Agência Primaz-Ano 6

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Hoje é sábado, 20 de abril de 2024

Waze e a cidadania digital

Os textos publicados na seção “Colunistas” não refletem as posições da Agência Primaz de Comunicação, exceto quando indicados como “Editoriais”

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É impressionante que em uma situação de calamidade como a que está ocorrendo agora em Minas Gerais, apesar de todas as ferramentas de geolocalização que existem, muitas pessoas ainda tenham dificuldade em conseguir informações precisas e atualizadas sobre a situação das estradas. Aplicativos gratuitos como o Waze e o Google Maps são muito conhecidos, mas infelizmente também são subutilizados. Em uma situação de calamidade como a atual, o Waze pode ser muito útil. Inclusive existe um programa de parceria do Waze com as prefeituras, chamado Waze for Cities no sentido de facilitar a engenharia de trânsito das cidades.

Os habitantes das regiões afetadas pelas chuvas dos últimos dias, além de enfrentarem os desafios que a própria situação calamitosa provoca, também estão tendo que lidar com um outro tipo de enxurrada. A quantidade de informações desencontradas sobre a situação das estradas com deslizamentos, árvores tombadas, pistas rompidas e alagadas. Em uma situação como essa, a melhor opção é permanecer em casa, mas o que fazer se for necessário sair? Como buscar informações atualizadas sobre as ruas e estradas?

Em cidades menores, onde existem poucas opções de veículos jornalísticos, o rádio acaba sendo a principal mídia informativa. Mas nenhum radialista conseguiria atender a centenas de ligações simultâneas, cada uma com destino diferente e perguntando sobre o caminho mais seguro.  Os perfis institucionais das prefeituras em redes como Instagram também conseguem divulgar alguma informação sobre a situação, mas dificilmente vão conseguir postar atualizações em tempo real.  Como é o caso do louvável esforço do Comando de Policiamento Rodoviário (MG) na atualização do Mapa das Interdições em rodovias de Minas.

Na prática, muitas pessoas estão buscando essas informações através de grupos no WhatsApp. Nesses grupos, todos podem compartilhar vídeos, áudios e imagens de vias alagadas, além de desmoronamentos e outros problemas. No entanto, nesses grupos também é fácil ocorrer o compartilhamento de informações erradas ou imprecisas. A velocidade da informação na era das redes dificultou muito o trabalho de verificação e checagem, como foi o caso das notícias sobre a barragem da Mina de Pau Branco. Muitos vídeos e áudios diziam se tratar de um rompimento. Até o Corpo de Bombeiros chegou a divulgar que se tratava de um rompimento, mas depois ficou claro que se tratava de um transbordamento do sistema de drenagem.

Uma forma simples e eficaz de amenizar o caos informativo desse mundo digital é justamente usar as potencialidades construtivas de colaboração que esse mundo oferece. O filósofo francês Pierre Lévy chama essa forma de colaboração digital de inteligência coletiva. A Wikipédia é um bom exemplo do potencial construtivo desse tipo de colaboração. Todos podem ajudar a escrever e revisar as informações dentro Wikipédia, mas apenas os colaboradores mais ativos têm os poderes necessários para garantir a qualidade das colaborações e impedir os eventuais vandalismos. Esse tipo de experiência colaborativa acaba gerando um sentimento de pertencimento entre os participantes.

Existem diversos aplicativos de GPS, mas sem dúvida os mais conhecidos são o Google Maps e o Waze. Hoje em dia, os dois sistemas pertencem ao Google, por isso as informações sobre trânsito em tempo real aparecem nos dois sistemas. No entanto, uma diferença fundamental entre os dois é que, enquanto o mapa dos Google Maps foi construído pela própria empresa, o mapa do Waze e suas informações de trânsito são construídos e alimentados pela comunidade de usuários.

A qualidade das informações do Waze depende da participação da comunidade de usuários ativos. São esses mesmos usuários que vão regular as informações marcadas no mapa. Se um acidente, por exemplo, foi relatado e estava obstruindo uma via, mas, um tempo depois, outro usuário chega no mesmo lugar e constata que a via foi desobstruída, ele pode atualizar a informação. Se ele estiver usando o aplicativo, o próprio Waze vai perguntar se o acidente relatado ainda está lá. Basta a pessoa responder ao aviso na tela. Mas poucas pessoas usam o Waze configurado com uma conta ativa e ainda menos pessoas têm o hábito de marcar as ocorrências do mundo real em seu sistema.

É compreensível que em cidades menores e com raríssimos engarrafamentos o uso do Waze seja muito eventual. Entretanto, em momentos como o atual, percebemos mais claramente a relevância de compartilhar informações, é uma questão de cidadania digital. Colaborar no Waze é algo que deveria nos orgulhar, tanto quanto fazer doações de roupas e alimentos para os desabrigados pelas chuvas. É claro, uma coisa não precisa substituir a outra, pelo contrário. Assim como roupas e alimentos, a informação correta sobre por onde ir ou não ir, em um momento como o que estamos vivendo, orienta, protege e salva vidas.

Esta coluna também foi publicada no blog Oficina de Linguagens Digitais.

Crédito da imagem: Editor de mapas do Waze

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André Stangl é filósofo e educador digital, Doutor em Comunicação (ECA/USP) e Coordenador da Oficina de Linguagens Digitais
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