- Ouro Preto
Após denúncias de blackface, UFOP emite nota e causa indignação na comunidade acadêmica
Publicada nesta quarta-feira (04), a nota da Reitoria foi recebida com muitas reclamações dos estudantes da instituição.
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Entre os mais de 300 comentários feitos na publicação no Instagram da UFOP, estudantes, principalmente negros, apontaram um apagamento da questão real, que seria o ato racista, como também um deslocamento dos verdadeiros afetados por tais ações. Os impactos psicológicos, emocionais e físicos causados pelo racismo deveriam ser a primeira instância abordada pela universidade. Os comentários classificaram a nota da Reitoria da UFOP como “vergonhosa, ridícula e revoltante”.
Outro ponto que causou indignação foi o descaso por parte da instituição ao não nomear o Coletivo Negro Braima Mané na nota. Ao citar os grupos e movimentos negros vinculados à instituição, a UFOP trouxe o coletivo apenas como “Coletivo Negro”. Para o CNBM, essa foi uma atitude desrespeitosa por parte da universidade.
Ao tomar conhecimento dos atos racistas praticados pelas repúblicas de Ouro Preto, o Coletivo Negro Braima Mané se articulou para formalizar as denúncias e cobrar da UFOP um posicionamento. Eles tiveram o apoio e a participação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) da Universidade Federal de Ouro Preto, do Movimento Negro Mariana (MNM), do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e de parte dos estudantes negros.
A mobilização através das redes sociais foi essencial para dar destaque ao caso, que repercutiu em diversos meios. Em encontro realizado entre estudantes negros e coletivos, no dia anterior à publicação da nota da UFOP, foi possível perceber um forte desejo de justiça e de também não permitir que o episódio fosse apagado como tantos outros já foram.
É o que comenta o CNBM para a Agência Primaz diante dessa grande repercussão. “O que mudou foi justamente isso, usar das mídias sociais e visibilidade do coletivo e demais vozes para poder se movimentar. Mas, certamente, a organização de reuniões e o direcionamento correto de como fazer as denúncias, faz com que seja só a ponta do iceberg para termos Movimentos Negros mais organizados”.
Sobre a nota, o CNBM respondeu que “o pacto da branquitude é latente. As medidas cabíveis devem ser tomadas, mas é preciso considerar e lembrar que não foi a primeira vez e nem as primeiras denúncias. A nota da reitoria é de fato para abafar a situação, óbvio que a nota é de desagrado, já que deu a entender que o linchamento foi feito por nós, ao invés dos criminosos envolvidos”.
O Coletivo Negro Braima Mané frisou mais uma vez que este caso não é o primeiro. As denúncias são realizadas mas, contudo, “esquecidas” pela UFOP. “É importante ressaltar que apenas textos feitos sobre o contexto histórico do crime cometido não são suficientes. É preciso compreender o movimento de onde parte a denúncia e entender que não é de hoje, repetimos, não é de hoje, considerando as questões que são colocadas debaixo da gaveta, pela Instituição. Se não tiver organização e barulho, esse vai ser só mais um caso para eles”, completa o CNBM.
Na nota da Reitoria, a UFOP confirmou o recebimento das denúncias através da Ouvidoria da instituição. “Selecionados os elementos comprobatórios, essas denúncias serão encaminhadas à Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) para instauração de sindicância, apuração e posterior decisão.” Apesar de mencionar a Portaria Reitoria nº 123/22, que regulamenta as denúncias internas, a UFOP não possui regimento ou legislação direcionada para casos de racismo no ambiente universitário.
Já no pronunciamento do Coletivo Negro Braima Mané, e em resposta à Agência Primaz, fica explícita a necessidade da adoção de medidas punitivas e educativas, com a reivindicação de abertura de sindicância interna, apuração e responsabilização das pessoas e repúblicas envolvidas, em caso de constatação do crime de racismo. Questões que já foram indicadas como em processo pela instituição. Também se busca o “encaminhamento do caso para instâncias externas à UFOP para apuração e responsabilização das pessoas envolvidas pelo crime de racismo; desenvolvimento e oferecimento, por parte da UFOP, de atividades de caráter formativo e educativo para que fatos como este não voltem a ocorrer; criação de uma “Ouvidoria contra o racismo” na UFOP, visando estabelecer canal seguro de denúncia para crimes deste tipo na Universidade; criação de legislação ou regimento interno sobre tais crimes na Universidade, a fim de institucionalizar um posicionamento da instituição sobre este tipo de prática, bem como punir pessoas que as façam e coibir futuras ocorrências neste teor”, afirma o CNBM.
A nota completa do Coletivo Negro Braima Mané pode ser lida no Instagram oficial do coletivo. O CNBM e estudantes estão se organizando para um ato na próxima quarta-feira (11) às 11h30 no Morro do Cruzeiro em Ouro Preto. Na terça-feira (10), alunos convidam para a confecção de cartazes, às 16h, no Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) em Mariana.
Conhecendo o Coletivo Negro Braima Mané
O CNBM é um coletivo composto por estudantes negros e negras da UFOP. O nome Braima Mané é uma referência ao estudante de Ciências Econômicas que veio de Guiné Bissau para Mariana no ano de 2015. Na carta de apresentação, o Coletivo expressa: “Braima Mané, como nós veio da África, como nós teve suas terras colonizadas pelos portugueses, como nós escondia sua tristeza com um sorriso de luz, chegando do fundo da terra, do ventre da noite, da carne do açoite, dos turvos porões, do fundo do medo, das surdas correntes”.
O coletivo surgiu em 2015 como uma rede de mobilização, fortalecimento e organização preta dentro da universidade. Atualmente conta com cerca de 20 integrantes, levando em consideração o fluxo de saída e entrada de membros devido a formação de alunos e a chegada de calouros.
Seus princípios de ação consistem em “luta pela assistência e permanência dos estudantes negros no ambiente universitário; representação nos espaços decisórios da UFOP; maior disponibilidade de disciplinas que contemplem questões étnico-raciais; maior debate sobre o eurocentrismo presente nas bibliografias dos cursos de graduação e pós-graduação; implementação das cotas raciais nos cursos de pós graduação, tanto para entrada quanto para distribuição de bolsas em todos os cursos e assim se segue. É uma grande rede de atividades promovidas pelo nosso movimento e que parte de um princípio de estratégia e organização preta”, indicam.
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Entenda o caso
A tradicional festa republicana de Ouro Preto, denominada “Miss Bixo”, ocorrida no último final de semana (entre os dias 30 de abril e 1º de maio) trouxe cenas que causaram uma enorme indignação de várias pessoas nas redes sociais. Tradicionalmente, nesse evento, os estudantes fazem uma apresentação referente a algum personagem da vida real, de filmes ou desenhos. Imagens que viralizaram na internet mostram calouros das repúblicas com o rosto pintado de preto e marrom. As fotos se tornaram extremamente desagradáveis para grande parte dos estudantes da UFOP, que apontaram a ação como um episódio de blackface.
https://twitter.com/militonis/status/1521308737352441862
Mano, fiz essa charge ai como forma de revolto contra o Black face que aconteceu no miss bixo aqui e Ouro Preto.
— Mayron Gomes (@mg_artss) May 3, 2022
É tanta revolta que essa foi a única coisa que consegui desenhar hoje, é foda desenhar com ódio mas foi o jeito que encontrei de me manifestar além das falas pic.twitter.com/OsqHANIsdQ
isso é blackface, falta de noção e acima de tudo: CRIME!!! pic.twitter.com/AGJB6UilUG
— in my 1989 taylor’s version era (@borntobridgers) May 3, 2022
As repúblicas “Cravo e Canela” e “Xamego” chegaram a se pronunciar nas redes sociais na segunda-feira, 2 de maio. Ambas justificaram as caricaturas como personagens não-humanos do desenho animado “Corrida Maluca”.
“Nosso tema escolhido foi ‘Corrida Maluca’ e, para representar os personagens Mutley (cachorro) e Irmãos Rocha, três pessoas foram pintadas de marrom para representar a pelagem dos personagens não-humanos em questão. Pedimos desculpas aos que se sentiram ofendidos pela forma como representamos esses personagens. Em nossa república repudiamos qualquer ato de racismo e estamos abertas para esclarecer e debater essa questão”, publicou a República Cravo e Canela pelas redes sociais.

Mas a justificativa da república não foi aceita por grande parte dos internautas. Um deles, inclusive, ressaltou que há diversas formas de representar tais personagens, não havendo necessidade de pintar o rosto de preto ou marrom para se parecer com o Mutley ou com os Irmãos Rocha.
https://twitter.com/mycambos/status/1521462608456527879
A República Xamego também se pronunciou com dois stories no Instagram dizendo que tiveram como tema a música da banda Mamonas Assassinas, “Mundo Animal” e que escolheram a fantasia de pombo. “Tendo em vista o tema escolhido, fizemos uma caracterização completa com o intuito de representar única e exclusivamente o animal citado. Fizemos asas, bico de pombo e, assim, nos pintamos de preto (visto que vários desses animais são pretos), pintamos parte da perna de rosa (com intuito de representar as patas do animal”.
Uma terceira república, Território Xavante, que é federal, também publicou imagens de estudantes pintados de preto em suas redes sociais, mas apenas apagou a publicação e não se pronunciou sobre o caso.
Com tamanha repercussão, os perfis das três repúblicas foram apagados das redes sociais. A Agência Primaz entrou em contato com a Associação das Repúblicas Particulares de Ouro Preto (ARPA) e com a Associação das Repúblicas Federais de Ouro Preto (REFOP) para pedir um posicionamento, porém não recebeu uma resposta até o momento desta publicação.

A República Cravo e Canela havia citado em sua nota de esclarecimento que entraria em contato com o Diretório Central do Estudantes (DCE-UFOP). O DCE, por sua vez, se posicionou sobre o caso dizendo: “Racista, doloroso, ofensivo(sic) é essa prática de pintar o rosto de preto ou marrom para representar pessoas negras. O ‘blackface’ ridiculariza as pessoas negras para o entretenimento dos brancos, reforçando estereótipos. O ‘blackface’ tem raízes no racismo e isso é inaceitável!”
Herança da escravidão em Ouro Preto
A Cidade Patrimônio da Humanidade é um dos lugares mais procurados do país devido ao seu grau de relevância na história de Minas Gerais e do Brasil. O centro de Ouro Preto é quase um museu a céu aberto, com tamanha riqueza cultural nas ruas, pela forte presença da arquitetura barroca e pelas peças centenárias expostas. Porém, o município possui 70% da sua população autodeclarada negra, segundo o censo do IBGE de 2010, tendo ouro-pretanos descendentes de milhares de pessoas escravizadas no século XVIII.
De acordo com estudos do guia histórico de Ouro Preto, Valter Nascimento, durante os primeiros anos da extração aurífera, estima-se que 50 mil escravizados foram enviados para Minas Gerais. De todas as pessoas escravizadas levadas para a América, aproximadamente 10% foram para as minas de ouro. No ápice da mineração, chegaram a ser importados quase 7.500 escravizados ao ano, sendo a maioria vinda da Costa da Mina, região do golfo da Guiné (hoje Gana), Togo, Benin, Nigéria. Em Vila Rica (antiga Ouro Preto), estima-se que, no auge da mineração, a população escravizada chegou a ser superior a 40 mil pessoas.
https://twitter.com/ofelipe_d/status/1521865117918507008
O que é blackface?
Blackface é o ato de pintar a pele de pessoas brancas em cores escuras para ridicularizar pessoas negras, associando-as a alguma caricatura. Acredita-se que essa prática tenha se iniciado em 1830, em Nova York, nos cinemas e nos teatros, quando negros não podiam atuar por conta da cor da pele.
Existem diversos estudos que mostram o racismo presente no blackface. Na revista discente de História, da Universidade Federal do Acre (UFAC), “Das Amazônias”, um branco se pintar de cores escuras para associar a uma pessoa negra legitima estereótipos pejorativos, tornando-a “vazia de significados a cultura e identidade negra”. Um artigo publicado por mestrandos da mesma unidade de ensino superior, Andressa Queiroz da Silva e Wálisson Clister Lima Martins, junto da doutoranda Flávia Rodrigues Lima da Rocha, traz a discussão sobre o uso do blackface como prática pedagógica nos anos iniciais da educação básica. Neste trabalho eles dizem que o ato de se pintar para se caracterizar como uma pessoa negra se trata de um racismo que “inferioriza e ridiculariza a raça negra”.
O artigo dos acadêmicos da UFAC leva o título de “O uso do blackface como prática pedagógica nos anos iniciais da educação básica” e discute sobre as práticas pedagógicas que utilizam o blackface de maneira equivocada na busca pela valorização da história e cultura afro-brasileira e africana. Neste trabalho os mestrandos e a doutoranda acreditam que, ainda que a intenção da prática não seja ofender alguém, se trata de uma influência eurocêntrica que “reproduz um discurso racista sem as devidas informações sobre as questões étnico-raciais”.
Até mesmo estudos europeus tratam do blackface como uma prática de reforçar estereótipos negativos sobre pessoas negras. É o caso de Kehinge Andrews, que é professor de Black Studies na Escola de Ciências Sociais da Birmingham City University. Ele afirmou à BBC News que “o blackface tem raízes no racismo, que está ligado ao medo de pessoas negras e à ridicularização delas”.
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