura Municipal e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), pois trata-se de um prédio de valor histórico para a cidade. A assinatura para a realização do procedimento de reforma aconteceu duas semanas após a posse do novo prefeito interino, Ronaldo Bento (PSB). [O projeto] foi aprovado, especificando a metodologia de intervenção, os procedimentos, materiais a serem utilizados, o tempo necessário, a característica dos profissionais que vão atuar”, explica Ney. Devido às características da construção original, todo o processo de reforma vai seguir métodos específicos. O material danificado no acidente foi recolhido e será utilizado na confecção de novos tijolos de adobe, seguindo as mesmas dimensões dos originais.

Visão interna do buraco na parede da biblioteca. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz
Imagem do buraco utilizada no documento com proposta de intervenção criado pela Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz

“As nossas aulas tem a teoria, para conhecer os materiais, as técnicas, conhecer o patrimônio, e tem as aulas práticas, então, nós vamos fazer lá a prática da intervenção, onde os alunos serão orientados pelos professores e mestres de alvenaria, sem custo para a prefeitura”, afirma o gerente de ensino, complementando que a mesma reforma, se realizada por uma empresa particular, teria um custo entre R$ 25 mil a R$ 30 mil. Como a escola utilizará a oportunidade como ferramenta de ensino e já possui grande parte dos materiais necessários, os custos serão reduzidos consideravelmente. 

Após a parede ser refeita, haverá o reboco, utilizando cal (diferenciando-se das reformas comuns que utilizam cimento) e finalmente, a pintura, tanto do lado interno quanto externo, mantendo-se a aparência original da parede. 20 alunos de alvenaria vão trabalhar com a reconstituição da parede, seguidos por 20 alunos de pintura. Em ambos os casos, haverá acompanhamento por um mestre e um professor de cada área, que irão orientar o trabalho dos alunos. A supervisão do projeto será feita por Ney, que é também engenheiro com experiência em conservação e restauro. 

A previsão para início das atividades é para o começo de setembro, com a produção dos tijolos e preparação da forma. Na segunda quinzena do mês, está previsto o começo da obra, fechando o buraco e, em seguida, sendo feito o reboco e a pintura. Está previsto para o mês de outubro um evento na biblioteca em comemoração aos 100 anos do modernismo brasileiro. A previsão de conclusão é para a primeira quinzena de outubro, época em que, de acordo com Alexandre, está prevista a realização de uma intervenção cultural na biblioteca em comemoração ao centenário do modernismo brasileiro. 

Os espaços internos da biblioteca passarão por mudanças a partir do repasse de novos equipamentos, via edital da Fundação Renova. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz
Umidade e infiltrações são alguns dos problemas enfrentados pela biblioteca, dificultando a preservação dos livros e a permanência nos espaços. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz

Novas demandas

Além da necessidade de reforma na parede danificada, outras ações mostram-se necessárias para a manutenção do espaço. Já está prevista a pintura da biblioteca e a adesão de um software para automação de bibliotecas (o escolhido foi o Biblivre, um software de acesso livre e gratuito). Mas há também a necessidade de uma ampliação na rede elétrica e de reforma no telhado do prédio. Como explicado por Alexandre, a expectativa é que tal obra seja proporcionada através de verba emergencial da Prefeitura Municipal. Neste caso, há a necessidade de retomar discussões com o poder público, visto que a biblioteca, até então parte da Secretaria de Educação, retornará para a Secretaria de Patrimônio Histórico, Cultura, Turismo e Lazer. Ele cita o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural (Compat) como possível aliado, a fim de levar tais demandas adiante. 

Em algumas partes do prédio, a umidade e a presença de infiltrações colocam em risco a preservação dos livros e a utilização dos espaços para leitura e pesquisa. Alexandre mostrou a organização atual de títulos, inclusive a separação entre aqueles volumes cujo estado torna-os inutilizáveis, daqueles que deverão passar por reparos a fim de serem usufruídos pela comunidade. Ele revela seu desejo em tornar os espaços fechados, úmidos e sem ventilação em locais apropriados para a circulação de pessoas, e explica as mudanças que gostaria de fazer, a fim de melhorar os ambientes sem prejudicar a fachada do prédio, o que iria contra orientações do Iphan. 

Durante sua vistoria, Ney Nolasco observou a presença de patologias, como trincas e fissuras na estrutura de madeira. Ele explica que é possível que deformações pré-existentes no prédio tenham se tornado mais evidentes após o impacto. Ainda que não exista nenhuma emergência estrutural no prédio, o engenheiro dá destaque à importância em se realizar manutenções periódicas. “Toda edificação precisa, mas os edifícios históricos precisam de um cuidado a mais, porque essas patologias ficam escondidas e quando começam a fazer as manifestações o estrago é muito maior”. Ele enumera algumas das necessidades de prédios desta natureza, sendo preciso cuidar de imunização, goteiras e pintura todos os anos, enquanto as revisões de estruturas, rede elétrica e aterramento devem ser feitas a cada cinco anos.

Questionado sobre um possível envolvimento da Escola de Ofícios Tradicionais com novos projetos, voltados a essas demandas da biblioteca, Ney afirma a disposição da organização em contribuir: [A Escola de Ofícios Tradicionais] ajuda não só na questão da formação profissional, mas tem potencial para fazer muito mais. Vai depender do interesse do poder público. Se o poder público quiser fazer uma parceria com o Instituto Pedra, com a Escola, nós estamos à disposição para ajudar a comunidade com um custo muito mais baixo que o de empresas”.

Recentemente, a Biblioteca Municipal foi aprovada para receber o equivalente a R$ 200 mil em equipamentos pela Fundação Renova, cujo repasse está previsto já para este semestre. Fruto de um projeto do final de 2021, Alexandre explicou que os recursos, em forma de equipamentos, foram escolhidos dentro das possibilidades listadas pela própria Fundação. Isso inclui uma vasta quantidade de livros para o acervo da biblioteca, além de de itens e serviços para a melhoria de seu espaço interno, como ventiladores de teto e a pintura necessária para o prédio. Apresentando o espaço, Alexandre explica que a sala infantil receberá novos itens, como televisão e bancos interativos. Entre diferentes cômodos, o bibliotecário explica que mudanças serão feitas na organização, com a aquisição de mesas e cadeiras. A biblioteca também busca fazer melhorias relacionadas à acessibilidade, alterando o local de sua porta de entrada e dispondo de uma coleção de livros em braile em uma de suas salas.

A biblioteca conta com uma coleção de livros em braile, promovendo a acessibilidade para pessoas com deficiência visual. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz

Obras raras

Mais que um espaço para o empréstimo de livros, a Biblioteca Municipal Benjamim Lemos é lar de algumas raridades. Há livros antigos, alguns dos quais guardam histórias ainda não descobertas, e que possuem um grande potencial para se tornar objeto de estudo de pesquisadores. Um deles, com o nome de Manuel Antônio da Silva Serra, data de 1813, época das guerras napoleônicas. “Este livro aqui é contemporâneo de barcos a vela, canhões, não existia máquina a vapor, nem luz elétrica. Pregressa duas guerras mundiais. E chegou em Mariana a gente não sabe como. O que pode ser é que ele [Manuel Antônio] seja algum tipo de estudioso religioso, um padre. Aqui está o nosso vovozinho da biblioteca. O livro mais raro que a gente tem até hoje”, conta Alexandre, segurando o exemplar cuidadosamente e utilizando luvas. 

Ele complementa, afirmando o desejo em fazer uma parte específica para tais livros, com o material e condições para mantê-los, disponibilizando-os para a consulta apenas a pesquisadores, e digitalizando seus conteúdos. Porém, estes são projetos de alto custo e que demandarão tempo para se tornarem realidade.

O bibliotecário Alexandre Soares segura o livro mais antigo da biblioteca. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz

Escola de Ofícios Tradicionais de Mariana

Trata-se de uma das ações do Instituto Pedra, uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que desenvolve ações no campo do patrimônio cultural. Sediada em São Paulo, a OSC capta recursos pelo Instituto Cultural Vale, via Lei Rouanet. Como gestor dos recursos, o Instituto mantém a instituição de ensino em Mariana, proporcionando formação nas áreas de alvenaria, cantaria, carpintaria, forjaria e pintura. Anualmente, são selecionados 200 alunos (100 a cada semestre) e tem a oportunidade de realizar todo o percurso formativo sem custos, ganhando transporte (alunos que residem em distritos), alimentação, seguro e usufruindo do material bibliográfico presente na escola. 

Apesar de serem promovidas visitas técnicas à obras em prédios históricos de Ouro Preto e Mariana, é incomum que os alunos possam se envolver de forma similar ao que será feito na Biblioteca Municipal. Usualmente, as aulas práticas são realizadas em modelos construídos pelos alunos dentro do espaço da escola. Segundo Ney Nolasco, há propostas para atuação em trabalhos na cidade e no distrito de Antônio Pereira, mas sua realização ainda não foi possível. 

Modelos construídos pelos alunos da Escola de Ofícios Tradicionais para suas aulas práticas. Foto: Kaio Veloso/ Agência Primaz

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