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Hoje é domingo, 19 de maio de 2024

“Não queremos voz, queremos escuta”, diz Duda Salabert durante palestra em Ouro Preto

Vereadora mais bem votada da história de Belo Horizonte pretende se candidatar a um cargo federal

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Duda Salabert (PDT) vem percorrendo cidades mineiras que compõem um circuito de palestras para discussão das perspectivas políticas em ano de eleição - Foto: Giulia Pereira/Agência Primaz
Ouro Preto foi uma das cidades escolhidas para o circuito de palestras que Duda Salabert está promovendo no interior de Minas Gerais. Professora de literatura, ambientalista, mulher transgênero e mãe, conversou com os ouro-pretanos sobre perspectivas políticas para o ano de eleição, e esteve, nas últimas semanas, em Uberaba, Uberlândia e Divinópolis. Na cidade histórica, foi recebida calorosamente, com muitos aplausos, no Auditório do Grêmio Literário Tristão de Ataíde, na Rua Paraná, e também no campus Morro do Cruzeiro da Universidade Federal de Ouro Preto. A parlamentar, que ainda não decidiu qual cadeira vai disputar nas eleições de 2022, está tecnicamente empatada em 2º lugar nas pesquisas de intenção de voto para o Senado.

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Mulher transgênero no país que, há 13 anos consecutivos, lidera o ranking de países que mais matam pessoas travestis e transexuais no mundo, a vereadora clamou por mais políticas públicas para a comunidade no Brasil, especialmente a comunidade trans, da qual faz parte. Afinal, até 2018, a transexualidade era considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno mental. A militante, enquanto narrava situações de sua vida pessoal como mulher transgênero e sua trajetória política, fez apelo à dados concretos relacionados à comunidade LGBTQIAP+, uma vez que, de acordo com o único dado oficial brasileiro, segundo o Ministério da Saúde, 41% das travestis e transexuais no país estão com HIV.

Outros estudos conhecidos referentes ao “T”, do LGBT, no país, também possuem teor negativo. Hoje, mais de 90% das travestis e transexuais do país estão na prostituição. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mapeou as transexuais em Belo Horizonte e verificou que 6% foram expulsas de casa com menos de 13 anos de idade, e que 91% delas não concluíram o ensino médio. “Isso diz muito sobre o projeto educacional que está em curso no Brasil. Não existe evasão escolar para travestis e transexuais. O que existe é ‘expulsão escolar’. As escolas do modelo tradicional de educação não contemplam a diversidade”, garantiu a vereadora.

Para Duda, tais dados contemplam uma espécie de genocídio, pois se trata de um apagamento, enfraquecimento, segregação e marginalização do grupo. Também profissional da educação, ela idealizou, em Belo Horizonte, a ONG TransVest, destinada a reintegrar travestis e transexuais à sociedade por meio da educação. O projeto, que iniciou com o objetivo de ser um curso pré-vestibular gratuito para pessoas trans, hoje também é destinado a capacitar e inserir a comunidade no mercado de trabalho.

Para minimizar o problema de empregabilidade da população trans, para além das políticas públicas, Duda indagou à plateia: “Quantas pessoas travestis, transexuais, vocês já contrataram ‘pra’ qualquer coisa? Para formatar seu computador, capinar seu lote, pintar sua casa, tomar conta da sua criança, para dar uma faxina, para qualquer coisa? Ninguém nos contrata, por isso que são 90% das travestis e transsexuais na prostituição. A culpa, de fato, é do Estado que não cria políticas públicas. Mas quantas pessoas travestis/transexuais você já contratou? E os espaços que você frequenta? Quantas pessoas transexuais são contratadas lá?”, questionou, enfatizando a importância e o potencial de transformação que cada cidadão possui quando o assunto são as minorias.

Como ambientalista, Duda está à frente da luta a favor do tombamento estadual da Serra do Curral, que pode impedir a exploração de minérios na região. Ela acredita que somos a última geração capaz de frear o cenário de emergência climática, e que o caminho para solucionar a questão da mineração no estado de Minas Gerais, que detém hoje 4% do PIB no estado, 1,2% dos empregos e 2% dos impostos, é a diversificação econômica. “Os municípios que têm a chamada “minério-dependência” [precisam] superar esse cenário. Porque depois que a mina chega à exaustão e a mineradora vai embora, o que deixa para a cidade é violência, falta de água e buraco. Não é possível, como fala o Felipe Gomes, que nós vamos ter orgulho de ser um estado cuja vocação é vender montanha moída para o capital internacional. É isso que nós queremos para Minas Gerais? Continuar vendendo e triturando nosso patrimônio? Nós não queremos isso”, afirmou a parlamentar.

Ao final da palestra, Duda agradeceu aos presentes, reforçou a importância do voto, e fez mais um apelo; desta vez relacionado a uma frase presente no senso comum: “Como eu disse, o voto só tem valor se ele vier acompanhado de novas consciências. E você estar aqui me ouvindo, nos ouvindo, é muito importante. Porque as pessoas falam: ‘Nós temos que dar voz para travestis, LGBT’s, dar voz para mulheres, para negros, indígenas’. [Mas] nós não queremos ‘voz’. ‘Voz’ nós já temos. Nós queremos ‘escuta’. Escutar é um ato político e um ato pedagógico”, concluiu Duda.

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Composição da mesa

Encontro, em Ouro Preto, foi mediado por Patrícia Valim, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Foto: Giulia Pereira/Agência Primaz

No Auditório do Grêmio Literário, a mesa foi mediada por Patrícia Valim, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que há um ano está em cooperação técnica com o Programa de Pós-Graduação e o Departamento de História da UFOP. A mesa também contou com a presença de Victor Pinto, biólogo, doutor em Ecologia e ativista LGBTQIAP+, e Allie Barbosa, mulher transgênero e estudante de Artes Cênicas na UFOP, participante do projeto de extensão “POC: Papear, Ouvir e Conscientizar”.

Ao final do evento, uma ouvinte da plateia, que não se identificou, disse, no microfone, que estava motivada a entender e a participar mais do cenário político. Ela perguntou aos presentes de qual forma ela e os colegas, como estudantes da UFOP, poderiam ser mais ativos na sociedade. Victor Pinto, ativista LGBTQIA+ e residente da cidade de Ouro Preto, respondeu que um movimento simples, mas muito significativo no âmbito local, é a transferência do título de eleitor dos estudantes para a cidade de Ouro Preto. “A gente sabe que inúmeros estudantes deixam de votar nas eleições porque [a data] cai no meio do período e [eles] não vão ‘pra’ casa votar, [porque] moram longe, etc. E aí, não vota lá, nem vota cá. […] [Além disso], a maioria das pessoas da UFOP não conhece a Câmara dos Vereadores, não conhece a Prefeitura, não sabe o que está sendo feito e executado de política pública que diz diretamente sobre a vida dos próprios estudantes. Então, esse é um passo extremamente importante”, afirmou o biólogo.

Algumas políticas públicas relacionadas às pautas LGBTQIAP+ têm sido debatidas em Ouro Preto nos últimos meses, como a volta da Parada do Orgulho LGBTQIAP+ na abertura do Festival de Inverno de 2022, a criação do Centro de Referência LGBTQIAP+, a criação do Conselho Municipal da População LGBTQIAP+ e a criação de cotas destinadas à população Trans (travestis, transexuais e transgêneros) no serviço público do município.

Para se inteirar mais sobre as pautas minoritárias no município, Allie Barbosa incentivou a participação nas atividades dos projetos que vêm sendo desenvolvidos pelo Programa de Incentivo à Diversidade e à Convivência (PIDIC) da UFOP, como o POC e o Projeto Andorinhas (Rede de Mulheres da UFOP).

Ameaças de morte

Em um determinado momento na fala de Duda Salabert, a vereadora contou que, em 2020, após ser eleita com o maior número de votos da história da Câmara de BH, recebeu três ameaças de morte de um grupo do qual surgiram os terroristas que cometeram atentado na escola de Suzano, em São Paulo, em 2019. Por e-mails encaminhados à vereadora, aos diretores, aos donos e a alguns professores da escola em que ela lecionava, houve ameaças de transformar a unidade escolar em um “mar de sangue”. “Disseram que se eu continuasse dando aula ali, aquela escola viraria um mar de sangue. E foi promessa minha de campanha. Se eu fosse eleita, eu continuaria dando aula, porque eu entendo que meu papel em sala de aula é mais importante que no papel do espaço legislativo. No espaço legislativo eu crio leis, em sala de aula eu crio consciências”, relatou Duda Salabert.

Por questões de segurança, porém, a vereadora foi demitida da escola. Em reunião com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), relatou que foi aconselhada nesse sentido porque, continuando como estava, a chance de ser assassinada seria muito grande. Ela acredita que, se candidatando a um cargo federal em 2022, estará mais segura, pois vê a esfera federal como um espaço mais neutro. Atualmente Duda caminha sempre acompanhada por seguranças, pois teme que um dia as ameaças se concretizem. Entretanto, a busca pela “criação de consciências” permanece firme, e se materializa, entre outros espaços, em encontros como este último, em Ouro Preto.

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