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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

Membros da Academia Marianense de Bordados tomam posse na Casa de Cultura

Solenidade buscou elevar o bordado como parte da memória e história da cidade

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A solenidade de posse da Academia Marianense de Bordados ocoreu na sexta-feira (05) na Casa de Cultura, em Mariana. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz
A solenidade de posse da Academia Marianense de Bordados aconteceu na noite de sexta-feira (05) na Casa de Cultura em Mariana. Composta, a princípio, por 19 membros, entre efetivos, honorários e beneméritos, a entidade busca valorizar o bordado, compreendendo tal arte como uma forma de intelectualidade. Trata-se de uma das primeiras Academias deste tipo no Brasil. No local, foram exibidos trabalhos dos acadêmicos. O evento contou ainda com uma apresentação do grupo musical Uns e Outros.

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A ideia de criar a Academia surgiu em maio, durante uma visita do Movimento Renovador de Mariana, departamento da Academia Marianense de Letras, ao Atelier Anjo Barroco – Arte e Fé, ambos com atividades voltadas ao bordado. A sugestão partiu da escritora e artista plástica Andréia Donadon, que se lembra do momento com ternura. Segundo ela, o encontro foi marcado pela doçura da canjica e do ambiente de irmandade, cercado pelos trabalhos das bordadeiras, que imediatamente abraçaram a ideia.

Apesar de sua relevância histórica e cultural, o bordado tem seu lugar costumeiramente diminuído frente a outras expressões criativas. “Quando se fala em artesanato, infelizmente às vezes as pessoas diminuem um pouco o valor artístico, Quando fala ‘artes plásticas’, aí cria um patamar maior. Mas todas as artes, independente de [ser] artesanato ou artes plásticas, são o máximo da criatividade. Então, o bordado está em um patamar tão alto quanto as artes e as letras”, complementa Andréia. 

A primeira presidente da Academia, Raimunda Maria dos Anjos Castro, percebe a criação da entidade como um modo de agregar valor ao bordado, além de servir como forma de promover a união entre aqueles que praticam a atividade. “Grupos isolados não têm o mesmo impacto que uma Academia”, afirma. 

Andréia Donadon-Leal, membra benemérita da Academia, Raimunda Maria dos Anjos Castro, presidente e Márcia Acerra Almeida, vice-presidente, durante solenidade. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

O planejamento de atividades acompanhará um calendário, tal como é feito pelo Movimento Renovador de Mariana e pela Academia Marianense de Letras. O objetivo será promover oficinas e palestras, para ensinar sobre a prática e história do bordado. Assim, não somente o conhecimento quanto à técnica será levado adiante, como também será preservada a memória de uma tradição cuja origem remete à pré-história.

Costuras de Memórias

Arte milenar, o bordado possui sua história particular no município. Segundo a presidente da Academia, a tradição já existe desde o período em que Mariana ainda era uma vila. “Quando aqui chegaram as irmãs vicentinas, elas vieram trazendo a cultura do  bordado. No museu do Colégio Providência, você vai ver várias peças bordadas pelas irmãs que chegaram da França, e na escola tinha também aulas de trabalhos manuais, porque além do magistério, a mulher era formada para ser do lar”, explica Raimunda.

Embora o imaginário do bordado nos transporte ao universo feminino, hoje, sua prática atrai a atenção de diversas pessoas, independentemente de gênero ou idade. Nas oficinas promovidas aos sábados na Casa de Cultura, há homens que se unem às mulheres para aprender os pontos, havendo inclusive um membro masculino (Dário Américo Lopes Júnior) dentre os acadêmicos. 

Existem diversos tipos de bordado, como richelieu e crivo, mas é o estilo livre que predomina na cidade, podendo ser utilizado como estamparia e sublimação. Algumas das possibilidades criativas puderam ser conferidas nos trabalhos expostos na Casa de Cultura, fotografados por Pedro Olavo: 

Figura conhecida na cidade, Hebe Rôla é presidente da Academia Marianense de Letras e professora emérita da UFOP. Agora, faz parte também da nova Academia. Ela conta que teve contato com o bordado quando era estudante da formação de professores. No entanto, o aprendizado ocorreu recentemente, com as bordadeiras do Movimento Renovador de Mariana. “Nós tínhamos uma professora muito interessante, chamada irmã Maria Holanda. Ela ensinava muito bem, mas eu não tinha nenhum interesse pelo bordado, porque eu gostava da filosofia, da língua francesa, da língua portuguesa. Hoje eu ‘tô’ me redimindo, aos 91 anos. Considerei-a minha patrona aqui nessa Academia”.

José Benedito Donadon-Leal, compositor do hino da Academia Marianense de Bordados, e Hebe Rôla, presidente da Academia Marianense de Letras e membra efetiva da nova entidade. Foto: Pedro Olavo/ Agência Primaz

Uma das acadêmicas é Sônia Maria de Souza Almeida, que buscou no bordado uma forma de distração, aceitando o convite de uma amiga para conhecer o ateliê Anjo Barroco. Hoje, completa cinco anos desenvolvendo suas habilidades com o grupo. Sua colega, Maria de Lourdes Souza, é natural da cidade mineira de Jequeri, mas mora em Mariana há 37 anos. Seu contato com o bordado teve início ainda durante a infância, prática da qual se afastou com o passar do tempo. Já adulta, retomou a atividade a partir dos pontos que havia aprendido anos antes. Com a aposentadoria, pôde se unir ao Ateliê, comandado pela professora Márcia Acerra Almeida, vice-presidente da Academia. Paulista, é filha de um marianense e mora na cidade há muitos anos, possuindo no ateliê sua fonte de renda. A professora conta que, assim como ela, há pessoas que buscam no bordado uma oportunidade de trabalho, por isso, um de seus projetos é criar um grupo voltado àqueles que não possuem renda, gerando capacitação através da arte.

Solenidade de posse

Durante a cerimônia, o hino da Academia, composto por José Benedito Donadon-Leal, vice-presidente da Academia Marianense de Letras, foi interpretado pelo próprio com acompanhamento das novas acadêmicas. A composição é inspirada parcialmente pelo hino de Mariana e evoca o desejo de ressurgimento e esperança dos acadêmicos.

Em seu discurso, Andréia, que é membra benemérita da Academia, recuperou a trajetória do bordado, desde a pré-história, onde o ponto cruz era usado para a costura de vestes de peles, passando por sua presença no oriente médio, a prática de artesãs no início do século XX e a costura industrial que surgiu na década de 1950. “O bordado é milenar. Mesmo tendo passado por várias modificações em seu processo de produção, não perdeu a essência, a arte que conta entre linhas, fios e tecidos. Emoções, sentimentos, criações e, sobretudo, amor”. O mesmo sentimento é compartilhado pela presidente da Academia, Raimunda Castro, em seu discurso, onde expressou sua gratidão pela oportunidade em dar mais visibilidade ao bordado. “Vamos fazer com as linhas um ninho onde o amor, respeito, comprometimento e harmonia sejam a sustentação das nossas ideias”, declarou, arrancando aplausos e afirmando o lugar de importância e afetividade que o bordado representa para a cidade de Mariana.

 

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