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Hoje é segunda-feira, 20 de maio de 2024

Sem aviso, Vale tenta bloquear ruas no distrito de Antônio Pereira (Ouro Preto)

Ação da empresa foi parcialmente impedida pela ação de moradores na tarde desta terça-feira (23)

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Na Rua Projetada 10, as barreiras seriam instaladas nos pontos marcados no piso, próximo à residência de Gislene Alves, situada na borda da Zona de Autossalvamento – Foto: Marcelo Sena/Agência Primaz
Moradores do distrito ouro-pretano de Antônio Pereira foram surpreendidos com a tentativa de bloqueio de duas ruas, na região pertencente à Zona de Autossalvamento (ZAS) da barragem de Doutor. Em um local a tentativa de colocação de blocos de concreto foi impedida, mas a empresa conseguiu colocar os obstáculos em um segundo local. Revoltados, os moradores reclamam da falta de diálogo com a Vale e tombaram as peças de bloqueio. A empresa já começou também a instalar barreiras em ruas da Vila Residencial Antônio Pereira, mesmo com recomendação de adiamento feita pela Defesa Civil de Ouro Preto. Segundo informações, ficou agendada uma reunião com a empresa para esta quinta-feira (25), às 15h, contando também com a participação do Ministério Público.

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Acionada por moradores de Antônio Pereira, a reportagem da Agência Primaz esteve no distrito na manhã desta quarta-feira (24). Com remoção de moradores em dois pontos da chamada Rua Projetada 10, a Vale teve sua ação parcialmente frustrada na tarde de terça-feira (23), quando pretendia impedir o trânsito com a colocação de blocos de concreto. Em um dos pontos, os blocos foram descarregados e posicionados no meio da via, sendo posteriormente tombados pelos moradores, mas ainda constituindo um empecilho à livre circulação. Em outro local a mobilização dos moradores impediu que os blocos fossem isolados, garantindo que a passagem de crianças em direção à escola e de alimentos para animais fosse garantida.

Em um ponto da rua, a empresa chegou a posicionar os blocos de concreto. Eles foram tombados pelos moradores e um foi arrastado para permitir a passagem de veículos – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Para mim foi uma falta de respeito com a população, ninguém foi avisado de nada, veio a primeira equipe e fez a marcação, depois veio a segunda e colocou essas barreiras”, afirmou Darcy Alves, residente nas proximidades do ponto onde foi impedida a colocação dos blocos. Segundo ele não houve nenhum aviso, nenhuma comunicação ou acordo prévio, e nem mesmo o vereador residente no distrito havia sido informado. “Ninguém estava sabendo de nada, quando chegou o caminhão todos ficamos surpresos. Eles já chegaram falando que iam colocar. O Vereador Vander Leitoa também não sabia de nada, foi chamado e veio aqui na mesma hora para tentar resolver a situação. Alegou não saber de nada e ainda comentou que a rua não poderia ser fechada, a rua é pública, que eles tinham que avisar primeiro”, declarou Darcy.

Ellen Gospel reclamou que a medida iria afetar as crianças da rua e do entorno, que utilizam a via para ter acesso à escola. “Não vieram para pedir a nossa opinião, se podia colocar. Até mesmo porque a gente tem criança e a gente viu que as barreiras que eles queriam colocar são barreiras que têm quina. Ontem mesmo no momento que eles estavam para colocar aqui tinha criança descendo de bicicleta, que é uma rua que tem esse costume e eles não avisaram”, afirmou a moradora.

Os blocos colocados na pequena ladeira utilizada para acesso das crianças à escola foram arrastados pelos moradores para permitir a passagem segura – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Nossa reportagem também falou com Gislene Alves, cujo marido possui uma baia de animais em um local abaixo de onde seriam colocados os blocos de concreto. Ela contou que toda a ação foi uma surpresa e que houve participação da Defesa Civil na ação, acompanhando representantes da Vale. “Quando a gente desceu, tava Defesa Civil, tava representante da Vale, aí eles falaram: ‘…não, por que a justiça já determinou que vai fechar a rua…’, aí nós questionamos: Mas não pode fechar o acesso da rua, até então foram retiradas 18 famílias dessa rua, sobrando apenas 3 famílias, e agora como vocês quer tirar o acesso da rua?’ E outra coisa, a baia do meu esposo está dentro da área da ZAS, e eles até hoje não falaram nada, não justificam porque que não retirou ele”.

Baia de animais, pertencente a Edson Alves dos Santos, situada dentro da zona de autossalvamento (ZAS) – Foto: Luiz Loureiro/Agência Primaz

Nossos entrevistados afirmaram que, em nenhum momento foi apresentado qualquer documento oficial autorizando a instalação das barreiras. “Eles falaram mesmo que foi aprovado pela justiça, mas não tivemos comunicado nenhum, não comunicaram a gente, simplesmente a gente só viu porque saiu aqui fora, mas mesmo assim não falaram nada não”, afirmou Ellen.

Nossa reportagem apurou que, em um dado momento do episódio, um morador se colocou assentado no centro da via para impedir a instalação dos blocos, sendo ameaçado de prisão pelo representante da Defesa Civil. Entretanto, eles não souberam afirmar, com certeza, se essa pessoa era do órgão estadual ou municipal. “Ontem eles falaram que eram do estado. E foi mesmo [a situação da ameaça], o morador falou que não ia aceitar que colocasse a barreira, e que aí ele [Defesa Civil] falou com o morador que se ele continuasse a falar que ele ia prender mesmo. Aí todo mundo sentou, ninguém deixou eles passarem por esse acesso aqui, porque se a gente saísse eles iam colocar e a gente não ia ter voz nenhuma né?”, declarou Ellen.

“Eu não sou uma vida, não? Meus cavalos não têm valor?” (Gislene Alves)

De acordo com Gislene, seu marido insistiu que a rua não poderia ser bloqueada devido à necessidade de movimentar e alimentar os animais, recebendo como resposta a sugestão de procurar a Vale sempre que precisasse alimentar os animais. “Aí meu marido questionou como que vai ser o tratamento dos cavalos, descendo capim, ração, se aqui vai estar fechado. Aí eles falaram ‘não Edson, o que que a gente vai fazer, a gente vai colocar as barras e quando chegar o tratamento pros seus cavalos você liga pra gente na Vale que a gente vai mandar uma pessoa ajudar você a fazer o carregamento’, aí meu esposo falou ‘não, mas se isso tá proibido, a entrada de acesso de pessoas, de carro, eu não sou uma vida não? Eu não sou uma vida, meus cavalos não têm valor? Como que vai ficar isso?’

Darcy Alves ainda comentou sobre a situação de moradores que ainda estão dependendo de informação sobre o processo de remoção e que foi prometida uma reunião, com a participação do Ministério Público, para uma tentativa de acordo. “Tem uma pessoa ali com o processo de remoção, mas até hoje nada. Aqui na rua sobrou três famílias, e eles já querem fechar o acesso. Só porque já tem três? A rua é uma só. (…) No caminho que estava indo, não estava tendo reunião, não estava tendo nada. Agora eles falaram que vai ter uma reunião”, finalizou o morador.

Ellen e Gislaine demonstraram muita irritação com a situação. A primeira questiona a falta de informação e a incoerência de estar no limite da ZAS, sendo que seu vizinho em frente foi removido e ela não. “A gente pede informação, eu a minha vizinha Gislene, Edinho, a gente pede informação, a gente corre atrás, pergunta: “Vocês podiam pelo menos falar o porquê que a gente tá ficando?”, mas eles nunca vieram para explicar, eles falam que a gente não tá na mancha. Mas como é que a mancha da lama pega o meu vizinho de frente e não pega a minha casa? Como eles me garantem isso? Eles não dão garantia nenhuma, de nada”, reclama Ellen.

“Na minha porta eu não aceito!” (Gislene Alves)

Com muita convicção, Gislene demonstra seu posicionamento, aguardando a realização da prometida reunião. “Aí o representante da Defesa Civil falou que ia fazer uma reunião, que não ia colocar as [barras] daqui ontem, que ia fazer uma reunião, pra ver como que ia ficar, porque eu falei: ‘na minha porta, eu não aceito!’. Eu não aceito, porque aqui é gente que tá morando ainda. Se eles quiserem vir resolver, como que vai fazer com a gente, como que vai fazer com os cavalos do meu marido, a gente vai sentar e vai conversar. Agora simplesmente eles chegarem e fazer como que aqui não tivesse ninguém, como que nós não existíssemos, como que a gente fosse invisível. Isso aí nós não vamos aceitar não”, enfatizou Gislene.

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Vila Residencial Antônio Pereira

A Vale também mobilizou equipamentos e blocos de concreto para bloqueio de ruas na antes conhecida como Vila Samarco. De acordo com Shirley Lima e Alberto Firmino, houve mobilização dos moradores ontem, mas hoje já existem blocos instalados na Rua Fluorita, além das ruas Água Marina e Berilo.

No final da manhã desta quarta-feira (24), alguns blocos de concreto já obstruíam parcialmente a Rua Fluorita, na Vila Residencial Antônio Pereira – Foto: Alberto Firmino

Ontem [terça-feira, 23] apareceram 5 caminhões da Vale carregados de blocos de concreto e começaram a descarregar perto da ‘Pirâmide’ [Rua Fluorita] e também em dois pontos na Rua Água Marinha, tem até uns xis no asfalto. E eles falaram que vão colocar aqui. Isso é questão de tempo, porque eles conseguem tudo que eles querem”, declarou Alberto.

De acordo com Shirley, o aviso somente foi dado através de uma postagem que a Vale faz semanalmente em um grupo de mensagens, às 10h da manhã. “A gente levou um susto. E quando eu chego aqui no meu muro, na Rua Fluorita, eu vejo os blocos já descarregados. Aí eu fiz contato com o pessoal da Vale, da relação com a comunidade, pra tentar entender. Eu disse pra ela que isso tava causando uma confusão danada. ‘Como eu digo pras minhas crianças que não é a barragem que tá rompendo?’”, contou Shirley, afirmando ainda que a equipe da Vale estava acompanhada de Charles Murta, da Defesa Civil de Ouro Preto e de uma outra pessoa, o Tenente Walmer, supostamente da Defesa Civil Estadual.

Segundo Shirley, no momento do contato, foi prometido que haveria uma conversa com a comunidade, mas isso ainda não aconteceu e os obstáculos já foram parcialmente instalados, pelo menos na Rua Fluorita. Ela também informou à Agência Primaz que, iria participar, juntamente com outros moradores da Vila Residencial Antônio Pereira, de uma reunião com o Ministério Público, no início da tarde desta quarta-feira, em Ouro Preto. Até o momento da publicação desta matéria, entretanto, nossa reportagem não conseguiu obter informações sobre a realização ou não desta reunião.

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Vale, Defesa Civil e Ministério Público

Ainda antes da visita da Agência Primaz ao distrito de Antônio Pereira, nossa reportagem encaminhou e-mail ao setor de Comunicação da Vale, solicitando um posicionamento oficial sobre o ocorrido. Também por e-mail, às 14h11min desta quarta-feira (24), recebemos a resposta, cuja íntegra é reproduzida abaixo:

“Em linha com o previsto na legislação e em determinação judicial, as ruas da Zona de Autossalvamento (ZAS) da Barragem Doutor, em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, estão sendo fechadas com barreiras físicas para impedir o trânsito de veículos e pessoas. A medida tem como objetivo aumentar a segurança dos imóveis localizados na área e evitar o acesso ao local, evacuado em função das obras de descaracterização da barragem. O fechamento das ruas está sendo realizado pela Vale em conjunto com a Defesa Civil e a Prefeitura de Ouro Preto”

Por telefone, Charles Murta, da Defesa Civil, afirmou que a situação é complicada porque está sendo gerada uma dificuldade de relacionamento entre a comunidade e a Defesa Civil, por falta de comunicação da Vale e os moradores. “Essa falta de comunicação é complicada, gera dificuldades de relacionamento e é um desrespeito com a população”, afirmou Charles. Segundo ele, apesar de ser uma determinação judicial, a situação na Vila Residencial é mais complicada, porque, estando o acesso ao local feito por um trevo que está situado na ZAS, não faz sentido promover uma interdição parcial de ruas, já que a Vale, até hoje, apesar de também ser uma determinação judicial, não fez o acesso que pegaria lá da Rua Diamante, até sair na rodovia MG129, próximo ao CRAS.

Charles Murta diz que, no caso do distrito, a decisão de colocação das barreiras foi do Secretário de Defesa Social, Juscelino Gonçalves, tendo em vista que, segundo ele, os moradores que estavam na ZAS já foram removidos e não há problema de acesso dos que lá permaneceram, ou seja, os acessos estão fora dos limites da zona de autossalvamento.

Enfatizando que a Defesa Civil de Ouro Preto tem insistido para que a Vale melhore a comunicação com a comunidade, Charles Murta afirmou que o órgão defendeu a suspensão da instalação de barreiras na Vila Residencial, até que “a empresa tivesse toda a estrutura necessária para fazer o fechamento adequado e também se posicionasse em relação ao acesso secundário, que até o momento não foi feito”.

Outro ponto destacado por Murta, é que a Defesa Civil já apresentou, há vários meses, um plano de segurança extra, para o distrito de Antônio Pereira, envolvendo também a área da Vila Residencial, oferecendo infraestrutura para aumentar a segurança do local, sem qualquer resposta da Vale até o momento. “Nós temos que garantir que as casas [cujos moradores foram removidos] não vão ser reocupadas, que não vão ter invasões”, finalizou Charles.

A Agência Primaz não conseguiu contato com representante do Ministério Público em Ouro Preto.